Série de artigos – A Ética Budista nos Negócios.
Nós estamos destacando trechos do artigo “How Should We Understand The Dhamma” [“Como Nós Devemos Entender O Dhamma”], de autoria de Buddhadāsa Bhikkhu e M.R. Kukrit Pramoj, visando o conhecimento e o entendimento sobre o sistema de pensamento (ética, princípios e valores), o sistema organizacional (ambiente de trabalho, de relacionamentos e de políticas) e o sistema de tomada de decisões (propósitos, resultados e metas) de uma Organização Baseada na Espiritualidade (OBE), sendo esse tipo de Organização uma tendência global irreversível para as pequenas, as médias e as grandes Empresas, em quaisquer mercados de atuação, que visam a agregação de valor para todos os envolvidos nos negócios, assim como a sua própria perenidade.
Fonte:
The Chulalongkorn Journal of Buddhist Studies – An Academic Journal Devoted to the Academic Study of Buddhism [The Chulalongkorn Journal of Buddhist Studies – Um Periódico Acadêmico Dedicado ao Estudo Acadêmico do Budismo].
Publicado por Center for Buddhist Studies [Centro para Estudos Budista] – Universidade Chulalongkorn, Tailândia.
Conselho Consultivo
- Phra Dhammakosacharn
- Wit Wisadavet
- Sunthorn Na-rangsi
- Preecha Changkhwanyuen
- Mark Tamthai
- Donald K. Swearer
Editor
Somparn Promta – [email protected]
Site: View of HOW SHOULD WE UNDERSTAND THE DHAMMA
Tradução livre Projeto OREM® (PO)
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THE CHULALONGKORN JOURNAL OF BUDDHIST STUDIES
An Academic Journal Devoted to the Academic Study of Buddhism
Published by Center for Buddhist Studies
Chulalongkorn University
Volume 1-3
[2002-2004]
EDITED BY
Somparn Promta
Department of Philosophy
And Center for Buddhist Studies
Chulalongkorn University
Bangkok, Thailand
SUMÁRIO
- From the Editor [I] – Somparn Promta
- Theravāda Buddhist Ethics [1] – Wit Wisadavet
- A Concept of Rights in Buddhism [17] – Somparn Promta
- Business and Buddhist Ethics [39] – Subhavadee Numkanisorn
- Administration of the Thai Sangha [59] – Sunthorn Na-rangsi
- The Application of Buddhist Ethics to Thai Society [75] – Preecha Changkhwanyuen
- Buddhist Perspectives on Health and Healing [93] – Wichit Paonil and Luechai Sringernyuang
- Consumerism, Prostitution, and Buddhist Ethics [107] – Phra Somsak Duangsisen
- Dhammic Socialism: Political Thought of Buddhadāsa Bhikkhu [115] – Preecha Changkhwanyuen
- How Should We Understand the Dhamma [139] – Buddhadāsa Bhikkhu and M.R. Kukrit Pramoj
- The Buddhist Philosophy of Education [159] – Wit Wisadavet
- Buddhadāsa Bhikkhu and Dhammic Socialism [189] – Tavivat Puntarigvivat
- Going Forth in Thai Society [209] – Chamnong Adiwathanasiddhi
- Political Beliefs of the Thai Sangha [219] – Pholsak Jirakraisiri
- Buddhism and Human Genetic Research [233] – Somparn Promta
- Buddhist Analysis of Capitalism [247] – Preecha Changkhwanyuen
- Boonnoon’s Critique of Thai Sangha [261] – Pagorn Singsuriya
- Buddhist Economics and the Asoke Buddhist Community [271] – Suwida Sangsehanat
Do Editor
Convite para se Juntar ao Mundo dos Estudos Budistas
“O Chulalongkorn Journal of Buddhist Studies é um humilde periódico dedicado principalmente a publicar artigos sobre o estudo acadêmico do Budismo. Como nós entendemos, pode haver vários entendimentos em relação ao termo ‘estudos Budistas’. No entanto, o nosso entendimento dessa palavra parece seguir o que foi dito pelo próprio Buda. O Budismo nos ensina a explorar o que deve ser considerado como os valores da vida. Normalmente, a visão Budista sobre o valor da vida está intimamente relacionada a uma coisa chamada ‘verdade’. Nós pensamos que o objetivo básico do estudo do Budismo é a verdade, ou um caminhar perto da verdade. A verdade, em nossa visão, é alguma coisa que é capaz de nos dar pelo menos duas coisas, a saber, sabedoria e felicidade. Portanto, embora esse periódico seja acadêmico, nós esperamos que o que for encontrado nele possa promover a verdade, como dito acima.
A internet tem o potencial de nos fazer superar algumas limitações dadas a nós por condições naturais e não naturais. No passado, publicar um livro ou algum tipo de escrito nunca poderia ser independente da comercialidade. Exatamente, o propósito básico da publicação de livros é unir duas pessoas: o escritor e o leitor. Isso não é diferente do propósito de produzir quaisquer bens em que duas pessoas, a saber, a pessoa que produz e a pessoa que consome, estão interligadas. A internet nos dá uma chance para o leitor e o escritor se encontrarem sem a terceira pessoa que no passado tinha o papel principal em decidir se, nesse caso, ela permitiria ou não que essas duas pessoas se encontrassem. O periódico online é barato e é capaz de ser livre da influência da comercialidade. Em textos Budistas, às vezes uma parábola das velas é dada pelo Buda para ilustrar como o Budismo concebe uma coisa chamada caridade. Como nós sabemos, um dos grandes ensinamentos do Budismo é um ensinamento sobre doação. Nós sabemos disso por meio de uma palavra Páli ‘dāna’. A doação na perspectiva Budista é feita para fornecer pelo menos duas coisas para o doador: felicidade e sabedoria. Quando nós damos; isso é como acender uma vela no escuro. Quando os nossos amigos vêm à nossa casa e pedem permissão para acender as velas deles com a nossa vela; isso é um grande prazer para nós em permitir que os nossos amigos obtenham o que eles necessitam. Quando nós decidimos lançar esse periódico, a imagem das velas ditas acima apareceu em nossa mente.
Todos os escritos nesse periódico são totalmente doados gratuitamente para o leitor. Como nós pensamos que ninguém no mundo é capaz de ser visto como o doador ou o tomador sozinho, o que nós temos feito em nome do editor e do escritor e outra pessoa relacionada é visto por nós como um tipo de ação feita por amigo para o amigo. Mesmo para o leitor que sente que ele prefere ler a escrever, apenas ler é o suficiente para nos fazer sentir que nós temos alguma coisa dada por nosso leitor. Méritos nos ensinamentos Budistas são realizados sob esse entendimento da amizade entre homem e homem e entre homem e outros seres sencientes. Chegando a esse ponto, o editor gostaria de aproveitar essa oportunidade para convidar os estudiosos do Budismo a partir de qualquer parte do mundo para se juntarem ao periódico. Há algumas informações primárias sobre o periódico a serem declaradas como segue. Primeiramente, como nós sentimos que o nosso periódico deve ser amigável e natural, a maneira do periódico é projetada para servir a esse propósito tanto quanto possível. Em qualquer periódico em Inglês, nós pensamos que um dos muitos padrões exigidos é o idioma. Parece que para atender a esse requisito, o nosso periódico deve ter o editor de idioma responsável por esse assunto. No entanto, nós decidimos evitar o uso do editor de idioma pela principal razão de que nós queremos que o nosso periódico seja natural. O Inglês agora é usado por um grande número de pessoas no mundo que não usam o Inglês como primeira língua. Até mesmo o editor desse periódico é aquele que tem aprendido Inglês como segunda língua e não usa o Inglês na vida diária. Se nós aceitamos a verdade de que para amigos as ações erradas não são importantes, nós esperamos que os nossos amigos que usam o Inglês como língua nativa tenham paciência para ver o Inglês em outros estilos, mesmo no estilo errado de acordo com os seus padrões.
Para aqueles que desejam se juntar a nós, por favor enviem os artigos ou quaisquer formas de escritos acadêmicos sobre o Budismo para o editor por meio do endereço de e-mail fornecido. Nós temos vários estudiosos Budistas para ler os manuscritos antes da publicação. No entanto, o processo de revisão por pares é feito sob entendimentos amigáveis, como dito anteriormente. Nós não esperamos uma coisa normalmente chamada de padrões acadêmicos se essa coisa significa ‘o que você deve fazer é como escrever uma tese para um mestrado ou doutorado’. O que nós esperamos é que o artigo tenha algum ponto para fazer o leitor entender melhor o Budismo. Nós temos tentado o máximo possível fazer o formato do periódico artístico e bonito. Todos os artigos publicados são formatados em formato PDF e organizados de forma que o leitor seja capaz de imprimi-los pessoalmente e ter um belo volume. No futuro, nós esperamos que o número de volumes aumente; e por essa razão nós temos projetado todas as coisas para fazer o periódico, quando impresso para uso pessoal, formar um conjunto de livros com design artístico e bonito. Além do periódico, outra coisa que nós temos concebido em nossa mente é se for possível publicar e-books sobre o estudo acadêmico do Budismo, nós faremos isso. E certamente, espera-se que esses e-books sejam de distribuição gratuita, assim como o periódico.
Nós fazemos o nosso trabalho de coração.
Somparn Promta
Centro de Estudos Budistas e Departamento de Filosofia
Chulalongkorn Unibersity Bangkok, Thailand.”
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COMO NÓS DEVEMOS ENTENDER O DHAMMA
Por Buddhadāsa Bhikkhu e M.R. Kukrit Pramoj
I
“Buddhadāsa: A assembleia dos interessados no Dhamma, presidida pelo ministro! Eu fui convidado aqui para proferir uma palestra sobre Dhamma em um estilo dialógico. Ou seja, as perguntas serão levantadas de todos os ângulos possíveis, a fim de promover o entendimento, o que é diferente do debate como comumente entendido. Portanto, por favor, prestem bastante atenção. O tópico proposto é ‘Como vocês entendem o Dhamma?’. No entanto, não está claro a quem ‘vocês’ se refere. Se isso é a audiência (público), Ajam Kukrit e eu não temos nada a dizer, pois isso diz respeito a cada uma das audiências. Se isso se referir a nós, Ajarn Kukrit e eu expressaremos as nossas opiniões. Eu relatarei as minhas opiniões e Ajam Kukrit levantará perguntas para esclarecer pontos interessantes. No entanto, eu gostaria de modificar o tópico para ‘Como nós devemos entender o Dhamma?’.”
Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que, onde quer que eu esteja para proferir um sermão, eu sou acusado de tentar lançar propaganda religiosa, como se estivesse exagerando na publicidade de um produto. Portanto, eu gostaria de deixar claro a todos que o Dhamma é, em si mesmo, tão maravilhoso que nem propaganda nem anúncio são necessários. A promoção vem a ser necessária devido à queda espiritual das pessoas. Um exemplo são as atividades dos escoteiros ou da Cruz Vermelha, que são sempre acompanhadas de uma forma elaborada de ‘propaganda’. Isso demonstra que o nosso estado mental não é adequado para o aprendizado do Dhamma. Enquanto isso, os elementos que desviam as pessoas do Dhamma — até mesmo a obscenidade ou apāyamukha (formas de esbanjar riquezas) — recebem intensa ‘propaganda’. Portanto, esse é o momento certo para nós contestarmos isso com ‘propaganda religiosa’. Eu estou disposto a enfrentar a acusação enquanto nós salvamos o mundo em decadência. A ‘propaganda mundana’ demonstra a situação do egoísmo. Esse mundo está cheio de mentiras ditas com base no interesse próprio.
Em suma, é a atmosfera de imposição por meio de palavras e intenções, que é misteriosa e invisível. A imposição não é um dever humano. O Dhamma é o dever puro que nós devemos cumprir. A imposição certamente não é o dever, pois ela é contra o dever, o Dhamma. Em outras palavras, ela se conforma ao Dhamma oposto, o dos vilões e dos desonestos. A imposição não é o Dhamma desejável. Portanto, nós descrevemos aqueles sem o Dhamma como tendo menos virtude humana. Eu gostaria de resumir que nós temos menor qualidade mental para entender o Dhamma. Mesmo com o progresso material e mais pesquisas, a virtude que sustenta a conformidade com o dever vem a ser menor, de modo que se torna cada vez mais inadequada para o entendimento do Dhamma. O problema, portanto, é como promover o entendimento do Dhamma entre a nova geração. Elas terão um entendimento melhor? A educação é adequada para essa tarefa? Esse é o ponto que eu proponho que vocês lembrem aos nossos filhos.
Nesse mundo, dez mil toneladas de papel são usados em publicações. Portanto, os livros são influentes. No entanto, de todas as publicações, quantos por cento são sobre o Dhamma? A maioria deles promove a sensualidade, o que desvia as pessoas do Dhamma. Os elementos de distração são tantos que agora eles formam a atmosfera do mundo e se apoderam da mente humana. Torna-se então difícil entender o Dhamma. Além disso, eu gostaria de salientar que o chamado estudo do Dhamma, ou estudo de Pāli, nos templos, pode ser feito sem qualquer entendimento verdadeiro do Dhamma. Eu gostaria que Ajarn Kukrit elaborasse esse ponto. A sangha(*) está em uma situação lamentável. Ou seja, apesar do avanço dos assuntos monásticos, ela visa fazer outras coisas além da promoção do entendimento, tais como o fornecimento de conhecimento vocacional, que pode ser obtido sem qualquer interesse ou entendimento preciso do Dhamma. Em resumo, a questão é se o entendimento do Dhamma pelas pessoas é agora desejável ou merece a nossa preocupação. Que Ajarn Kukrit lidere a discussão para nos proporcionar um bom entendimento?
[(*)Observação PO: Sangha ou Sanga (em Páli, saṅgha; em sânscrito, संघ saṃgha) é uma palavra em Páli ou Sânscrito que pode ser traduzida aproximadamente como “associação”, “assembleia” ou “comunidade” com um objetivo, visão ou propósito comuns, “ordem religiosa”. Pode ser considerada de três formas: A comunidade monástica de discípulos do Buddha; Aqueles que atingiram algum estágio de iluminação (também Arya-Sangha); Todos os seguidores do Buddha (menos comum). Fonte: Wikipédia.]
M.R. Kukrit: Eu concordo com o seu ponto de vista. Eu sinto que as pessoas hoje em dia não entendem o Dhamma, ou tomam alguma coisa como Dhamma quando não o é. Quanto aos anúncios, é normal para pessoas mundanas que ainda têm que ganhar a vida delas. Não me diz respeito de forma alguma. O Venerável mencionou os anúncios dos templos. O estudo de Páli e Dhamma nos templos podem ser feitos sem qualquer conexão com o Dhamma. Eu concordo plenamente com esse ponto. Eu não gostaria que o próprio Venerável discutisse sobre isso, porque eles ainda são os seus companheiros. Caso contrário, isso não seria bom para você. Você disse que tem sido acusado de lançar ‘propaganda religiosa’ ou de exagerar no anúncio do Dhamma. Eu acredito que isso foi por parte de poucos, pois isso não é verdade. Se isso fosse verdade, as pessoas saberiam e acreditariam na ‘propaganda’. A verdade é que a maioria ainda não entende o Dhamma. Portanto, se a ‘propaganda’ é realmente feita, não é boa o suficiente, pois ela não se compara às outras. A maioria ainda não entende. A maneira como os anúncios do Dhamma são conduzidos, penso eu, não é diferente daqueles com propósitos comerciais. Ou seja, os anunciantes do Dhamma pesquisam o mercado e então propõem vender coisas que correspondam aos desejos. Quando aqueles nos templos sabem que os desejos das pessoas estão cheios de ganância e delusão, eles propõem ganância e delusão em nome do Dhamma.
Por exemplo, eles dão sermões sobre poderes sobrenaturais. Na rádio e em outras mídias, os tópicos do paraíso e flertes entre anjos são abordados para encantar o público em todo o país. Até mesmo as coisas incríveis que as crianças podem falsificar são incluídas nos sermões. Eu sinto que os anúncios do Dhamma, como são feitos hoje, não são bem pensados. Isso pode eventualmente afastar as pessoas e minar a fé no Dhamma. Se as pessoas consideram o Dhamma falso — isto é, quando o que eles percebem na rádio ou nos jornais é desinteressante, inacreditável, duvidoso ou errado —, aqueles que nunca conheceram o verdadeiro Dhamma perderão o interesse e pensarão que o Dhamma é inútil e sem sentido e que é melhor viver uma vida mundana, ganhando a vida deles. Se um templo anuncia amuletos ou imagens importantes de monges, descrevendo que qualquer um que os possua enriquecerá, isso provavelmente fará as pessoas acreditarem. Mas essa crença não se baseia na racionalidade. Muitos acreditam que, se alguém quer ser rico ou ter um negócio bem-sucedido, existem muitas outras maneiras de atingir esses fins, como honestidade e trabalho árduo. Por outro lado, alguns pensam que atos desonestos e não a adoração de amuletos ou imagens de monges, são os meios eficazes de ganhar dinheiro. No entanto, os templos hoje em dia dão muita ênfase a esse tipo de anúncio, o que resulta em desvantagens indesejáveis. Eu penso que os templos se baseiam fortemente em métodos mundanos. Eles falam o que as pessoas querem ouvir.
Portanto, se as pessoas são gananciosas, elas pregam da maneira como a ganância é promovida; se as pessoas são deludidas, elas promovem a delusão ao invés de lhes dar luz. Às vezes, elas até fornecem médiuns. Tudo isso tem a ver com desejos e falsas visões, entretanto, conseguem criar a atração. Eu não entendo o propósito dessas atividades. A minha investigação me diz que o dinheiro é a meta. Eles alegam que isso dá aos templos um suporte financeiro. A questão que surge é para que servem os templos. Se eles são o lugar onde o Dhamma correto deve ser propagado, a confiança nos meios que são contrários ao Dhamma é uma contradição. Ao invés do lugar da liberação espiritual, os templos são os locais da delusão, não da iluminação. Eu posso ser considerado agressivo, no entanto, a minha observação me mostra isso. Os anúncios de imagens de Buda, amuletos e imagens de monges são amplamente difundidos. A atmosfera competitiva não é diferente daquela encontrada no mercado comercial. As campanhas para a prática de vipassanā(*) também são facilmente encontradas. As pessoas frequentam escolas de vipassanā e fofocam sobre a superioridade dessa sobre aquela escola. Os tópicos de fofoca incluem até mesmo os assuntos particulares dos mestres de vipassanā. Como eu não pertenço a nenhuma escola, eu ouço fofocas sobre todas as escolas. As pessoas apareciam e me contavam as fofocas. Eu não gostaria de entrar em detalhes. Se a principal atividade que as pessoas fazem quando elas vão se sentar para meditação é fofocar, eu nunca vejo que vipassanā seja capaz de fornecer o caminho para promover o entendimento do Dhamma. Eu gostaria de deixar isso para o Venerável. Caso contrário, eu falaria por conta própria.
[(*)Observação PO: Vipassanā (Pāli) ou Vipaśyanā (em Sânscrito: विपश्यना; em Chinês: 觀 Guān; em Tibetano: ལྷག་མཐོང་, lhaktong; Wyl. lhag mthong) na tradição Budista significa insight na natureza da realidade, está marcada pelas três características da existência. A dualidade Samatha/Vipassanā (Satipatthana) é normalmente usada para discernir dois aspectos da meditação Budista, respectivamente concentração-tranquilidade e investigação. Vipassanā também pode ser usado para referenciar as escolas Theravāda de meditação que adotam esse aspecto como predominante na prática Budista. Fonte: Wikipédia]
Buddhadāsa: Em seguida, eu gostaria de me concentrar nos obstáculos ao entendimento do Dhamma. Quando as pessoas dizem que elas estão interessadas ou querem estudar o Dhamma, elas se referem ao entendimento teórico, que elas perseguem até o ponto da inutilidade. O estudo teórico é prazeroso porque há muitos pontos para discussão. E aqueles que são bem-sucedidos no estudo e não na contemplação séria, facilmente conquistam prestígio. As pessoas são, portanto, atraídas pela questão teórica sem qualquer envolvimento com o caminho da prática. Um exemplo é o estudo do Abhidhamma, que se concentra principalmente em explicações teóricas, ao invés de questões práticas. Para entender o ponto, compare o estudo da fórmula para criar um ser humano com o estudo da prática para que os seres humanos existentes se libertem a partir do sofrimento e pense no que é mais interessante. O primeiro geralmente é considerado desafiador, enquanto o segundo parece ser comum. No entanto, considere o que deve ser feito; o que tende a nos beneficiar. Na verdade, nós focamos na conformidade com o vinaya(*), na memorização do sutta(*) e na discussão do abhidhamma, enquanto a essência do dhamma é negligenciada. As pessoas esquecem a necessidade de se transformarem para se tornarem uma só com o Dhamma. Esses são os obstáculos para o entendimento correto.
[(*)Observação PO: Vinaia (Vinaya, uma palavra em Páli e Sânscrito, significando ‘educação’, ‘disciplina’) é a base regulatória da comunidade monástica Budista, ou sanga, baseada nos textos canônicos chamados Vinaia Pitaca (Vinaya-Pitaka). Os ensinamentos do Buda, ou o Budadharma podem ser divididos em duas categorias abrangentes: Dhamma, ou doutrina, e Vinaya, ou disciplina. Fonte: Wikipédia]
[(*)Observação PO: Sutra (सूत्र em sânscrito) é um substantivo derivado do verbo √siv, que significa costurar. Trata-se de um ensinamento basicamente religioso em forma de texto, originário das tradições espirituais da Índia, particularmente do Hinduísmo, do Budismo e do Jainismo. Fonte: Wikipédia]
Como resultado, o que nós estamos fazendo é simplesmente uma imitação sem sentido do que os nossos ancestrais fizeram. Por analogia, nós não somos diferentes dos filhotes de caranguejo que ziguezagueiam como as mães deles. Falta-nos o verdadeiro interesse no entendimento correta do Dhamma. Como disse Ajarn Kukrit, a religião é comercializada, o que obstrui o aprendizado do Dhamma. No entanto, a maneira tradicional de prática religiosa abre caminho para isso — filhotes de caranguejo ziguezagueando e comercialização. Em resumo, nós prestamos atenção apenas ao estudo teórico do Dhamma e nos aprofundamos até o ponto da desnecessidade. Ironicamente, o Vinaya, o Sutta e o Abhidhamma acabam atrasando o aprendizado. O que você pensa desses fatos? Eu peço novamente que você discuta.
M.R. Kukrit: Eu concordo com o Venerável. Sempre que você diz isso, eu sempre o acho agradável. Eu penso que a causa de todos esses problemas decorre da ignorância quanto ao objetivo do aprendizado do Dhamma. As pessoas em geral não prestam atenção a isso. Elas optam por alguma coisa mais simples, como a ideia de que todas as religiões ensinam as pessoas a serem morais. Portanto, elas pensam que qualquer religião servirá, ou mesmo que todas são capazes de ser integradas como uma só. Essa é a tendência. E realizaram as reuniões (sobre a ideia) como se não houvesse nada de significativo (sobre o objetivo). As religiões são levadas a ser meios para ensinar as pessoas a fazer o bem. Não faz sentido considerar o quão diferentes elas são. Elas podem participar da assembleia de qualquer religião. Elas não entendem o Dhamma. Elas não sabem para que serve o aprendizado do Dhamma e tomam os meios como o fim. Ou entendem erroneamente que o Sutta é o Dhamma e se dedicam a memorizar o seu conteúdo. Quando elas prometem observar os preceitos, elas assumem uma atitude competitiva. Elas querem provar quem consegue fazer melhor. Caso contrário, elas irão para o outro extremo.
Ou seja, elas pensam que, se não conseguem observá-los rigorosamente, os preceitos não devem ser observados de forma alguma. Além disso, elas afirmam que é melhor estudar o Abhidhamma porque é mais profundo, é capaz de isentar a pessoa da observância dos preceitos e permite uma prática vigorosa de Vipassanā. Esses preceitos podem ser encontrados. Eles irão para os extremos opostos. Alguns estudam o Abhidhamma para aprender termos técnicos e para contar os conjuntos de estados mentais, sobre os quais gostam de conversar. Eu penso que o estudo do Abhidhamma, o estudo do Sutta e a observância dos preceitos por si só não visam o Dhamma, não visam a liberação dos sofrimentos — o verdadeiro objetivo. Tudo isso decorre da ignorância do objetivo. Não apenas os estudos são afetados, mas também a prática diária; se o objetivo não for corretamente entendido, nós prendemos o Dhamma a um determinado lugar. Não absorvemos o Dhamma. Nenhuma prática se inicia. Elas consideram que o Dhamma depende das condições de lugar e tempo. Por exemplo, se alguém vai a um templo, o Dhamma deve ser o tema da conversa, ou deve-se ouvir os sermões e observar os preceitos neles contidos. Eles acreditam que, ao sair do templo, os preceitos não são mais necessários para serem observados. A instrução do Dhamma é completamente dada na vida diária. Se nós observarmos a vida do ponto de vista do Dhamma, nós veremos que o Dhamma é o veículo da liberação. Não importa o que nós vemos na vida ou no trabalho, mais sensação de liberação pode ser sentida se nós os virmos com o Dhamma, ou os considerarmos com o Dhamma, se nós deixarmos o Dhamma estar dentro de nós, ou buscarmos o Dhamma em nós mesmos.
Ou seja, nós somos capazes de nos libertar gradualmente do sofrimento. Nós não conhecemos o verdadeiro objetivo do Dhamma. Nós entendemos erroneamente que nós vamos aos templos para obter méritos e estudar a religião para sermos uma boa pessoa. De que adianta fazer o bem para obter lucro? Por exemplo, alguns funcionários públicos fazem o bem porque eles querem promoção. Eles pensam que isso é fruto de méritos. Se eles ficam decepcionados, eles ficam tão profundamente infelizes que nada é capaz de acalmá-los. Às vezes, eles até param de fazer o bem.
Isso decorre, em primeiro lugar, da ignorância do significado do Dhamma, em segundo lugar, da ignorância de seu objetivo e, em terceiro lugar, da falta de entendimento do que é ‘bem’ de acordo com o Dhamma. Se nós ainda quisermos ensinar o Dhamma às pessoas, eu penso que nós devemos fazê-lo corretamente. Ou seja, nós devemos começar com o que é ‘bem‘ de acordo com o Budismo. Qual é o bem supremo? Caso contrário, nós não temos uma norma. Hoje em dia, nós continuamos ensinando as pessoas a fazer o bem sem lhes dizer o que é bem, como é bem, por que é bem. Quando isso não é ensinado, as pessoas não entendem e interpretam mal que o bem são coisas obtidas em troca, como ir para o céu, tornar-se prestigiado, possuir um carro grande, ter muito dinheiro, ganhar condecorações reais. Mesmo que os eventos da vida mostrem que essas coisas não são boas, mas sim veículos para sofrimentos, ninguém acredita nisso. Tudo decorre da ignorância sobre o Dhamma sobre o qual o Venerável falou. Essas são as minhas opiniões.
Buddhadāsa: Eu ainda tenho dúvidas se nós temos alguma esperança de trazê-los de volta para que eles tenham o entendimento correto — um bom começo.
M.R. Kukrit: Ops! Você me pergunta? Na verdade, isso é problema seu, porque você é o monge. Eu sou o leigo. Basta que eu entenda isso. Eu não tenho o dever de guiar ninguém. Que cada um faça a sua parte. Eu não tenho o dever de propagar. Eu estive no monaquismo por um curto período; é meu dever me iluminar o máximo que eu puder. Se eu tenho sucesso, eu estou satisfeito. Se as pessoas irão para o inferno, isso não é da minha conta. Eu gostaria de perguntar ao Venerável o que você fará, visto que é seu dever guiar as pessoas para a iluminação.
Buddhadāsa: Deixe-me repetir a minha pergunta. Como um homem com um conhecimento tão amplo do mundo, das pessoas e da sociedade que a perda deles é percebida, você pensa que ainda é possível para nós instruí-los?
M.R. Kukrit: É sempre possível, ou pelo menos esperançoso, porque a educação atual está inculcando racionalidade nas pessoas. A fé em coisas além da comprovação racional talvez esteja começando a diminuir. Eu penso que deveria haver uma organização, ou pessoas no círculo religioso, estabelecendo princípios irrefutáveis que expliquem em que nós temos fé no Budismo, em que realmente nós temos fé? Nós não podemos ter certeza de que tipo de fé as pessoas estão tendo. Os assim chamados Budistas não adoram apenas o Buda, o Dhamma e a Sangha, mas também Kuan-ou (o virtuoso guerreiro Chinês) e similares. Ou mesmo M.R. Kukrit. Eles são capazes de adorar todas as coisas. Adorar por quê? A seita Tailandesa não diz. Os monges estão todos apáticos. Cada um dá uma resposta diferente quando questionado. A nossa religião reconhece tal liberdade de expressão tão notável. Nenhuma resposta conclusiva pode ser alcançada. Tudo depende de cada templo, cada escola ou cada monge. Cada um ensina à sua maneira. Isso não é conclusivo.
Antigamente, eu pensava que eu podia contar com os monges quando tinha alguma dúvida. No entanto, quanto mais eu conversava com eles, mais claramente a disparidade se tornava evidente. Eu então não sabia o que fazer. Eu não queria escolher entre eles. Hoje em dia, eu ainda trato os monges com respeito, entretanto, eu não lhes faço perguntas. Eu lhes presto respeito à primeira vista e faço oferendas. Eu nunca faço perguntas, porque isso me daria dor de cabeça. Todos eles dão respostas diferentes. Portanto, nós devemos começar com o objetivo da fé no Budismo e o que exatamente é a bondade. Qual é o bem supremo? O que é isso quando o Budismo chama de ‘saber’? Quando é isso que nós sabemos? Ninguém jamais fala sobre isso. As pessoas se dedicam à prática de vipassanā simplesmente para descobrir que ainda não sabem se ela é praticada corretamente. Elas são totalmente ignorantes. Esses deveriam ser o ponto de partida. Eu penso que é possível ensiná-las. Mas elas têm que ser ensinadas pela autoridade. E elas devem ser mantidas uniformemente. Eu não me importo com interpretações errôneas dos preceitos ou mal-entendidos. Isso é uma questão de liberdade individual.
No entanto, o Budismo deve fornecer os princípios que ninguém no círculo religioso é capaz de negar, o princípio no qual os leigos são capazes de confiar. Ou seja, quando eles fazem uma pergunta, pode-se esperar que recebam uma resposta uniforme, independentemente de quais templos. Hoje em dia, os templos dão respostas diferentes. Eu não sei o que fazer. Se eu fosse a Suan Mok e perguntasse ao Venerável o que nós fizemos de mérito, você poderia me dizer que foi para a eliminação das impurezas, para a liberação. Se eu fosse a Chiang Mai e perguntasse ao outro monge, ele poderia me dizer que foi para ir ao céu a muitos quilômetros de altura. Uma colher de arroz oferecida ao monge me permitiu me tornar um anjo após a morte, cercado por outros oitenta e quatro mil anjos servos. Isso é uma forma de lucro, eu penso. Eventualmente, eu mesmo também sou capaz de propor os meus próprios princípios religiosos, o que equivale a ter uma nova religião. É o meu próprio Budismo, originado do meu próprio entendimento e mantido somente por mim, sem qualquer propagação.
Buddhadāsa: Portanto, isso significa que, antes de tudo, nós devemos ter um entendimento uniforme do Dhamma. Caso contrário, nós incorreremos no problema descrito por Ajam Kukrit. Ou seja, cada escola foca em um ponto específico como bem entender, o que cria dificuldades para a sociedade. O tópico de hoje é ‘Como nós devemos, ou vocês, entender o Dhamma?’. Esse é realmente um bom tópico. Eu gostaria de chamar a sua atenção para essa palavra, Dhamma. Nós devemos entender os seus significados completamente. No entanto, antes de tudo, eu gostaria de dizer que o Dhamma que é capaz de ser explicado ou discutido não é o Dhamma verdadeiro e supremo. O Dhamma verdadeiro e supremo está além da discussão porque se limita à experiência de cada indivíduo. É como sabores doces ou salgados, que não são capazes de serem explicados às pessoas. Elas mesmas precisam prová-los. Portanto, o Dhamma que é explicado não é supremo. Eu gostaria de pedir a Ajarn Kukrit que discuta sobre isso. Isso é assim?
M.R. Kukrit: Eu tenho absoluta certeza. O verdadeiro Dhamma não pode ser ensinado. Aqueles com experiência direta dele não podem dar a explicação, porque transcende a linguagem humana. Ele é incomparável. Ele é profundo demais para a expressão verbal. O iluminado não é capaz de demonstrá-lo. No entanto, antes que a iluminação seja alcançada, é necessária alguma orientação como a dada pelo Buda. Se nós ainda tivermos bondade amorosa para com os outros para conduzi-los à realização, nós necessitamos fornecer-lhes diretrizes de prática ou instruí-los sobre o Dhamma. Apesar de não ser o verdadeiro Dhamma, isso é capaz de levar as pessoas ao verdadeiro Dhamma. Não ensine o Dhamma que as afasta. Não ensine o Dhamma que representa o obstáculo. Como eu disse anteriormente, se o Dhamma deve ser ensinado, deve-se considerar se as instruções são o obstáculo, o promotor de impurezas, desejos e ilusões. Esse tipo de instrução é o obstáculo. Nós devemos evitá-lo.
II
Buddhadāsa: Pode-se dizer que Ajarn Kukrit e eu concordamos que o Dhamma a ser discutido é aquele sobre o qual a expressão verbal é possível até certo ponto. Vamos definir conclusivamente o Dhamma que merece atenção para que o interesse seja despertado e a prática seja iniciada. Em primeiro lugar, o Dhamma são todas as coisas, sem nada excluído, não importa se são abstratas ou concretas; ações ou os seus frutos; condicionados ou incondicionados; permanentes ou impermanentes. Todos são o Dhamma. Em segundo lugar, todos esses seguem certas leis. As leis de todos esses são o Dhamma. A primeira definição de Dhamma pode referir-se à ‘natureza’. Todas as coisas, até mesmo o Nibbāna, são naturais. A segunda definição, as leis de tudo o que chamamos de ‘Dhammatā’, também é a natureza. Em terceiro lugar, o Dhamma é o dever recíproco entre todos, o dever de agir de acordo com as leis para alcançar a paz. Eu insisto que o meu estudo aprofundado me leva a apenas três definições do Dhamma. Nós podemos concluir que o Dhamma tem que ser conhecido, praticado ou tido para evitar que todos sofram. Isso é, de acordo com o objetivo da religião no que diz respeito aos seres humanos e de acordo com o propósito do Buda, o do Mestre. Em última análise, nós descobriremos que a prática termina com o Dhamma no sentido do vazio do apego até mesmo ao Dhamma. O Dhamma verdadeiro e supremo equivale ao desapego completo, até mesmo ao Dhamma — até mesmo à noção de que esse Dhamma é eu [me em Inglês; a pessoa] ou meu/minha [mine em Inglês; os meus próprios pertences, as coisas que são minhas].
A noção de ‘eu’ ou ‘meu/minha’ é extinta, independentemente de estar nas leis, no dever para com todos ou no fruto da prática. A nossa mente está vazia do sentimento de que o que é eu (me) e o que é meu/minha (mine) existem, o sentimento sustentado pelo apego. Essa é a realização suprema do Dhamma. Nós devemos atingir esse ponto de entendimento se nós quisermos nos salvar. Caso contrário, nós não somos capazes de nos salvar e estamos abaixo do ponto em que nós somos capazes de corretamente afirmar que nós conhecemos a religião do Buda. Nós precisamos entender isso a ponto de não haver apego ao ‘eu’ ou ao ‘meu/minha’, nem mesmo ao próprio Dhamma, nem ao Nibbāna. Seja a explicação difícil ou fácil; curta ou longa; profunda ou superficial, por favor, considere com atenção cuidadosa. Se você me perguntar o que é o Dhamma, essa é a resposta. Eu acredito que todos vocês devem entender assim. E isso lhes poupará tempo. Vocês são capazes de obter o entendimento oportuno para a sua vida. Vocês estarão no caminho certo. Caso contrário, vocês poderão ter que vagar por um longo tempo. Às vezes, a morte chega antes que qualquer entendimento seja alcançado. O que você acha dos princípios propostos, Ajam Kukrit?
M.R. Kukrit: Eu não tenho nada a acrescentar. Eu entendo assim. O que eu estava tentando dizer era exatamente isso. Como o que você acabou de dizer, o Dhamma é a natureza — todas as coisas que nós experienciamos dentro e fora dos templos. Até mesmo o Nibbāna faz parte da natureza. E todas as coisas seguem as leis. Ou seja, elas são impermanentes e um dia perecerão. E todas as coisas estão inter-relacionadas. Portanto, todas as coisas têm deveres recíprocos. Se nós quisermos viver entre os homens, nós necessitamos conhecer os deveres para com eles, para que nós sejamos capazes de viver juntos em paz. No entanto, isso é apenas o mínimo. Se nós quisermos algo melhor, nós temos que cumprir o dever para conosco mesmos, o que nos leva à verdadeira paz, ao vazio do apego, mesmo no Dhamma. No entanto, o problema é como fazer as pessoas acreditarem nisso.
Buddhadāsa: Permitam-me concluir que Ajam Kukrit e eu concordamos com as definições do Dhamma, como eu já demonstrei. ‘Mente vazia’ é, portanto, a questão importante a ser discutida hoje. Eu entendo que Ajam Kukrit admite que ‘mente vazia’ não é absurda. É a meta mais elevada do Budismo, o próprio fim do Budismo que todas as pessoas devem praticar para alcançar. Em seguida, permitam-me fazer uma observação importante. Como nós estamos interessados no entendimento cauteloso ou imediato do Budismo, eu gostaria de sugerir que vocês adiram ao princípio simples de que, quanto mais você estuda sobre o Budismo, mais ignorante você se torna sobre ele. Isso se aplica especialmente aos estudiosos Ocidentais que consideram ‘religião’ como doutrinas, teorias e ritos. Nós temos que estudar o mundo ou os sofrimentos se nós queremos entender o Budismo. O Buda os usou indistintamente. O mundo são sofrimentos; os sofrimentos são o mundo; ou a vida é o mundo. Todo o Tipitaka não é capaz de nos ajudar a entender o Budismo. Os estudiosos Ocidentais pensam que nós devemos estudar profundamente os Tipitakas Mahāyāna e Theravāda e todo o conhecimento sobre a Índia, como artes, cultura e outras religiões. Esse caminho não leva ao entendimento, entretanto ele nos engana até que nós desistamos.
A não ser que nós aprendamos com o mundo, a vida ou os sofrimentos, isso é, a partir de nós mesmos, no limite desse corpo de aproximadamente um metro de comprimento, nós não entenderemos o Budismo ou o Dhamma. Hoje, nós entendemos equivocadamente que o estudo de todo o Tipitaka e informações sobre a Índia nos ajudará a entender corretamente o Dhamma ou o Budismo. Eu insisto que isso é enganoso. Nós devemos prestar atenção às coisas que estão acontecendo dentro de nós. Olhar para dentro de nós mesmos e ver que o apego é a causa dos sofrimentos que nós estamos experienciando. O segundo que nós não tenhamos apego é quando nós não sofremos mais. Quanto mais você fizer isso, mais direta e rapidamente você obterá o entendimento do Dhamma ou do Budismo. Em relação a essa observação, o que você pensa, Ajam Kukrit?
M.R. Kukrit: Se você ensina isso dessa maneira, você deveria ensinar isso para mim sozinhos. Ou seja, o desapegado deve ensinar o desapegado. Se você ensina pessoas com forte apego, elas entendem mal. Isso porque, enquanto por ‘mente vazia’ você quer dizer a mente vazia de apego, vazio pode ser entendido de outra forma. Vazio de quê? É mais fácil de entender se ‘mente desapegada’ for usado. ‘Vazio’ é capaz de levar as pessoas a pensar em não pensar. A frase ‘trabalhar com a mente vazia’ levanta dúvidas em pessoas relaxadas sobre se é possível realizar qualquer trabalho com a mente vazia. O contexto deve ser fornecido. Se você falar comigo sobre isso, eu posso entender. Não há problema algum, porque eu sei quando você fala sobre isso. No entanto, para aqueles com algum apego, isso é muito difícil. Além disso, o ditado ‘quanto mais você estuda sobre o Budismo, mais ignorante você é sobre ele’ é capaz de assustar aqueles sem histórico. Eles podem acusar Buddhadāsa de falar bobagens. Isso seria prejudicial para eles. Os Tailandeses não estão familiarizados com isso. Ao invés disso, ele deveria ser ensinado aos Japoneses, pois soa mais próximo do Budismo Zen.
Outra dificuldade ainda pode ser encontrada. Eu peço o seu perdão. Permita-me informá-lo francamente sobre a minha discordância com a sua afirmação de que, quanto mais nós aprendemos com o mundo ou com os sofrimentos, mais nós entendemos o Budismo. Eu sou suspeito. Eu muitas vezes vi que pessoas que tentavam aprender com o mundo e os sofrimentos sem o Budismo em mente, geralmente se desviavam. Eu gostaria de propor, ao invés disso, que, se alguém pretende aprender com o mundo e os sofrimentos com o objetivo de entender corretamente o mundo, os sofrimentos e o Budismo, esse alguém tem que ter algum princípio Budista em mente. Ou seja, ele tem que saber que ele aprende com eles para se livrar de todo o apego. Se um homem está apegado, por exemplo, à crença na existência de Deus, não importa o quanto se esforce para aprender com o mundo e os sofrimentos, ele nunca será liberado. Nenhum Dhamma é capaz de ser entendido dessa maneira.
Por outro lado, se ele estuda o mundo e os sofrimentos através da lente Budista, ele saberá mais sobre o mundo. Quando ele sabe mais sobre o mundo e os sofrimentos, ele sabe mais sobre o Budismo. No entanto, eu concordo com o seu primeiro ponto que, se eles estudarem o Budismo da maneira como as pessoas estão fazendo hoje, eles jamais conhecerão o Budismo. O conhecimento adquirido simplesmente os permite ser promovidos a cargos eclesiásticos mais elevados ou obter um diploma, no entanto, eles não são capazes de dizer que conhecem verdadeiramente o Budismo. Em relação ao segundo ponto, sobre aprender com o mundo e os sofrimentos, lembre-se que a atitude Budista tem que ser assumida. Se a atitude de outras religiões é assumida, certamente você terá problemas. Ou seja, se você estudar o mundo com a esperança de que ele seja o lugar da felicidade, você não será capaz de identificar os sofrimentos quando você os vir. Então, mais infelicidade, mais raiva, mais insatisfação se desenvolverão. E torna-se impossível livrar-se dos sofrimentos. Você sofre mais. Se nós conhecemos os princípios Budistas e, consequentemente, aprendemos com o mundo, isso é melhor, eu penso. Eu gostaria de pular a questão de que quanto mais se estuda o Tipitaka, mais ignorante se é sobre o Budismo, porque certa vez eu fui severamente repreendido quando eu discuti sobre isso.
Buddhadāsa: Eu estou feliz em descobrir as verdades que Ajarn Kukrit apontou. Público (Audience)! Por favor, considere os fatos sobre o estudo e o conhecimento dos Budistas Tailandeses sobre o Budismo. Quando eu disse que quanto mais se estuda sobre o Budismo, mais ignorante se é a respeito, eu queria apontar que essa maneira de estudo tornou as pessoas obcecadas e viciadas no conhecimento teórico e no gosto pelo pensamento teórico, pela especulação filosófica e pela inferência lógica. Por Budismo, aqui, nós não nos referimos ao conhecimento teórico, exceto ao verdadeiro Dhamma que destrói o apego. Quanto mais nós estudamos o Tipitaka, mais nós o apreciamos. É por isso que as pessoas no passado chamavam o Tipitaka de ‘anjo’ (vāņī). Ele é tão belo e encantador que os estudantes ficam sob o seu feitiço. Escravizando-os, ele se apodera firmemente de suas mentes. Eu tive essa experiência. Quanto ao conhecimento sobre a Índia que esses estudiosos Ocidentais insistem que nós temos antes que o entendimento adequado do Budismo possa ser obtido, eu penso que eles se perdem do coração do Budismo. Eles pensam que o Budismo é uma das religiões Indianas.
Eu insisto, pelo contrário, que é um método sem esperança, especialmente para aqueles totalmente ignorantes sobre o Budismo. Se alguém deseja obter um entendimento imediato do Budismo, é necessário praticar o método ensinado pelo Buda, Vipassanā. Entretanto, isso tem que ser a Vipassanā correta, não a falsa que, como você bem sabe, traz como consequência a proliferação de nuvens sobre o Budismo. Deve-se praticar como o Buda ensinou, concentrando a mente no momento de ver uma imagem, ouvir um som, sentir um cheiro, experimentar um sabor, por exemplo, e mantendo-a no caminho da sabedoria, não em desejos e ilusões. Depois de algumas horas, alguns dias ou alguns meses, o Dhamma será alcançado, o Dhamma que o Buda nos mostrou, não aquele que, desculpem-me, foi adicionado posteriormente pelos comentaristas, como apareceu no Tipitaka ou em outras escrituras.
Portanto, nós não devemos nos enganar, pois, eles por estudarem profundamente o Budismo Theravāda e o Mahayana, além de outros vários assuntos da Índia, os estudiosos Ocidentais entendem muito bem o Budismo e são adequados para nos ensinar. É certo que, enquanto você estiver perdido nesse vasto jardim florido, você jamais descobrirá a essência do Dhamma ou do Budismo. É assim que se deve entender o ditado: quanto mais você estuda o Budismo, mais ignorante você é sobre ele. Além disso, quando os sofrimentos ou o mundo são mencionados, eles têm significados específicos. O Buda os usou indistintamente. Embora os sofrimentos surjam, o mundo em si não é agradável nem desagradável. Sob a condição de nós estarmos apegados ao mundo de tal maneira que ele seja nós (us) ou nosso (ours), o mundo se torna sofrimento. O mundo pode significar qualquer coisa, desde honra, fama, riqueza ou família, por exemplo. Mesmo coisas tão simples são o mundo. Quando nós nos apegamos a elas, nós sofremos. Quando nos desapegamos delas, os sofrimentos cessam. No entanto, a lição não é capaz de ser aprendida em outro momento que não seja o momento do sofrimento. Esse momento é o momento dourado, o momento diamante. Ele é o momento mais maravilhoso para estudar o Budismo. Reflita sobre como é o sofrimento, por que ele surge, qual é o seu oposto e como reconhecer o seu oposto. Esse é o princípio (as Quatro Nobres Verdades) do Budismo.
Deve-se praticar como o Buda ensinou, concentrando a mente no momento de ver uma imagem, ouvir um som, sentir um cheiro, experimentar um sabor, por exemplo, e mantendo-a no caminho da sabedoria, não em desejos e ilusões. Depois de algumas horas, alguns dias ou alguns meses, o Dhamma será alcançado, o Dhamma que o Buda nos mostrou, não aquele que, desculpem-me, foi adicionado posteriormente pelos comentaristas, como apareceu no Tipitaka ou em outras escrituras.
Ao sofrer, você tem que olhar para dentro de si mesmo e observar a mente repleta de desejos e delusões. Isso merece uma observação atenta e uma tentativa séria de entendimento. Isso é chamado de ‘quanto mais você observa os sofrimentos, mais você os conhece e o Dhamma do Budismo’. Assim é o significado dos sofrimentos. O significado é definido especificamente para que o sofrimento seja correlacionado com o apego. O desapego elimina os sofrimentos. Nascimento, velhice, doença e morte são semelhantes. Se nós não estivermos apegados a eles, eles não são capazes de nos fazer sofrer. Portanto, quando nós ouvimos o cântico de que o nascimento é um sofrimento, a velhice é um sofrimento, etc., não interpretemos isso como se eles próprios fossem os sofrimentos. A instrução do Buda vem ao final do cântico de que os cinco agregados apegados são os próprios sofrimentos. Nem os sofrimentos nem o mundo, sem apego, dão origem a sofrimentos. O apego a eles sempre dá origem a sofrimentos. Concentre-se nesse princípio. O momento em que o apego for capaz de surgir é sempre que os olhos entram em contato com as imagens, os ouvidos entram em contato com os sons e assim por diante.
Esse é o método para estudar o Budismo. Esse método traz um entendimento imediato do Dhamma. Portanto, nós devemos estudar a partir dos sofrimentos. Nesse sentido e com esse método, ele permite o entendimento mais rápido. Eu peço a você que sugira às pessoas que estudem o Budismo dessa maneira e que digam aos seus amigos ou estrangeiros que desconhecem o Budismo que, se eles quiserem aprender sobre o Budismo diretamente e imediatamente, eles devem fazê-lo dessa maneira. Os estudos Tipitaka ou Indianos não são o caminho. Para resumir, quanto mais você estuda sobre o Budismo, mais ignorante você é sobre ele; quanto mais você estuda os sofrimentos dessa maneira, mais você entende o Budismo e tem mais probabilidade de superar os sofrimentos. Portanto, nós estamos mais próximos do tópico de como nós devemos entender o Dhamma. ‘Religião’ é usada com significado confuso. Na época do Buda, o termo ‘Dhamma’ era usado. Mas agora usamos o termo ‘religião’. Eles deveriam compartilhar a mesma referência. No entanto, o significado de ‘religião’ agora se desvia muito disso, o que causa dificuldades.
Agora nós chegamos ao assim chamado coração do Dhamma ou, se você preferir, o coração do Budismo. Essa é uma expressão recentemente cunhada na sociedade Tailandesa, pois, na época do Buda, o Budismo nada mais era do que o seu coração. No entanto, mais tarde, ele é envolto em decorações, de modo que o seu coração é difícil de identificar. Nós somos obrigados a reconsiderar o que é o coração. Geralmente, no círculo Budista, quando perguntados sobre o que é o coração do Budismo, a maioria responde que é o Ensinamento Principal (Ovādapātimokkha), que consiste em não fazer o mal, fazer o bem e purificar a mente. Alguns preferem as palavras de Assaji, popularmente gravadas em tijolos, que são capazes de ser encontradas tanto na Índia quanto na Tailândia, especialmente na província de Nakorn Pathom. As palavras são derivadas a partir da história de que, pouco tempo após a primeira propagação do Buda, o monge Assaji foi questionado sobre como era o Dhamma do Buda. Ele respondeu que todas as coisas surgiram por uma causa e o Buda apontou qual era a causa e mostrou a cessação completa da existência pela erradicação da causa. Alguns preferem as Quatro Nobres Verdades — sofrimentos, a causa dos sofrimentos, a cessação do sofrimento e o caminho para a cessação.
Quanto a mim, eu prefiro uma das palavras do Buda. Certa vez, um homem perguntou se o Buda poderia resumir em uma única afirmação todo o Dhamma que ele ensinava. O Buda respondeu afirmativamente que a afirmação era que absolutamente nada merecia qualquer apego. Isso é tudo do Budismo. Se alguém pratica isso, pratica tudo; se alguém tem sucesso nisso, tem sucesso em tudo. Consideremos qual das propostas deveria ser assim apresentada. É correto que nós não façamos o mal, façamos o bem e purifiquemos a mente, mas não está claro como purificá-la. As palavras de Assaji são que todas as coisas surgiram por uma causa e o Buda apontou qual era a causa e como ela pode ser erradicada. Com isso, entendem-se os sofrimentos. Os sofrimentos surgem pelas causas e o Buda mostrou completa cessação de existir delas. No entanto, não está claro como isso foi demonstrado. Portanto, de um ponto de vista, as palavras implicam que nós devemos ser racionais. Ou seja, nós necessitamos saber que, para que um efeito cesse de existir, a sua causa tem que ser encerrada.
Certa vez, um homem perguntou se o Buda poderia resumir em uma única afirmação todo o Dhamma que ele ensinava. O Buda respondeu afirmativamente que a afirmação era que absolutamente nada merecia qualquer apego. Isso é tudo do Budismo. Se alguém pratica isso, pratica tudo; se alguém tem sucesso nisso, tem sucesso em tudo.
Quanto ao princípio das Quatro Nobres Verdades, ele abrange os quatro tópicos cujo conteúdo é muito geral. Portanto, eu prefiro não adotá-lo como o coração do Budismo. O princípio necessita de muitos detalhes para ser explicado. Portanto, eu prefiro a afirmação de que absolutamente nada merece qualquer apego. Eu vejo que ela é o coração do Budismo, pois basta que nós percebamos que absolutamente nada merece qualquer apego. Não se apegar é não considerar erroneamente que isso é eu ou meu/minha. Quando nós não mais pensarmos que alguma coisa é nós ou nosso/nossa, nós teremos todas as qualificações. Como disse o Buda, sīla (moralidade), samādhi (concentração) e pańńa (sabedoria) surgem do desapego. As pessoas veem a ser imorais, incapazes de se concentrar e insensatas ou extremamente estúpidas por causa do apego. Portanto, há apenas uma coisa a fazer, apenas uma coisa a aprender e apenas uma coisa a praticar. O sucesso vem dessa única coisa. Ou seja, nós temos que ter cuidado para não deixar a mente criar o apego de que isso é eu ou meu/minha quando nós ouvimos, cheiramos ou saboreamos na vida cotidiana. A mente desapegada é plena de sabedoria e atenção plena. Com essa mente vazia, nós somos sábios e atentos; com a mente perturbada, nós ansiamos e nos apegamos. Elas são sempre opostas. ‘Mente vazia’ significa a mente sem apego e egoísmo, a mente com brilho e paz provenientes da sabedoria e da atenção plena. Essa é a mente vazia, segundo o Budismo. Portanto, a breve declaração da essência do Budismo é que nós devemos nos libertar do apego de que isso e aquilo são nós ou nossos. Essa é a declaração na qual o Buda resumiu todos os ensinamentos. Ela esgota todo o Tipitaka. Tudo o que eu estou tentando fazer desde o início é apontar a essência do Dhamma e expressá-la em uma breve declaração que permita o entendimento imediato das pessoas em geral que não desejam um estudo profundo. Elas são capazes de alcançar o nibbāna por meio do desapego. Uma declaração tão breve, que fornece o princípio para a prática, é suficiente e adequada para a sociedade atual? Eu peço a Ajam Kukrit que comente.
III
M.R. Kukrit: Tendo ouvido a sua discussão, eu entendo. Mas não é tão fácil quanto o Venerável disse. Ou seja, é difícil explicar para crianças ou leigos. Simplesmente explicar as palavras do Assaji leva vários dias. Certa vez, eu tentei. Não foi nada fácil. Se eles fossem desapegados, seria muito mais fácil para eles. No entanto, é muito difícil para os desapegados explicarem aos apegados. Eu não consigo ver o caminho. Na verdade, eu entendo que, se as pessoas conseguirem reconhecer esse único princípio, elas estarão livres de todo o apego. No entanto, a verdade é que cada ensinamento do Buda, se nós tivermos sabedoria suficiente para contemplá-los, pode nos libertar do apego. Mas, se nós quisermos uma conveniência, nós somos capazes de nos contentar com esse único princípio na contemplação sobre o mundo e os sofrimentos. No entanto, se nós não conhecermos os outros ensinamentos do Buda, nós não podemos ir muito longe.
Encontrei-me com muitos que nasceram em locais de diferentes crenças e nunca ouviram falar do Buda, do Dhamma e da Sangha. Quando eles começaram a estudar o Budismo, os traços das crenças anteriores ainda exerciam influência sobre eles. Por exemplo, eles ainda pensavam que o Buda era Deus; a Sangha era o mediador entre Deus e os homens, não o grupo daqueles determinados a libertar a eles mesmos a partir do mundo. Isso é muito difícil. Eu admito que, se eu não tivesse experiência, eu não o veria. Hoje em dia, eu vejo o mundo, entendo e conheço os sofrimentos causados pela fé original no Buda como Aquele Perfeitamente Iluminado, pela tentativa de estudar sobre em que grau o Buda era iluminado e por evitar a suspeita de que ele seja verdadeiramente iluminado. Nós devemos começar com a crença ou fé. É como a instrução de que começamos com a fé e depois nós tentamos entender o Budismo. Não desvie o seu pensamento da religião. Pode-se dizer que isso é uma forma de apego. Isso é, nós estamos apegados ao Buda, ao Dhamma e à Sangha, o que, creio eu, não é prejudicial. O Tipitaka também é capaz de ser entendido dessa forma.
Existem muitas abordagens para ele. Isso depende das abordagens que nós usamos para estudar o Tipitaka. Se nós usamos a abordagem literária, nós podemos nos viciar porque a sua prosa é muito bela e os seus significados são profundos. Se nós o abordamos de um ponto de vista lógico, há muitos pontos para análise. Se nós o abordamos com etimologia, a linguagem antiga nele contida é muito interessante. O Tipitaka é indispensável. Ele não pode ser totalmente ignorado. Os ensinamentos do Buda que agora nós conhecemos vêm do Tipitaka. É verdade que ele pode conter alguns erros, mas o que nós consideramos verdades também pode ser encontrado nele. Quem é elegível para julgar quais páginas contêm erros e quais páginas são verdadeiras? Se nós o aceitamos, nós temos que aceitar tudo. Se nós o jogamos fora, nós perderemos todas as coisas valiosas. É isso que eu penso. O que o Venerável nos disse está totalmente correto. Eu não tive nenhuma dúvida. Mas, antes de tudo, nós temos que começar com a fé. Nós temos que nos refugiar no Ratanattaya, crer no Buda como o Aquele Perfeitamente Iluminado e crer que as Quatro Nobres Verdades, aquilo sobre o qual o Buda foi iluminado, são completamente verdadeiras e críveis. Caso contrário, eu penso que é impossível entender o Dhamma. Tudo o que nós alcançaremos serão infinitos sofrimentos, apegos e desejos. Só existe um que pode ser iluminado sem o Budismo em sua mente, só existe um que pode conhecer o mundo e os sofrimentos por si mesmo, sem qualquer experiência com o Budismo e esse é o próprio Buda. Ninguém mais pode fazer isso. Todos os demais têm que seguir o caminho dele. Assim eu creio. Eu posso implorar ao Venerável que me diga se isso está certo?
Buddhadāsa: Agora está claro para mim qual é a confusão. Quando eu disse que a declaração era o coração do Budismo, eu queria dizer escolher o princípio mais prático ou abrangente que pudesse nos prover a orientação. Ele também pode guiar a nossa fé. É verdade que nós necessitamos da fé como base. No entanto, eu disse que o objetivo era ajudar aprendizes e praticantes a economizar tempo. Se a fé for completamente direcionada ao coração do Budismo, será a fé correta e completa, porque a declaração abrange todo o Buda, o Dhamma e a Sangha; e sīla, samādhi e pańńā; ou qualquer outra coisa. Ou seja, a essência do Buda, do Dhamma e da Sangha é o estado, ou ser um indivíduo com o estado, vazio de apego. Porque o Buda foi iluminado e teve todo o seu apego destruído, o que o tornou o Buda é o seu estado vazio de apego, enquanto o seu corpo não era diferente das pessoas normais. O coração do Dhamma é o estado vazio de apego. O Dhamma como prática visa destruir o apego. O Dhamma como fruto da prática, o nibbāna, consiste na destruição completa de todo o apego.
Portanto, nós devemos nos concentrar na destruição de todo o apego. Somente então nós de fato absorvemos adequadamente em nosso coração a essência de todo o Buda, do Dhamma e da Sangha. É assim que nós temos o verdadeiro Buda, o verdadeiro Dhamma e a verdadeira Sangha em nossa fé ou em nossa prática. Nós não precisamos mais adorar os objetos, vozes e coisas que simbolizam o Buda, o Dhamma e a Sangha. Nós não estamos atrasados como antes. Nós não desperdiçamos o nosso tempo. Se nós tivermos que usar os símbolos, nós devemos transcendê-los o mais rápido possível para descobrir a essência do Buda, do Dhamma e da Sangha, o estado livre de apego. Então, nós temos em nós o Buda, o Dhamma e a Sangha, que é totalmente crível, auto evidente e não necessita de autoridade. Se alguém vê que o apego é a causa dos sofrimentos e sua destruição é o fim dos sofrimentos, ele se completa com sīla (moralidade), samādhi (concentração) e pańńā (sabedoria). As pessoas se tornam imorais por causa do apego às coisas que amam e odeiam. Elas agem sob a influência do amor e do ódio. Falta-lhes concentração e sofrem dos cinco obstáculos (nivaraņa) por causa do apego. Se nós vemos que não há nada ao qual nós devemos nos apegar, a nossa mente se acalma. A contemplação de que não há nada que mereça o nosso apego compreende a sabedoria suprema que o Buda desejou que nós tivéssemos. Portanto, através do desapego, nós temos todo sīla, samādhi e pańńā no espírito do Budismo.
Considerando o Tipitaka, nós somos capazes de ver claramente que cada palavra nele contida aponta para a destruição do apego. Mesmo nas Quatro Nobres Verdades, nós somos capazes de ver claramente que as duas primeiras verdades, sofrimentos e as suas causas, têm a ver com o apego. Nós somos capazes de ver ainda que, quando não há apego, isso é, nenhum desejo, então surge a extinção dos sofrimentos. E todos os atos baseados no desapego são o caminho que conduz à extinção. Embora o caminho consista em oito elementos, todos contribuem para a destruição do apego, o mal-entendido de que isso ou aquilo é eu ou meu/minha. Tome o primeiro dos oito elementos, a visão correta, como o princípio fundamental. Nós temos que começar com a visão de que não há nada ao qual nós devemos estar apegados. Essa é a visão perfeitamente correta, que permite que todos os outros elementos sejam realizados no caminho certo. O Buda disse que a visão correta deve vir primeiro, a visão que corresponde à realidade na qual não há nada que possa ser apegado como ‘eu’ ou ‘meu/minha’. Então, nós temos as outras duas das quatro nobres verdades, as verdades que se concentram na única afirmação de que absolutamente nada merece qualquer apego. Portanto, a fé no Buda, no Dhamma e na Sangha e a prática de sīla, samādhi e pańńā; ou todos os outros tipos de prática são simplesmente uma elaboração com base nessa afirmação. O estudo doutrinário, ou o estudo do Tipitaka, está dentro de seus limites. Apenas explicações elaboradas e belas são adicionadas. Portanto, para aqueles que desejam obter um entendimento imediato do Dhamma, isso deve ser focado como o coração do Dhamma.
Eu concordo com Ajam Kukrit que é muito difícil e profundo para leigos. No entanto, se nós temos determinação e nos esforçamos ao máximo para encontrar os métodos adequados, deve haver uma maneira apropriada e adequada para corretamente praticarem por si mesmos, de modo que, sem saber, eles tenham todo o Buda, o Dhamma e a Sangha e simultaneamente realizem de acordo com as Quatro Nobres Verdades. Portanto, eu peço a sua atenção especial à afirmação de que absolutamente nada merece qualquer apego. Se você achar que ela ainda é muito longa, uma frase curta, ‘mente vazia’ (suńńatā), servirá. Esse é o próprio coração do Dhamma ou do Budismo, pois estar livre de todo apego é a meta final do Budismo.
Eu tenho um sistema de prática especialmente criado para facilitar o entendimento e a prática de leigos. Há anos eu me deparo com a dificuldade de explicar a expressão ‘mente vazia’. E sempre eu aprendo mais sobre o método de explicação. Assim, eu sou encorajado a buscar uma explicação mais clara, a fim de poupar o tempo dos outros seres humanos e conduzi-los a um esclarecimento conciso, correto e completo do Budismo. Muitas vezes eu tenho sido acusado de falar em termos ininteligíveis. Portanto, eu peço a sua atenção. Esse sistema consiste em trabalhar com a mente vazia, comer com a mente vazia e viver com a mente vazia, o que coloca a morte fora de questão em primeiro lugar.
Trabalhar com a mente vazia equivale a trabalharmos de acordo com os nossos deveres com a mente livre de ‘egoísmo’, livre da ideia de que existe o eu (ser, self) ou coisas pertencentes a esse eu (ser, self), livre do apego de que isso ou aquilo é eu ou meu/minha. Isso é trabalhar com a mente vazia. Vazia de quê? Vazia do sentimento de que o nosso eu (ser, self) ou que os seus pertences existem. Vazia de ‘egoísmo’. Isso ocorre porque o nosso eu (ser, self) não é verdadeiro. Ele é uma ilusão. No entanto, nós não podemos subestimar a ilusão. A ilusão é o sentimento de que o eu (ser, self) existe como alguma coisa densa, alguma coisa real, enquanto o eu (ser, self), na verdade, é apenas a ilusão, o apego. Isso resulta de mal-entendidos ou ignorância. Ela é uma forma de visão falsa devido ao apego. Nós temos que trabalhar com a mente vazia da visão de que o eu (ser, self) existe. Então, nós trabalhamos com a mente vazia. Ao mesmo tempo, essa mente vazia está repleta de atenção plena e sabedoria.
Faça uma distinção clara entre atenção plena (mindfulness) e sabedoria (wisdom). Elas são aliadas. A atenção plena faz com que a pessoa seja cautelosa em suas ações; a sabedoria a faz agir com prudência. Elas são os elementos importantes para a prática. O Buda disse que somente a atenção plena poderia nos salvar. Atenção plena e sabedoria não podem coexistir com apego. Elas podem ser encontradas juntas no mesmo instante. Embora a nossa mente mude de um momento para outro, não há um momento em que elas coexistam. Se houver apego, não há atenção plena e sabedoria e vice-versa. Quando a mente está livre de apego, ela está cheia de atenção plena e sabedoria. Se nós fizermos quaisquer deveres com a mente vazia, livre de ‘egoísmo’, nós estamos no estado de ‘mente vazia’. No entanto, a maioria das pessoas não entende isso. Elas pensam que a mente vazia é a mente em branco, o que equivale a sermos como um tronco ou um sonâmbulo. Isso não é assim. A palavra ‘vazio’ pode significar muitas coisas. Há ‘vazio’ no sentido sustentado pelas visões erradas e no sentido sustentado pela visão correta.
Segundo o Budismo, isso tem que significar o vazio do sentimento de que existe ‘eu’ ou ‘meu/minha’, o sentimento que é causado pelo entendimento equivocado devido ao apego. Se não há ‘egoísmo’, o que mais pode ser chamado senão o vazio do eu (ser, self)? Tal vazio implica sabedoria. Isso é o Dhamma nas descrições concisas do Budismo Zen de que o Buda é vazio e o Dhamma é vazio. Por ‘vazio’ entende-se o que eu disse. Sempre que nós estamos vazios de nós mesmos, nós nos tornamos um Buda, o Dhamma como ele deveria ser. Esse é o princípio Budista eficaz. Ele não é diferente no Zen ou no Theravāda. Esse vazio refere-se à ausência de todos os tipos de sentimentos ‘egoístas’. Quando nós trabalhamos, nós trabalharemos eficazmente. Deixe-me dar um exemplo de um produtor de arroz trabalhando com a mente vazia. Exposto à forte luz do sol e encharcado de suor, ele, com a mente vazia, apega-se a nada como se fosse de seu pertencimento, ara o solo enquanto canta. Isso é cultivar arroz com a mente vazia, o que faz com que o trabalho seja agradável em si mesmo. Se ele também vir que isso equivale à prática do Dhamma, o seu prazer aumenta e a mente vem a ser mais vazia. Assim, ele ara com paz de espírito. Nunca surge o pensamento de que é mais fácil ganhar a vida roubando.
Outro exemplo é o de um barqueiro que rema contra o vento e a correnteza sob forte luz solar ou chuva torrencial. O trabalho dele não lhe traz dor se a sua mente estiver vazia de pensamentos sobre si mesmo ou de seus pertences. Por exemplo, ele simplesmente pensa que isso é o seu trabalho. Ele não se sente inferior por isso. Ele não pensa que é pobre ou que está colhendo o resultado de seu mau kamma. O trabalho dele não o faz sofrer — ele [o trabalho] não coloca a sua mente no inferno. Ele gosta de cantar e remar. Esse também é o caso de outros tipos de trabalhadores. Se eles o fazem assim, eles trabalham com a mente vazia. Para atirar ou arremessar com precisão, um homem necessita se preparar com a mente vazia. Se a mente dele estiver repleta de ‘egoísmo’, como a expectativa de recompensa ou o medo do riso, ele nunca conseguirá. Ele necessita se concentrar e remover esses pensamentos ‘egoístas’ de sua mente. A mente fica com atenção plena e sabedoria. Ele então será capaz de atirar ou arremessar com precisão. Isso é espontâneo, como por mágica.
Isso ocorre porque a prática se baseia na mente vazia do sentimento de ser o próprio eu (ser, self) ou de seus pertences. Se ele for ‘egoísta’, a sua mente oscila, o seu corpo treme e as suas mãos também. Quando um estudante vai a uma prova, ele deve preparar a sua mente para que ela se esvazie, esqueça tudo sobre si mesmo e seja dotado de atenção plena e sabedoria. Assim, ele poderá realizar a prova extraordinariamente bem. É ir à prova com a mente vazia. É verdade que as crianças sempre esperam bons resultados quando têm uma prova. Elas são ‘egoístas’. No entanto, enquanto elas estão na prova, elas devem ser conscientes e sábias, como se tivessem a mente vazia. Assim, elas são capazes de se sair melhor. Elas são capazes de ter melhor estudo, memória e decisão. Mesmo quando um homem vai a tribunal, ele deve manter a mente vazia. Caso contrário, a sua mente estará vaga, o que o colocará em uma posição de desvantagem. Se a mente dele estiver vazia, ele pode ver o caminho e se tornar mais cauteloso, o que lhe trará vantagens.
Até mesmo música é capaz de ser tocada com a mente vazia, sem causar problemas. A música pura, aquela sem letra, como o assobio, pode ser tocada com a mente vazia. Mesmo quando nós cantamos, se não nos apegamos a nós mesmos ou aos nossos pertences, nós cantamos com a mente vazia. Além disso, a música pura também pode ajudar a limpar a mente de toda a obsessão, ansiedade e inquietação até que ela se torne vazia. Portanto, assobiar ou cantar nem sempre podem ser considerados como motivados por desejos sensuais. Às vezes, eles são meios para esvaziar a mente. Eles podem fornecer um ponto de partida. Se nós cantamos com desejos sensuais, a mente certamente fica perturbada. Especialmente quando o canto é motivado sexualmente, o problema aumenta. Entretanto, não considere que todos os cantos ou músicas perturbem a mente. Artes impuras certamente promovem desejos sensuais. Portanto, as artes não devem ser todas culpadas nem todas elogiadas. Nós temos que distinguir entre aquelas que tendem a esvaziar a mente e aquelas que promovem a sensualidade. Portanto, nós não devemos julgar todas as pessoas que nós vemos cantando como sendo movidas pela sensualidade. O estado de espírito deve ser levado em consideração. Um homem irritado que assobia para aliviar a raiva está fazendo a coisa certa de acordo com esse princípio.
‘Trabalhar pelo vazio’ tem que confundir o público. Isso não é trabalhar nem para o próprio trabalhador, nem para sua família, nem para a nação, nem para a religião. Isso é trabalhar pelo vazio. No entanto, esse ditado salta para a meta final. É possível oferecer uma interpretação mais simples, como ‘trabalhar com a mente vazia’. Eu disse que o Dhamma é vazio. Vazio é supremo. Hoje em dia, é geralmente reconhecido que não há absolutamente nada que mereça apego, porque tudo é privado de egoísmo. Tudo é vazio. O mundo inteiro, nós mesmos, a nossa família, a nossa nação são simplesmente formações mentais. Elas são naturais, corpóreas ou mentais. Na verdade, elas são não-eu (não-ser, não-self). Nesse sentido, não importa para quem você trabalhe, você trabalha pelo vazio. Portanto, trabalhar pelo vazio é transformar o Buda, o Dhamma e a Sangha naquilo que os seres humanos, em última análise, merecem. Se nós trabalhamos por isso ou aquilo, isso é base. Especialmente quando o dinheiro é a meta, isso é pior. Se nós trabalhamos por si só, isso é melhor, mas o dever em si não deve ser apegado. Trabalhar por si só é considerado como algo que visa o vazio.
O termo ‘vazio’ tem um significado especial. Quando nós trabalhamos com a mente vazia, isso equivale a trabalhar pelo vazio. O seu benefício não recai sobre ninguém além do próprio trabalhador. Portanto, nós não precisamos temer a escassez de alimentos, por exemplo. Embora o benefício seja grande, nós não nos apegamos a ele. Portanto, é trabalhar pelo vazio. Se for perguntado sobre o que alguém será alimentado, a resposta é que ele será alimentado com ‘o alimento do vazio’. É ser alimentado com o alimento do Dhamma, o alimento do Buda, do Dhamma e da Sangha. Entretanto, nós chamamos aquilo com que nós somos alimentados de ‘o alimento do vazio’, o que tem um significado especial. Portanto, nós temos alimento enquanto nós estamos trabalhando com a mente vazia, pelo vazio, que é o alimento puro, sem mistura de desvantagens. Ele é verdadeiramente saudável.
A seguir, vem ‘viver com o vazio’, que é viver sem noção do eu (ser, self) e de seus pertences a cada respiração. Quanto ao ponto de que ‘a morte é posta fora de questão em primeiro lugar’, isso significa que, quando nós trabalhamos com e para o vazio e nós somos alimentados com o alimento do vazio, não há eu (ser, self), o que faz com que a morte seja impossível. Portanto, não há problema com a morte. A única morte que existe é o vazio eterno, que é melhor do que a morte acompanhada de podridão, sujeira, odor, repugnância e lamentações. Eu não posso julgar por mim mesmo se o que eu tenho dito é inteligível e aceitável para as pessoas em geral. No entanto, eu ainda persisto na tentativa de encontrar a maneira de ajudá-las a entender.
A vida monástica permite entendimento e prática mais fáceis. Eu ensinei os meus companheiros monges que nós devemos nos alimentar com a comida do Buda, não com a nossa ou com a comida dos leigos; que o verdadeiro Buda era o Dhamma e o verdadeiro Dhamma é o vazio. Os colegas monges conseguem entender isso. No entanto, eu não tenho certeza se o mesmo se aplica aos leigos. Portanto, eu gostaria de pedir a Ajam Kukrit que discuta sobre o assunto.
IV
M.R. Kukrit: Se nós vivemos na cela de um monge nos fundos do templo, nós certamente podemos fazer como você nos orientou. Não há problema. Desde o início até agora, eu vejo que o Venerável tem nos mostrado a verdade tão profunda quanto um oceano. Você explica que o objetivo da liberação é o desapego completo, a destruição de todo apego. Essa é a verdade que ninguém é capaz de negar. Entretanto, quando se trata de ‘trabalhar com a mente vazia; trabalhar pelo vazio; ser alimentado do alimento do vazio; ou viver com o vazio’, eu sinto que você está tentando despejar todo o oceano em uma tigela pequena. Isso é impossível. Ela transborda. A verdade que você tem nos mostrado é profunda demais. Ela diz respeito ao estado mental dos arhats. Pessoas comuns que precisam ganhar a vida delas não conseguem conter essa verdade em uma tigela tão pequena — não importa como elas façam, elas não podem trabalhar com a mente vazia. Essa é a minha crença. A sua observação final implica que você também vê que é mais fácil para os monges colocá-la em prática.
Portanto, eu acredito no ditado dos ancestrais de que, se um leigo se tornar um arhat, ele morrerá dentro de sete dias. Um monge que se torna um arhat, eu realmente acredito, é capaz de viver sem problemas porque a vida monástica permite que se viva de acordo com o Dhamma. Se um leigo tentar, eu acredito que ele terá problemas. Isso não significa que o Dhamma esteja errado. Pelo contrário, eu acredito que é absolutamente verdadeiro. O problema é quanto os leigos se permitem praticá-lo. O que o Venerável diz afeta principalmente ao modo de vida dos arhats e do Buda. Eu penso que é impossível se os leigos forem obrigados a fazer o mesmo. A primeira razão é que está além da minha imaginação como trabalhar com a mente vazia é capaz de ser feito. Se nós trabalhamos sem considerar isso como um trabalho, sem pensar que somos nós que trabalhamos, sem ver que os outros, a sociedade, a nação são os destinatários dos benefícios, por que nós deveríamos trabalhar em primeiro lugar? Ao invés disso, nós deveríamos parar de trabalhar. Por que nós deveríamos trabalhar? Se a mente delas estiver vazia de egoísmo, as pessoas não trabalham mais. Se eu me libertasse de todo o apego, eu iria ao seu templo para pedir uma ordenação. Eu não perderia tempo trabalhando. Porém, eu não consigo me libertar. É por isso que eu ainda sou leigo. Eu não consigo me livrar de todo o apego. Trabalhar é uma forma de apego. Quem não consegue se livrar precisa continuar trabalhando. Isso faz parte do sofrimento. Eu não consigo ver uma maneira de trabalhar com a mente vazia. Talvez eu tenha uma mente limitada ou não veja realmente a verdade, de modo que eu não tenho a mínima ideia.
Em relação à atenção plena e à sabedoria, eu penso que a atenção plena é o estado em que nós estamos conscientes do desprendimento de todas as coisas — sendo impermanentes, sujeitas à mudança e não-eu (não-ser, não-self). Nada é nosso. Se nós estamos atentos nesse sentido, nós não trabalhamos mais. Nós não temos entusiasmo para ir a lojas ou qualquer outra coisa. Nós preferimos descansar em casa. Com todo o respeito, informo-lhe francamente sobre a minha incapacidade de entender. Eu quero dar sentido a isso, entretanto, a minha reflexão me leva a esse caminho. Se o Venerável dissesse que o objetivo do seu ensinamento era a liberação de todos os sofrimentos — a mente deve ser esvaziada para ser ordenada —, eu acreditaria em você. Porém, você ensina isso dessa maneira. Você nos ensina a voltar ao trabalho e manter a mente vazia o tempo todo. Eu não posso fazer isso. Isso aponta claramente a disparidade entre os pontos de vista dos leigos e dos monges. Eu gostaria que o Venerável me ensinasse o que eu deveria fazer então.
Buddhadasa: Eu ainda tenho uma dúvida. Deixe-me perguntar se, depois que todo o restante transborda, a água que resta na tigela pequena é a mesma que transborda.
M.R. Kukrit: A água é exatamente a mesma. No entanto, a quantidade é diferente. Qualquer pessoa que considere cuidadosamente os seus ensinamentos percebe que a sua ‘mente vazia’ não é verdadeiramente vazia. É uma forma de apego. A mente está ligeiramente livre de algumas impurezas. O ensinamento não sobrevive a um escrutínio lógico. No entanto, eu admito que tem um valor prático. Entretanto, o ensinamento, então, não necessita ser sobre isso. Ele pode ser sobre alguma coisa mais simples, como os frutos do mérito que serão colhidos no céu. Isso também leva a boas ações. Não faz sentido por que as coisas sejam tão complicadas. Eu não quero acusá-lo de nos desviar do caminho. Eu gostaria apenas de salientar que as pessoas são capazes de serem ensinadas a fazer o bem com alguma coisa mais simples.
Buddhadāsa: Agora eu entendi o seu ponto. Trabalhar com a mente vazia, com a liberdade do senso de nosso eu (ser, self) ou de seus pertences, significa que, enquanto nós trabalhamos, a nossa mente deve estar livre do ‘egoísmo’. É claro que existe, mesmo antes do início do trabalho, o discernimento de que nós temos o dever para com a nossa nação e religião. Isso pode ser considerado um apego saudável. A posse de apego saudável não atrai reprovação. Todas as pessoas têm permissão para armazená-lo. No entanto, elas são solicitadas a fazer um esforço superior para se esforçar até e além do topo da qualidade de ser saudável. Então, nós transcendemos para o ‘vazio’. O método prático imediato é evitar a mente perturbadora enquanto nós trabalhamos. Nós estamos atentos ao que, como, por quanto tempo e quanto isso deve ser feito. Ainda nós podemos pensar, mas não pensamos com a mente obcecada pelo forte senso de ‘egoísmo’, ou eu (ser, self). É porque haverá muito ou pouco desvio da realidade. Faça isso com sabedoria pura e com o vazio do sentimento de que o nosso eu (ser, self) existe. Nós podemos pensar em como nós devemos trabalhar com um determinado status, sob uma determinada condição, com uma determinada tarefa diária, com um determinado trabalho, ou quais benefícios a sociedade terá. Tudo isso está certo. Ainda se pode dizer que a mente está vazia.
A questão é que, quando nós fazemos isso, tudo o que deve restar são atenção plena e sabedoria. No Budismo, ‘atenção plena’ refere-se ao princípio de Satipațțhāna (Os Fundamentos da Atenção Plena). Esteja atento o tempo todo. Não esteja ausente. Esteja atento à ausência do eu (ser, self) e nem de seus pertences e trabalhe com essa atenção plena. Nesse estado, a mente é absolutamente brilhante e ágil. Eu proponho que você reflita sobre isso e pratique. A tentativa lhe mostrará se isso é possível. Isso porque às vezes nós obtemos o mais precioso da menor quantidade, tão pequena quanto a água que resta na tigela após o transbordamento. Essa é a minha intenção. Eu gostaria que você continuasse a reflexão. Você pode não ser capaz de entender isso hoje, mas você poderá um dia. No ensino desse Dhamma profundo, nós temos que almejar que os aprendizes de hoje o entendam nos próximos cinco ou dez anos. Eles certamente o alcançarão. No entanto, se nós continuamos esperando, eles terão que esperar mais dez anos antes que a prática possa ser iniciada. E mais dez anos antes que possam entendê-la. Sejam corajosos para contemplar esse Dhamma ininteligível em prol dos benefícios a serem obtidos nos próximos cinco ou dez anos. ‘Mente vazia’ ou ‘trabalhar com a mente vazia’ fazem parte do Dhamma profundo.
Eu tenho tentado comunicar que todos vocês devem entender o Dhamma dessa maneira para economizar tempo e alcançar um resultado imediato. Nós estamos discutindo sob o tópico ‘Como nós devemos entender o Dhamma?’ e eu proponho que essa é a maneira como nós devemos entendê-lo. Os comentários de Ajarn Kukrit são razoáveis. Eu levarei isso em consideração para melhorá-lo, de modo que seja benéfico tanto quanto uma pequena quantidade de água de todo o oceano. Persistam na tentativa de estudar para entender o ‘vazio’ ou ‘mente vazia’, o princípio mais importante do Budismo. O Buda sustentava que nibbāna é o vazio absoluto. O vazio absoluto é nibbāna. O fim do sentimento de ser o eu (ser, self) é nibbāna, a meta final que todo ser humano merece. Nós devemos aspirar à sua vinda um dia no futuro. Eu imploro que entendam o Dhamma dessa maneira. Não pensem que a meta é se tornar um arhat ou obter status através do estudo ou da prática do Dhamma. É porque isso tende a aumentar o apego. Se nós entendemos que a meta é a redução gradual do ‘egoísmo’, o apego à existência do eu (ser, self) ou aos seus pertences, isso está correto. Que o cultivo siga esse caminho. ‘Vazio’ tem um significado especial. Permitam-me repetir repetidamente que a afirmação de que ‘Nibbāna é o vazio absoluto’ tem um significado especial.
Considerem outra importante palavra de Buda: ‘Sempre vejam todo o mundo como vazio’, o que significa que o mundo está realmente vazio, porém nós não vemos assim. Portanto, nós devemos nos esforçar até que nós vejamos assim. Isso nos levará ao estado mais desejável. As palavras convencionais têm os seus significados especiais. Quando elas estão em um contexto diferente, tornam-se difíceis de entender. Portanto, eu tento usar a linguagem contemporânea Tailandesa ou a linguagem fácil. Portanto, nós não devemos nos apegar às palavras em si. Ajam Kukrit, você pensa que deveria haver alguma exceção, ou o quê? O que deveria ser discutido? Peço-lhe novamente para que o diálogo seja concluído.
M.R. Kukrit: Eu entendo como você explicou. Somente aqueles indivíduos que são tão ‘vazios’ quanto os arhats, que não levam o mesmo tipo de vida que eu ou o público aqui levam, que vivem as suas vidas como Veneráveis, que usam apenas três peças de roupa, que se afastam da sociedade para viver por conta própria e que observam os 227 preceitos sem qualquer problema, com voluntariedade e espontaneidade, podem ser chamados de ‘vazios’. Entretanto, no caso de leigos como eu, não consegue ver como é possível trabalhar com a ‘mente vazia’, porque o próprio trabalho nos impede de ter a mente vazia. Os leigos como eu estão em uma condição que não permite o vazio. Se nós alcançamos o vazio, nós não somos mais leigos. Se você sugerisse que eu me tornasse um monge para alcançar o vazio, eu consideraria aceitável. Eu mesmo não me apego a nada, mas, por ‘trabalhar com a mente vazia’, eu gostaria de lhe perguntar o que exatamente você quer dizer. Se você quer dizer que isso permite que as pessoas tenham sucesso em seus trabalhos mundanos, eu não acredito. Se alguém disser que, para um homem se tornar um bom soldado, ele tem que lutar com a mente vazia, atirar com a mente vazia, eu não acredito, não importa quais explicações sejam dadas.
Mas, se o Venerável dissesse que nós devemos estar no mundo ao qual o nosso trabalho pertence e trabalhar com a mente vazia para que nenhum sofrimento surja, seja no momento do sucesso ou do fracasso, eu acreditaria. Eu não acredito que você esteja dizendo que, com a mente vazia, alguém é bem-sucedido em seu trabalho, porque o trabalho mundano nos impede de ter a mente vazia ou de nos libertarmos do sofrimento. Felicidade mundana é infelicidade em termos do Dhamma. O sucesso no trabalho tem significado mundano. É verdade se a ‘mente vazia’ leva à obtenção do Dhamma, mas não ambos. Se alguém deseja ter sucesso no Dhamma, ele deve abandonar as realizações mundanas. Caso contrário, não há sentido em se tornar um monge.
Buddhadasa: Você quer dizer que leigos jamais tentarão reconhecer a mente vazia?
M.R. Kukrit: Eles podem. Ou seja, vazios de impurezas. Eu acredito que sim.
Buddhadāsa: Os leigos deveriam tentar?
M.R. Kukrit: Eu acredito que eles não devem ter apego. Ou seja, os leigos devem estudar o Dhamma do Buda para que saibam o que ele é, mas, ao mesmo tempo, eles devem saber que, enquanto eles o fazem, eles necessitam ter algum apego, porque nós somos simplesmente leigos. Se nós somos capazes de renunciar a tudo, nós não devemos permanecer como leigos.
Buddhadasa: Eu quero que leigos trabalhem com menos sofrimento e alcancem a realização plena. Isso é possível com uma mente vazia ou perturbada?
M.R. Kukrit: Eu acredito que as conquistas mundanas têm que ser compradas com sofrimento. Nós não podemos ter o bolo e comê-lo também. Ninguém passa manteiga nos dois lados de um pedaço de pão fatiado. Ninguém obtém mérito com essa atitude. Permita-me ensinar ao monge que isso não é possível. Se a libertação completa de todos os sofrimentos é o objetivo, nós devemos abandonar as conquistas mundanas. Nós temos que desistir. Se for assim, eu acredito. Se ainda nós somos leigos, nós temos que experienciar tanto a felicidade quanto a infelicidade. Não existe vazio.
Buddhadāsa: Como nós podemos reduzir o sofrimento?
M.R. Kukrit: Como eu tenho dito, nem tudo é o eu (ser, self) ou seus pertences, mas nós precisamos nos concentrar em nosso trabalho quando nós trabalhamos — ele não é vazio. É inevitável que nós pensemos que o fazemos por nós mesmos. Quando há alguma falha, então o seu ensinamento tem um papel. Ao pensar que não é o nosso eu (ser, self), nós podemos pelo menos nos confortar.
Buddhadāsa: A nossa discussão gira em torno desse ponto. Eu insisto que, mesmo você sendo leigo e fazendo um trabalho de leigo, você precisa superar cada vez mais os sofrimentos decorrentes do seu trabalho. O principal método Budista deve ser aplicado adequadamente: esvazie a sua mente de todo apego. Esqueça a sua condição de leigo ou monge e concentre-se no problema imediato, observando a sua mente. Se você encontrar sofrimento, identifique a causa e resolva-o ali, de acordo com o princípio de que tudo surge por uma causa. Gradualmente, você vem a ser um monge vivendo na casa de um leigo. Finalmente, você não consegue mais suportar e se ordena verdadeiramente.
M.R. Kukrit: Se você diz isso, eu acredito. A princípio, eu senti que você sugeriu que nós nos tornássemos monges vivendo na casa de um leigo sem precisarmos nos ordenar posteriormente. Se você sugere o cultivo gradual do ‘vazio’, eu o considero aceitável.
Buddhadasa: Eu digo que nós devemos usar todos os meios para nos aproximarmos do vazio. Mesmo enquanto nós estamos trabalhando, comendo, respirando, nós devemos conceber meios hábeis para nos aproximarmos do vazio, independentemente de sermos leigos. As nossas visões são ligeiramente diferentes.
M.R. Kukrit: Elas são muito diferentes. Quanto mais nos aproximamos do vazio, menos sucesso material nós temos.
Buddhadāsa: Isso não é ‘vazio’ no sentido que o Buda ensinou aos leigos.
M.R. Kukrit: Se alguém é milionário e um cavalheiro, isso não é possível. Para ser um milionário, alguém de fato tem que sofrer e não se pode ser ‘vazio’ de forma alguma.
Buddhadasa: Pode haver um arhat milionário?
M.R. Kukrit: Se ele se tornar milionário por herança, é possível. Mas não é o caso se ele tiver que conseguir isso com as próprias mãos, porque um arhat nunca pensa em se tornar milionário.
Buddhadasa: Não é possível que indivíduos com diferentes níveis de iluminação sejam milionários ao mesmo tempo?
M.R. Kukrit: Eu mesmo não acredito nisso. Sem mencionar aqueles indivíduos iluminados, mesmo pessoas com uma leve experiência de vazio como eu mesmo, de fato veem que a riqueza é impermanente. Assim como o dinheiro, ou qualquer outra coisa. Eles não são o eu (ser, self). Eu ainda não sou um milionário. Eu simplesmente não tenho dificuldade em ganhar a vida. Na verdade, eu tenho o meu princípio de que eu nunca ganharei dinheiro para uso futuro. Eu ganho dinheiro apenas quando quero comprar alguma coisa. Quando ela é comprada, eu paro. É por isso que eu tenho um tempo ‘vazio’ (livre) para discutir com o Venerável. Se eu dedicasse toda a atenção a ganhar dinheiro para ser um milionário, eu não estaria aqui hoje — eu não sou ‘vazio’ (livre).
Buddhadāsa: Existe algum milionário que sinta que tem riqueza suficiente para se interessar pelo Dhamma?
M.R. Kukrit: Possível se é dito apenas que ele se interessa. Mas qualquer um que toque em dinheiro descobrirá que ele não está mais ‘vazio’. Eu não penso que exista tal milionário.
Buddhadāsa: Eu gostaria de deixar a discussão sobre essa questão para o público, que a considerará independentemente. No entanto, eu insisto que pessoas de todas as idades e sexos apliquem o princípio de sempre manter a sensação de ‘vazio’ da melhor forma possível em todos os casos, especialmente quando o sofrimento surge enquanto você está trabalhando. As disputas sobre as opiniões ou o tempo apropriado são irrelevantes. Até mesmo Ajarn Kukrit admite que o apego deve ser destruído no final, porque é o princípio do Budismo. Eu repito e insisto que nós devemos entender o Dhamma dessa maneira. Ou seja, nós devemos nos livrar gradualmente do ‘egoísmo’ até que ele se enfraqueça ou seja completamente destruído. Se vocês fizerem isso corretamente, vocês sentirão paz e acharão o trabalho de vocês agradável, não atormentador, o que é um progresso espiritual ao mesmo tempo. Eu insisto e imploro que vocês entendam o Dhamma dessa maneira. Eu peço a Ajam Kukrit que expresse a sua opinião novamente.
M.R. Kukrit: Eu gostaria de fazer uma breve conclusão: que eu concordo plenamente com tudo o que o Venerável disse sobre o Dhamma. Você está absolutamente certo. Que os desejos e o apego são a causa de todos os sofrimentos é inegável. Isso é verificável. E quanto mais nós pudermos reduzir os desejos e o apego, mais sofrimentos nós poderemos eliminar de nós mesmos. Esse é o Dhamma puro, o inabalável. Isso deve ser promovido, entendido e propagado. A minha discussão visa simplesmente informar o Venerável sobre o ponto de vista do público de que a prática do Dhamma é difícil porque requer o abandono do ‘mundo’, com o qual eu quero dizer todos os problemas. ‘O Dhamma’ é toda a pureza que se opõe ao ‘mundo’. Nós estamos no mundo. Nós podemos confiar no Dhamma puro. O conhecimento de que os desejos e o apego são a causa de todos os sofrimentos deve estar sempre em nossa mente.
Enquanto isso, se nós continuarmos praticando o que o Buda ensinou, o mundo finalmente perderá o seu significado para nós. Isso não é uma questão de desejo. Se nós persistimos na prática do verdadeiro Dhamma que o Buda ensinou, nós alcançaremos o Nibbāna quando for a hora certa. Isso não é porque nós desejamos ou não o desejamos isso. No entanto, enquanto nós ainda somos leigos, isso é difícil. Eu gostaria de deixar isso claro. A escolha tem que ser feita entre o sucesso mundano e o Nibbāna. Status, fortuna e conveniências ainda são entendidos como frutos da prática do Dhamma. Eu insisto que eles não são. O efeito da prática, de esvaziar a mente é a liberação dos sofrimentos. Todos os ganhos mundanos nos trazem sofrimentos. Eles não são a verdadeira felicidade. É isso que nós devemos saber. Se nós pensamos que a mente vazia nos ajuda a nos tornarmos milionários, eu não tenho certeza. Mas se, por ‘milionário’, isso significa um indivíduo rico em Dhamma — os problemas que ele tem nunca abalam a mente dele —, eu acho isso aceitável. Eu acredito nisso. É isso. Eu gostaria de dizer a vocês que vocês devem ter muito cuidado ao ensinar o Dhamma às pessoas, porque elas facilmente interpretam mal. Por exemplo, quando vocês dizem que mente vazia traz sucesso, elas interpretam mal que mente vazia traz sucesso financeiro, porque as pessoas hoje em dia pensam em dinheiro a cada respiração. Esse é outro obstáculo à propagação do Dhamma que eu quero abordar.
Portanto, eu geralmente não discordo e aprecio muito o entendimento do Dhamma, Venerável, explicado de forma tão profunda. As observações que fiz têm, em primeiro lugar, o objetivo de que você elabore ou mostre os fatos sobre os leigos, os seus anseios e impurezas, a sua moralidade, como ela é hoje, para que o Venerável e o público aprendam e para ver se há alguma solução em termos do Dhamma que tenda a maiores benefícios. Esse é o meu objetivo. Eu não discordo nem pretendo me opor a monges, o que me trará prejuízos. Eu nunca discuto contra o Venerável. E, finalmente, eu gostaria de relatar honestamente que eu nunca me apego à condição de arhat. Eu nunca penso em me tornar um arhat e nunca penso que a condição de arhat seja a mais preciosa e desejável. Eu nunca tenho tal apego. Essas são as minhas observações finais.
Buddhadāsa: Eu ponderarei sobre os pontos peculiares que você levantou. Se houver uma oportunidade, nós discutiremos novamente.
[Observação PO: Egoísmo = ego + ismo. Sufixo ismo = significa “tomar o partido de” ou “imitar a” e é geralmente usado para descrever filosofias, teorias, religiões, movimentos sociais, movimentos artísticos e comportamentos, formando nomes que designam conceitos de ordem geral.]
[Traduzido da versão Tailandesa por Pagorn Singsuriya]
Imagem: pexels-pixabay-161183 30.04.25 – Thailand – Dois Monges Com Manto Laranja Descendo As Escadas De Concreto
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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios são capazes de ajudar tanto as Pessoas quanto as Organizações.
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