Livro “The Message of A Course In Miracles”, volume 2, capítulo 2 de “Poucos Escolhem Escutar”, autor Dr. Kenneth Wapnick, Ph.D.
O Uso da Linguagem do Curso – I
O Simbolismo da Dualidade
Introdução
“Talvez a maior fonte de confusão para os estudantes de Um Curso em Milagres seja o uso inconsistente e metafórico da linguagem, especialmente porque a maioria dos estudantes provavelmente nem está ciente de tal uso. Essa confusão infelizmente pode servir ao ego como uma justificativa tentadora para aqueles que já estariam propensos a interpretar mal os ensinamentos do Curso à luz do forte investimento em manter e defender o seu próprio sistema de crenças. Assim, o estilo poético do Curso pode ser um dos maiores obstáculos para aqueles estudantes cuja inclinação é para interpretações mais literais, senão fundamentalistas, do que leem. Essa abordagem pode funcionar bem com escritos mais científicos, onde a precisão da declaração é essencial, mas tal rigidez em relação à forma causa estragos no conteúdo do Curso. Enquanto alguma discussão sobre esse tema ocorreu em ‘Todos são chamados’ (por exemplo, pp. 32-36), o capítulo atual aborda esta questão muito importante em maior profundidade.
A Linguagem Metafórica do Curso
Nós começamos, portanto, afirmando simplesmente que Um Curso em Milagres não foi escrito como um folheto científico, nem como um trabalho de pesquisa profissional, como era o estilo usual de escrita de Helen. Em vez disso, o uso da linguagem do Curso é frequentemente poético e seu estilo sinfônico e não linear. Embora isso seja certamente uma vantagem para os leitores familiarizados e confortáveis com esse estilo, essa escrita, novamente, pode se tornar extremamente frustrante para aqueles que preferem uma prosa tecnicamente mais precisa. Sempre me lembrarei do homem que se levantou em um workshop que Gloria e eu estávamos dando muitos anos atrás, após a nossa discussão sobre algumas das traduções de Um Curso em Milagres que já estavam em andamento ou sendo consideradas. Ele falou com bastante força de sua formação como Ph.D. em Engenharia, além de ser um homem bastante letrado e inteligente, mas que ainda não era capaz de entender o Curso. ‘Quando’, ele concluiu as suas observações dizendo, ‘você vai traduzir este Curso para o Inglês?’
Citamos anteriormente o comentário de Jesus sobre o Texto: “Com certeza, já começaste a reconhecer que esse é um curso muito prático e que, de fato, quer dizer exatamente o que diz” (T-8.IX.8:1). O problema, entretanto, é que as palavras do Curso muitas vezes não significam o que dizem literalmente e, além disso, não devem ser interpretadas dessa maneira. Mas as palavras certamente significam o que dizem quando são entendidas metaforicamente ou simbolicamente e esse significado pode ser discernido quando o conteúdo por trás de sua forma é reconhecido.* Considere alguns exemplos:
Jesus faz algumas declarações sobre a incorruptibilidade do corpo, sugerindo que ele não pode morrer (T-19.IV-C.5:2; MP-12.5:5), o que quando tirado do contexto certamente parece sugerir que a vida do corpo pode ser imortal. E aqueles estudantes do Curso que aderem a outras espiritualidades que enfatizam a imortalidade do corpo saltam de alegria ao se apoderarem das palavras literais do Curso para apoiar as reivindicações de seu próprio caminho espiritual. A conclusão deles então é que Um Curso em Milagres é ‘exatamente como’ esse outro caminho porque ambos defendem a imortalidade do corpo e sustentam isso como um objetivo importante, se não essencial, para o buscador espiritual e estudante do Curso.
No entanto, o que essas passagens do Curso realmente significam é que o corpo não morre porque o corpo não vive. Como diz o Texto:
O corpo não more, assim como não pode sentir. Ele nada faz. Por si mesmo, não é corruptível nem incorruptível. Não é nada (T-19.IV-C.5:2-5)
Portanto, somente nesse sentido nós podemos dizer que o corpo não morre, pois quem não possui vida não pode perdê-la. Não faria sentido se Jesus em Um Curso em Milagres defendesse a imortalidade de um corpo que ao longo dos três livros que ele ensina não é real e não tem vida. No entanto, esse é um exemplo de onde estudantes bem-intencionados podem ficar confusos por não reconhecer, novamente, onde declarações específicas não devem ser arrancadas de seu contexto e tomadas como verdade literal.
Um conjunto de exemplos que tratam de Deus fazem questão de prestar atenção ao conteúdo por trás da forma. Aliás, os itálicos nas seguintes citações são meus [Dr. Wapnick], e na última citação eu omiti aqueles encontrados no Curso, uma vez que se relacionavam a considerações estilísticas e não ao significado da passagem:
Deus é solitário sem os Seus Filhos e eles são solitários sem Ele … tu es tão solitário quanto o próprio Deus quando os Seus Filhos não O conhecem (T-2.III.5:11; T-7.VII.10:7).
Deus chora Diante do ‘sacrifício’ de Suas crianças que acreditam que estão perdidas para Ele (T-5.VII.4:5).
O próprio Deus é incompleto sem mim. … Pois através dele o próprio Deus é mudado e refeito como um ser incompleto (T-9.VII.8:2; T-19.II.2:7).
De fato, ao longo de Um Curso em Milagres, Deus é referido como tendo Braços, Mãos e uma Voz e com esse Seu ‘corpo’ reage aos erros de Seu Filho dando passos, descendo, falando palavras, criando planos, etc.
Isso seria óbvio até mesmo para um leitor casual de Um Curso em Milagres que Deus não é e não pode ser corpóreo. Ele não tem um corpo, nem mora em um lugar chamado Céu. De fato, nós somos ensinados que o mundo físico foi feito como um ataque a Ele (LE-pII.3.2:1) e que o corpo é um limite para o amor (T-18.VIII.1:2). E ainda nas passagens acima nos é dito especificamente que Deus é solitário, chora e é incompleto sem nós. Essas palavras não apenas implicam claramente que Deus existe em um corpo – como outras passagens também fazem referindo-se a Ele como Pai, denotando a Sua humanidade masculina pelo uso dos pronomes humanos ‘Ele’ e ‘Dele’ e referindo-se às partes do corpo mencionadas acima – mas também essas passagens sugerem claramente que a separação dEle realmente aconteceu; caso contrário, Ele não poderia estar reagindo a isso como Ele está claramente descrito em alguns lugares. No entanto, é o princípio da Expiação, sobre o qual repousa todo o sistema de pensamento do Curso, que o pecado da separação nunca aconteceu. Assim, a nossa culpa e medo resultantes não fazem sentido. E tão sem sentido é o pensamento de que Deus – o nosso Criador perfeito e Fonte indiferenciada e unificada – pudesse chorar, sofrer solidão ou até mesmo acreditar que Ele era incompleto.
Nas próximas seções, eu explicarei o que Jesus realmente quer dizer nessas referências simbólicas, mas continuo agora com uma breve apresentação de algumas passagens que envolvem a criação do Espírito Santo. Um Curso em Milagres diz que Ele foi criado por Deus como a Sua Resposta ao pensamento de separação do ego. Por exemplo:
[O Espírito Santo] veio a ser com a separação, como uma proteção, ao mesmo tempo inspirando o princípio da Expiação … O Espírito Santo é a Resposta de Deus à separação … O princípio da Expiação e a separação começaram ao mesmo tempo. Quando o ego foi feito, Deus colocou na mente o chamado para a alegria (T-5.I.5:2; T-5.II.2:5; 3:1-2).
Mais tarde, o Texto afirma, em outra referência à criação do Espírito Santo, que quando a extensão de Deus para fora foi bloqueada pela separação, “Ele pensou: Minhas crianças dormem e têm que ser despertadas'” (T-6.V.1:8).
Nessas citações, apenas algumas entre muitas, muitas outras, isso está claro que as próprias palavras implicam diretamente um Deus humano, que pensa, sente e age como um pai amoroso quando confrontado por um filho rebelde. O Deus das parábolas do evangelho naturalmente é retratado exatamente da mesma maneira. O Deus-Criador do Antigo Testamento também é claramente descrito como um pai muito humano, embora nem sempre de forma positiva, para dizer o mínimo. Dada a nossa forte identificação corporal, tal imagem de Deus é compreensível:
É possível que tu, que te vês dentro de um corpo, conheças a ti mesmo como uma ideia? Tudo o que reconheces identificas com coisas externas, algo fora de ti. Não podes sequer pensar em Deus sem um corpo ou alguma forma que pensas reconhecer (T-18.VIII.1:5-7).
Além disso, a tradição Judaico-Cristã com a qual quase todos os estudantes de Um Curso em Milagres se identificam – estejam eles conscientes disso ou não – tornaria praticamente impossível não conceituar o Criador em termos humanos, tanto física quanto psicologicamente. Como então nós devemos entender essas referências contínuas no Curso a uma divindade que soa muito humana — (se não às vezes ego–)? As próximas seções tratam dessa questão.
* Novamente, esta questão é explorada em profundidade no artigo de Gloria e meu “Um curso simples, claro e direto”, que está publicado na Web em: http://facim.org/acim/lh930404.htm
Não-Dualidade versus Dualidade
Nesse ponto, seria útil introduzir dois termos que, embora não sejam usados especificamente em Um Curso em Milagres, caracterizam as duas dimensões da experiência que se refletem nos ensinamentos do Curso e, portanto, os dois níveis de linguagem que nós estamos discutindo. Esses termos são não-dualidade e dualidade, refletindo respectivamente o estado de pré-separação do Céu, a única realidade verdadeira e o mundo separado do sistema de pensamento do ego, o mundo da ilusão. Esses dois níveis também são frequentemente caracterizados no Curso pelos termos conhecimento e percepção.
Como já foi dito, muitos mal-entendidos e confusão sobre o que Um Curso em Milagres ensina, inevitavelmente levando a distorções nos ensinamentos dos estudantes sobre os outros, podem ser rastreados até o não reconhecimento desses dois níveis muito diferentes e porque o material de Jesus veio nessa forma. O processo básico de desfazer a culpa do Curso é resumido em sua ênfase, para reafirmar esse princípio muito importante, em trazer as ilusões da escuridão do ego para a luz da verdade do Espírito Santo. Como Jesus diz de si mesmo no início do Texto:
Eu fui um homem que se lembrou do espírito e do conhecimento do espírito. Como um homem, não tentei compensar o erro com conhecimento, mas corrigir o erro de baixo para cima (T-3.IV.7:3-4).
Essa afirmação reflete o fato de que a correção do sistema de pensamento do ego que ele trouxe à consciência no nível da realidade [awareness] do mundo ocorreu no nível dualista do erro, não no nível não-dualista da verdade. Assim, ele não trouxe a verdade do Céu ao mundo magicamente para iluminar as trevas do pecado, como está implícito na teologia do Cristianismo. Além disso, nós vemos na Bíblia que Jesus é o único Filho de Deus que encarnou no mundo do pecado real. No evangelho de João, o último dos quatro evangelhos a serem escritos, Jesus é retratado como o Cristo cósmico, apenas na terra e, portanto, alguém que não age ou fala em termos humanos. No entanto, ele é aquele que intercedeu nos assuntos humanos para tirar os pecados daqueles que acreditam nele.
Por outro lado, o Jesus em Um Curso em Milagres é claramente diferente do personagem bíblico que leva o seu nome porque, entre outras coisas, ele deixa bem claro que não irá, porque ele não pode, remover os nossos pecados de nós. Um exemplo é visto nesta passagem:
Deus e Suas criações permanecem em segurança e, portanto, têm o conhecimento de que não existe nenhuma criação equivocada. A verdade não pode lidar com os erros que tu queres … Unindo a minha vontade com a do meu Criador, naturalmente lembrei-me do espírito e do seu propósito real. Eu não posso unir a tua vontade à de Deus por ti, mas posso apagar todas as percepções equivocadas da tua mente, se tu as trouxeres à minha orientação. Apenas as tuas percepções equivocadas impedem o teu caminho. Sem elas, só escolhes com certeza. A percepção sã induz à escolha sã. Não posso escolher por ti, mas posso ajudar-te a fazer a tua própria escolha certa (T-3.IV.7:1-2, 6-11).
Além disso, o Jesus de Um Curso em Milagres fala de viver e ensinar no mundo, nos termos do mundo, um mundo que ele nunca denigre nem descarta, embora ele claramente insista para nós que é ilusório. Por exemplo, ele diz do corpo que
… é quase impossível negar a sua existência nesse mundo. Aqueles que o fazem estão engajando-se em uma forma de negação particularmente indigna (T-2.IV.3:10-11).
E claramente esta é uma negação que ele não está defendendo.
Esse falar conosco em termos do mundo é o que Jesus faz também na forma de Um Curso em Milagres. Ele afirma repetidamente no Curso como o que ele está realmente dizendo não pode ser entendido. Em uma passagem reveladora, ele até descarta todas as pretensões arrogantes do intelectual, dizendo:
Ainda estás convencido de que a tua compreensão é uma contribuição poderosa para a verdade e faz dela o que ela é. Entretanto, nós já enfatizamos que nada precisas compreender (T-18.IV.7:5-6).
E assim, em Um Curso em Milagres, Jesus ensina os seus estudantes na linguagem simbólica e metafórica do mito, alcançando-os no nível mundano que eles podem aceitar e entender. E, no entanto, como nós veremos a seguir, ele ocasionalmente aponta para a verdade não-dualista, abstrata e não específica que é o conteúdo além dos símbolos dualistas e específicos que ele emprega.
Finalmente, nós precisamos esclarecer o que se entende por sistemas não-dualistas e dualistas, uma vez que essa distinção reflete a diferença crucial entre Um Curso em Milagres e quase todos os outros sistemas de pensamento espiritual. Por não-dualidade nós estamos nos referindo à parte de Um Curso em Milagres que reflete as duas dimensões mutuamente exclusivas – conhecimento e percepção, espírito e matéria, Céu e mundo – das quais apenas uma é real.
Portanto, a conclusão clara dessa metafísica não-dualista é que Deus não pode estar presente no mundo ilusório, pois isso comprometeria a natureza absoluta da Unicidade de Deus ao implicar que poderia realmente existir um estado que está fora da unidade perfeita, uma evidente e impossibilidade lógica.
A dualidade, por outro lado, reflete a crença de que ambas as dimensões – a espiritual e a material – são reais e coexistem. Consequentemente, é possível dentro de tais sistemas espirituais que Deus esteja presente se não ativo no universo fenomenal, uma vez que o mundo se originou com Ele, está realmente lá fora e obviamente precisando de Sua ajuda e intervenção. Além disso, o próprio tecido da materialidade de alguma forma traz em si algum aspecto, traços ou reflexos do divino.
Nós consideramos agora a natureza da não-dualidade e o problema que ela apresenta para um mundo dualista.
Não-Dualidade
O Problema para Estudantes de UM CURSO EM MILAGRES
Um tratamento mais completo da natureza de Deus e do Céu pode ser encontrado em Todos São Chamados, Capítulo Um, mas para os nossos propósitos aqui, uma breve visão geral das dimensões dessa realidade não-dualista é suficiente. Nós começamos com o que é verdadeiro: Deus e Sua criação. Um Curso em Milagres é bastante enfático que o Céu é a única realidade e como Cristo, o nosso ‘único relacionamento que tem significado’ é com Deus (T-15.VIII.6:6). Esta relação é de total unicidade, sem diferenciação entre Criador e Criado, Causa e Efeito, Deus e Cristo. Como Jesus ensina sobre o Céu no Curso:
O Céu não é um lugar nem uma condição. É meramente uma consciência [no nível da realidade] da perfeita unicidade e o conhecimento de que nada além disso existe, nada fora dessa unicidade e nada mais dentro dela (T-18.VI.1:5-6).
Esse é o estado de não-dualidade, onde não há presença dualista no Céu, mas apenas Um só: ‘…em lugar algum chega ao fim para dar início ao filho como algo separado de Si Mesmo’ (LE-pl.132.12:4). Em um livro anterior, Gloria e eu descrevemos o Céu desta forma:
…no Princípio, antes mesmo de haver um conceito de princípio, existe Deus, a nossa Fonte e a Fonte de toda a criação: uma perfeição e resplendor cuja magnificência está além da compreensão; amor e doçura de uma natureza tão infinita que a consciência não pôde sequer começar a sua apreensão; uma quietude intocada de alegria ininterrupta; um fluxo imóvel sem atrito para impedi-lo; uma Totalidade vasta, ilimitada e abrangente, além do espaço, além do tempo, na qual não há começo nem fim, pois nunca houve um tempo ou lugar em que Deus não existisse…
A criação, como o espírito, é abstrata, sem forma e imutável. A sua natureza é a unidade, cujo conhecimento é que não há nenhum lugar onde o Criador termina e o criação começa. Não há limite, nem diferenciação, nem separação. No entanto, incluído nesse conhecimento está o fato de que nós não somos a Fonte da criação, embora nós permaneçamos Um só dentro dela.
A Mente de Deus pode começar? A Mente de Deus pode acabar? Um Pensamento que faz parte dessa Mente pode ser algo diferente dessa Mente? Certamente não, já que não há sujeito ou objeto no estado do Céu; nenhum observador ou observado. Não há percepção, simplesmente o conhecimento total de quem nós somos: uma glória de tal esplendor unificado que os conceitos de dentro-fora não têm significado (Awaken from the Dream [Despertar do Sonho], pp. 3-4).
Um Curso em Milagres em si fornece muitas passagens encantadoras que retratam esse estado não-dualista de Unicidade e muitas dessas declarações enfatizam a inefabilidade inerente do Céu:
Deve-se notar especialmente que Deus só tem um Filho. Se todas as Suas criações são Seus Filhos, cada um tem que ser uma parte integral de toda a Filiação. A Filiação, em sua unicidade, transcende a soma de suas partes (T-2.VII.6:1-3).
O amor não pode julgar. Sendo um em si mesmo, ele olha para tudo com um só. O seu significado está na unicidade. E tem que eludir a mente que o considera parcial ou em partes. Não há nenhum amor exceto o de Deus e todo o amor é Dele. Não há outro princípio que domine onde o amor não está. O amor é uma lei sem opostos. A sua integridade é o poder que mantém todas as coisas unas, o elo entre o Pai e o Filho que mantém a Ambos para sempre como o mesmo (LE-pI.127:3:1-8).
A comunicação, sem ambiguidades e clara como o dia, permanece ilimitada por toda a eternidade. E o próprio Deus fala com o Seu Filho como o Seu Filho fala com Ele. A Sua linguagem não tem palavras, pois o que dizem não pode ser simbolizado. O Seu conhecimento é direito, totalmente compartilhado e totalmente uno (LE-pI.129.4:1-4).
Como o nada não pode ser retratado, do mesmo modo não há nenhum símbolo para a totalidade. A realidade é conhecida, em última instância, sem forma, sem retrato e sem ser vista (T-27.III.5:1-2).
A Unicidade é simplesmente a ideia de que Deus é. E no Que Ele É, Ele abrange todas as coisas. Não há mente que contenha algo que não seja Ele. Dizemos: ‘Deus é’ e então deixamos de falar, pois nesse conhecimento as palavras são sem significado. Não há lábios para pronunciá-las e nenhuma parte da mente é distinta o suficiente para sentir que agora está ciente de algo que não seja ela mesma. Ela se uniu à sua Fonte. E, como a própria Fonte, meramente é (LE-pI.169.5:1-7).
Não podemos falar, escrever ou mesmo pensar sobre isso de modo algum (LE-pI.169.6:1).
Nós podemos ver claramente que não há como entender o estado de um Céu não-dualista por um cérebro que foi programado pela mente culpada e dualista para não entender a não-dualidade, o estado que constitui a mais grave ameaça ao indivíduo e existência específica. E assim nós chegamos ao cerne da questão: como falar da verdade não-dualista para mentes dualistas – e, portanto, cérebros – que literalmente não podem entender essa verdade. Esse é o desafio enfrentado por Jesus em Um Curso em Milagres, cujos ensinamentos vêm da verdade para um mundo de ilusão que não acredita, nem mesmo reconhece essa verdade.
Forma Inconsistente e Conteúdo Consistente
A Solução para os Estudante de Um Curso em Milagres
É a linguagem da metáfora e do símbolo que fornece a solução para esse problema e a seguinte passagem chave do Texto fornece a explicação mais clara em Um Curso em Milagres do princípio subjacente a como Jesus tem ensinado a verdade da não-dualidade de perfeita unicidade para os seus irmãos mais novos que acreditam viver na dualidade da separação e experiencialmente não conhecem nenhuma outra dimensão:
Já que tu acreditas que estás separado, o Céu se apresenta a ti como se fosse separado também. Não que ele o seja na verdade, mas para que o elo que te foi dado para unir-te à verdade possa chegar a ti através de algo que compreendes [i.e., a linguagem da dualidade]. Pai, Filho e Espírito Santo são como Um só, assim como todos os teus irmãos se unem como um na verdade. Cristo e Seu Pai nunca foram separados e Cristo habita dentro da tua compreensão, na parte de ti que compartilha a Vontade do Seu Pai. O Espírito Santo liga a outra parte – o diminuto, louco desejo de ser separado, diferente e especial – com o Cristo, para fazer com que a unificação fique clara para o que é realmente um. Nesse mundo, isso [a realidade não-dualista] não é compreendido, mas pode ser ensinado [através do símbolo e da metáfora da linguagem dualista].
O Espírito Santo serve ao propósito de Cristo em tua mente, de modo que o objetivo do especialismo possa ser corrigido onde está o erro. Como o Seu propósito é ainda uno com ambos, o Pai e o Filho, Ele conhece a Vontade de Deus e o que é realmente a tua vontade. Mas isso é compreendido pela mente que se percebe una, ciente de que é una e assim vivenciada. É função do Espírito Santo ensinar-te como é vivenciada essa unificação, o que tens que fazer para que ela seja vivenciada e aonde deves ir para fazer isso.
Tudo isso leva em consideração o tempo e o espaço [o mundo da dualidade] como se fossem distintos, pois enquanto pensas que parte de ti é separada, o conceito de uma unicidade unida como um só não tem significado. Está claro que uma mente tão dividida nunca poderia ser o professor de uma Unicidade Que une todas as coisas dentro de Si Mesma. E assim, O Que está dentro dessa mente e de fato une todas as coisas tem que ser o seu Professor. No entanto, Ele tem que usar uma linguagem [dualista] que essa mente possa compreender, na condição [separada e dualista] na qual ela pensa que está. E Ele tem que usar todo o aprendizado para transferir ilusões à verdade, tomando todas as ideias [dualistas] falsas quanto ao que tu és e conduzindo-te para além delas, para a verdade [não-dualista] que está além das ilusões. (T-25.I.5:1-6; 6:1-4; 7:1-5).
A discussão anterior não é o único lugar em Um Curso em Milagres, no entanto, onde Jesus elucida essa ideia de ter que expressar a sua verdade não-dualista de uma forma dualista. Nós vemos isso também claramente refletido na seção do Manual de Professores, mencionada no capítulo anterior, que trata do único professor de Deus que salva o mundo. É importante ressaltar que nessa passagem, como nas características dos professores de Deus apresentadas em uma seção anterior do Manual, Jesus está se referindo claramente a professores avançados, em contraste com o nível ‘não avançado’ dos estudantes do Curso que ainda precisam aprender o Curso e ainda estão ‘nos primeiros estágios de seu trabalho’ (M-4.1-2). A primeira parte de sua passagem foi citada no capítulo anterior.
Os professores de Deus parecem ser muitos, pois essa é a necessidade do mundo. No entanto, unidos num só propósito, propósito esse que compartilham com Deus, como poderiam estar separados uns dos outros? Que importa, então, se aparecem em muitas formas? As suas sementes são uma só; a sua união é completa. E Deus, agora, trabalha através deles como se fossem um, pois é isso o que são (MP-12.2:5-9).
Por que é necessária a ilusão de serem muitos? Somente porque a realidade não é compreensível para os iludidos. Raros são os que podem ouvir a Voz de Deus de qualquer maneira que seja, e mesmo estes não podem comunicar as mensagens Dele através do Espírito Santo, que lhas deu. Os professores de Deus necessitam de um veículo através do qual a comunicação se torne possível para aqueles que não reconhecem que são espírito. Um corpo, esses podem ver. Uma voz podem compreender e ouvir o medo que a verdade encontraria neles. Não te esqueças de que a verdade só pode vir onde é bem-vinda sem medo. Assim, os professores de Deus precisam de um corpo, pois a sua unidade não poderia ser reconhecida diretamente … Os professores de Deus parecem compartilhar a ilusão da separação mas, devido ao propósito com que usam o corpo, não acreditam na ilusão apesar das aparências (MP-12.3:1-8; 4:6).
Assim, nós vemos novamente que uma verdade não-dualista – ou seja, um professor – é apresentada em um contexto dualista – ou seja, muitos professores – para que possa ser compreendida dentro do sonho da dualidade. E, portanto, nunca se diga que Jesus não declara claramente o seu propósito ao falar dualisticamente, nem que ele compromete a verdade não-dualista que o seu Curso veio ensinar.
Essas duas referências acima deixam claro que Jesus não quis dizer que a forma de sua mensagem fosse tomada pelo conteúdo da mensagem em si. O leitor talvez se lembre da forte ênfase que ele coloca em Um Curso em Milagres no reconhecimento da importância no sistema de pensamento do ego das formas de seus relacionamentos especiais e como elas sempre são substituídas pelo conteúdo do amor. Uma dessas passagens será suficiente:
Sempre que uma forma qualquer de relacionamento especial te tentar a buscar o amor em um ritual, lembra-te de que o amor é conteúdo e não forma de espécie alguma. O relacionamento especial é um ritual de forma, com o objetivo de elevar a forma para que ela tome o lugar de Deus, às custas do conteúdo. Não há nenhum significado na forma e nunca haverá (T-16.V.12:1-3).
Essas palavras podem ser tomadas como uma advertência para todos os estudantes de Um Curso em Milagres que buscam entender os seus princípios mantendo quase que servilmente o significado literal das palavras, em vez de usá-las como símbolos para ir além de seu verdadeiro significado. É por isso que Jesus oferece a seguinte declaração no ‘Esclarecimento de Termos’, explicando que as suas palavras por sua própria natureza serão inconsistentes e não a verdade literal e que, portanto, os seus estudantes devem olhar além das palavras inconsistentes para o conteúdo consistente da verdade:
Esse curso permanece dentro da estrutura do ego [i.e., dualidade, a utilização de palavras e conceitos], onde ele é necessário. Não se ocupa do que está além de todo erro [i.e., não-dualidade], porque está planejado somente para estabelecer a direção nesse sentido. Por conseguinte, usa palavras que são simbólicas e não podem expressar o que está além dos símbolos … O curso é simples. Tem uma função e uma meta [i.e., conteúdo]. Só nisso ele é completamente consistente, porque só isso pode ser consistente (ET-in.3:1-3; 8-10).
Novamente, nós podemos ver quão claramente Jesus está fazendo a distinção entre as suas palavras inconsistentes e o conteúdo consistente.
Ainda há outros exemplos em Um Curso em Milagres de Jesus ‘explicando’ o seu uso de linguagem dualista. Isso evidencia quão central para a apresentação do currículo do Curso é este procedimento de utilizar símbolos para refletir a verdade não-dualista da Unicidade além de todos os símbolos, uma realidade que não pode ser compreendida dentro do mundo dualista de separação. Nós citamos aqui algumas dessas passagens:
Nesse mundo, porque a mente é dividida, os Filhos de Deus parecem estar separados. Nem as suas mentes parecem estar unidas. Nesse estado ilusório, o conceito de ‘mente individual’ parece ser significativo. Ele é, portanto, descrito no curso como se tivesse duas partes: espírito e ego (ET-1.2).
A ideia para o dia de hoje … se aplica aos teus mundos interior e exterior que, de fato, são o mesmo. Porém para o dia de hoje mais uma vez incluirão duas fases, uma envolvendo o mundo que vês fora de ti e a outra o mundo que vês na tua mente. Nos exercícios de hoje, tenta introduzir o pensamento de que ambos estão em tua própria imaginação (LE-pI.32.2).
Deus é um Meio assim como Fim. No Céu, meios e fim são um só e um com Ele. Esse é o estado da verdadeira criação, que não é encontrado no tempo, mas na eternidade. Não se pode descrever isso a ninguém aqui. Também não existe nenhuma maneira de se aprender o que significa essa condição. Não enquanto tu não ultrapasses o aprendizado e chegares ao que te é Dado, não enquanto não fizeres de novo um lar santo para as tuas criações; só depois disso, ela será compreendida (T-24.VII.6:5-10).
Um co-criador com o Pai tem que ter um Filho. Entretanto, um Filho tem que ter sido criado como Ele próprio. Um ser perfeito, que tudo abrange e por tudo é abrangido, no qual não há nada a acrescentar e nada que possa ser retirado; um ser que não nasceu do que tem tamanho, nem em lugar algum, nem em tempo algum, nem preso a limites, nem a nenhuma espécie de incertezas. Aqui os meios e o fim se unem em um só e esse não tem fim. Tudo isso é verdadeiro, no entanto, não tem significado para qualquer pessoa que ainda retenha em sua memória uma lição não aprendida, um pensamento de propósito ainda incerto ou um desejo com o objetivo dividido (T-24.VII.7:1-5).
Esse curso não faz qualquer tentativa de ensinar o que não pode ser facilmente aprendido. O seu alcance não excede o teu próprio, a não ser para dizer que o que é teu virá a ti quando estiveres pronto. Aqui os meios e o propósito estão separados porque foram feitos assim e assim percebidos (T-24.VII.8:1-4).
Aprender é mudar. A salvação não busca usar meios tão estranhos ao teu pensamento que não te possam ser úteis, nem fazer mudanças que não serias capaz de reconhecer. Conceitos são necessários enquanto dura a percepção e mudar os conceitos é tarefa da salvação. Pois ela tem que lidar com contrastes, não na verdade, que não tem oposto e não pode mudar (T-31.VII.1:1-4).
Essa última passagem sobre a natureza não-dualista (ou seja, ‘simples’) da verdade é ecoada na seguinte breve declaração do suplemento Psicoterapia: Propósito, Processo e Prática. [Nota: este panfleto está agora incluído na Terceira Edição do Curso.] Ele trata da necessidade de expressar tal simplicidade em termos compreensíveis para um mundo complicado de dualidade:
Ainda que a verdade seja simples, ela tem que ser ensinada àqueles que já perderam os seus caminhos em labirintos de complexidade sem fim. Essa é a grande ilusão (P-2.V.1:1-2).
Finalmente, esta passagem do Texto, a ser examinada novamente mais tarde, também aponta que a verdade não-dualista de Deus precisa ser refletida no mundo dualista da ilusão se o Filho deve ser despertado de seu sonho. Como ponte ou elo entre essas duas dimensões, o Espírito Santo (o ‘Fazedor’ e o ‘Corretor’) é o meio para tal despertar:
As leis de Deus não atingem diretamente as regras de percepção do mundo, pois tal mundo não poderia ter sido criado pela Mente para a qual a percepção não tem significado. No entanto, as Suas leis são refletidas em todos os lugares. Não que o mundo onde ele está, é nem um pouco real. Somente porque o Seu Filho acredita que sim e da crença de Seu Filho Ele não poderia se separar inteiramente. Ele não podia entrar na insanidade de Seu Filho com ele, mas Ele podia ter certeza de que a Sua sanidade estava lá com ele, então ele não poderia se perder para sempre na loucura de seu desejo…
Há um outro Fazedor do mundo, Aquele Que simultaneamente corrige a crença louca em que alguma coisa possa ser estabelecida e mantida sem algum elo que a retenha dentro das leis de Deus; não como a lei em si mesma mantém o universo como Deus o criou, mas de alguma forma adaptada à necessidade que o Filho de Deus acredita que tem (T-25.III.4:1).
Portanto, nós podemos ver claramente nesses poucos exemplos como Jesus está ‘admitindo’ a inconsistência na forma de seu ensino, embora o seu conteúdo seja absolutamente consistente. Este é um ponto extremamente importante para os estudantes de Um Curso em Milagres entenderem e é por isso que continuo enfatizando. Sem essa compreensão, eles inevitavelmente cairão em interpretações errôneas que impedirão seriamente o seu progresso na jornada para Casa, que é o objetivo final de Um Curso em Milagres para eles.
Um exemplo paralelo de como um professor espiritual usa palavras que podem sugerir uma coisa enquanto a sua mensagem é outra bem diferente é encontrado nos ensinamentos de Ramana Maharshi, o homem santo Indiano do século XX. Ele é questionado por um discípulo sobre uma afirmação anterior de que o Coração é ‘a sede da consciência e… idêntico ao Ser’. O estudante está confuso porque o seu Mestre parece estar tratando sobre o coração – este símbolo espiritual – como um órgão físico distinto, cuidadosamente situado dentro do corpo.
A resposta de Maharshi é uma reminiscência dos ensinamentos de Jesus no Curso sobre a necessidade de apresentar uma verdade não-dualista em um contexto dualista (ou seja, físico):
… a pessoa que coloca a questão sobre a posição do Coração, considera-se como existindo com ou no corpo. Ao fazer a pergunta agora, você diria que o seu corpo sozinho está aqui, mas que você está falando de outro lugar? Não, você aceita a sua existência corporal. É deste ponto de vista que qualquer referência a um corpo físico passa a ser feita.
Verdadeiramente falando, a pura Consciência [isto é, o espírito] é indivisível, é sem partes. Não tem forma e formato, nem ‘dentro’ e ‘fora’. Não existe ‘direita’ ou ‘esquerda’ para isso. A Consciência Pura, que é o Coração, inclui tudo; e nada está fora ou à parte dela. Essa é a Verdade suprema.
Desse ponto de vista absoluto, o Coração, o Eu ou a Consciência não podem ter um lugar particular atribuído a ele no corpo físico. Qual é a razão? O próprio corpo é uma mera projeção da mente e a mente é apenas um pobre reflexo do radiante Coração. Como pode Aquilo, no qual tudo está contido, ser confinado como uma pequena parte dentro do corpo físico…?
Mas as pessoas não entendem isso. Elas não podem deixar de pensar em termos do corpo físico e do mundo… É descendo ao nível da compreensão comum que um lugar é atribuído ao Coração no corpo físico (Evangelho de Maharshi: Livros I e II; T.N. Venkataraman; Tiruvannamatai, 1939; pp. 73-74).
Mais um ponto importante precisa ser feito em relação à linguagem dualista do Curso e é um que Jesus não precisou explicar, porque era auto evidente para Helen quando ela foi anotada por seu ditado. Isso se relaciona com o fato de que o ensino original de Jesus era para duas pessoas: Helen Schucman e William Thetford. E assim os seus ensinamentos sobre o perdão, que em última análise só podem ocorrer dentro da mente do estudante individual, foram redigidos na linguagem dualista que refletia a sala de aula mútua que constituía o relacionamento de Helen e Bill. E uma sala de aula, deve-se acrescentar, ambos acreditavam consistir em duas pessoas: uma à outra. Foi através dessa sala de aula que Jesus esperava conduzir ambos ao conteúdo não-dualista de seu amor, que existia em suas mentes unidas além da forma dualista.
Ainda sobre o assunto de Helen e Bill serem os destinatários originais da mensagem, deixe-me fazer uma breve digressão para mencionar que outra fonte potencial de confusão para os estudantes é não saber que certas declarações no Curso tinham referência específica direta a Helen e Bill e não o público em geral. Uma das principais razões para escrever Absence from Felicity: The Story of Helen Schucman and Her Scribing of UM CURSO EM MILAGRES foi ajudar os estudantes do Curso a entender melhor o contexto em que Um Curso em Milagres surgiu, o que os ajudaria a entender melhor como certas declarações devem ser tomadas. Deixe-me dar um exemplo que vale ressaltar.
Muitos estudantes de Um Curso em Milagres seguiram as linhas iniciais da Introdução – ‘Este é um curso em milagres. É um curso obrigatório.’ — para significar algo no sentido de que este é um curso obrigatório para o mundo, embora a forma específica possa ser diferente. No entanto, o significado dessas linhas não era nada disso. A declaração foi originalmente parte da resposta bem-humorada de Jesus à reclamação de Helen sobre as ‘notas’ que ela estava anotando e deveria estudar. Ela perguntou a Jesus um dia se este curso era eletivo, o que ela erroneamente (e seu ego esperançosamente) assumiu que era. A resposta enfática de Jesus, que mais tarde foi incorporada à Introdução do Texto, foi:
Não, [esse curso] não é [eletivo]. É uma exigência definitiva. Apenas o tempo que você toma é voluntário. (livro Absence from Felicity, p. 219).
Da mesma forma, a famosa passagem dos evangelhos onde o Jesus bíblico diz que seria mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus (Mateus 19:24) foi uma tentação ao longo dos séculos para alguns estudantes bíblicos de conjeturar sobre o significado metafísico do camelo e da agulha. A verdade, no entanto, é que a referência era à ‘agulha’ ou arco de pedra estreito que impedia que os camelos entrassem na área sagrada do templo que estava decididamente fora dos limites para eles. Da mesma forma, os estudantes do Curso fariam bem em lembrar que a forma e o contexto de Um Curso em Milagres foram muito influenciados pela personalidade individual de Helen e pelas circunstâncias implacáveis de seu relacionamento com Bill.
Forma Inconsistente e Conteúdo Consistente
A Solução para os Estudantes de UM CURSO EM MILAGRES
Vamos agora considerar seis outros exemplos dessa inconsistência na linguagem do Curso, onde Jesus parece estar dizendo algo que claramente contradiz os princípios básicos do Curso:
1) Existem vários exemplos no Livro de Exercícios em que Jesus usa a palavra Deus quando é realmente o Espírito Santo Que é referido. A Lição 193 é intitulada “Todas as coisas são lições que Deus quer que eu aprenda” e ainda assim durante todo o Curso é o Espírito Santo que é claramente designado como o nosso Mestre e certamente não o Deus real que nem mesmo sabe que nós estamos aqui. E, de fato, a lição começa com a afirmação:
Deus nada sabe do aprendizado. Mas a Sua Vontade se estende ao que Ele [de fato] não compreende…
Deus não vê contradições [isto é, dualidade]. Mas o Seu Filho acredita vê-las. Por isso, precisa Daquele [o Espírito Santo] Que é capaz de corrigir o seu modo equivocado de ver e Que lhe dá a visão que o conduzirá de volta aonde termina a percepção (LE-pI.193.1:1-2; 2:1-4).
Claramente, então, a palavra ‘Deus’ – uma palavra de uma sílaba que cumpre as exigências métricas do pentâmetro iâmbico do título (uma razão não incomum para a escolha de certas palavras por Jesus) – é um símbolo para o Espírito Santo, ele próprio um símbolo, como nós veremos mais adiante.
2) No início do Livro de Exercícios vêm as duas lições, 29 e 30, que provavelmente são mais mal compreendidas do que qualquer outra: ‘Deus está em tudo que eu vejo’. e ‘Deus está em tudo que eu vejo pois Deus está em minha mente’. Tomadas literalmente, as lições parecem refletir o panteísmo, a crença religiosa que tem Deus presente em todas as formas materiais. No entanto, o significado das lições do Livro de Exercícios, como de fato é explicado nelas, é que é o propósito de Deus que é ‘visto’ em tudo porque esse propósito está em nossas mentes (por exemplo, ver LE-pI.29.1-3; LE-pI.30.2). E esse propósito é o perdão ensinado a nós pelo Espírito Santo. A lição 193 leva essa ideia adiante de uma forma mais sofisticada. Mas claramente Jesus não quer que os seus estudantes acreditem que o próprio Deus está presente em um mundo de forma que Ele não conhece e nem pode conhecer, porque não é real. Novamente, a palavra ‘Deus’ nem sempre deve ser interpretada literalmente pelos estudantes do Curso para significar o Criador não-dualista.
3) Outra passagem frequentemente mal compreendida vem na Lição 184:
Não penses que tu fizeste o mundo. As ilusões, sim! Mas aquilo que é verdadeiro na terra assim como no Céu está além dos nomes que dás (LE-pI.184.8:1-3).
Estudantes que acreditam que Deus realmente fez o mundo físico da existência individual usam esta passagem como ‘prova’ de sua posição; ou seja, que nós criamos o mundo ilusório de dor, sofrimento e morte, mas que Deus criou o mundo físico de beleza, alegria e felicidade. No entanto, o que não foi entendido é que a passagem se refere ao mundo real, que é ‘feito’ pelo Espírito Santo e não pelo ego do Filho. Isso pode ser visto nessas declarações de ‘Percepção e escolha’ no Texto, que nós apresentamos anteriormente neste capítulo em outro contexto:
As leis de Deus [de fato] não prevalecem diretamente em um mundo no qual a percepção domina, pois tal mundo não poderia ter sido criado pela Mente para a qual a percepção não tem significado. Entretanto, as Suas leis refletem-se em toda parte. Não que o mundo onde esse reflexo está seja, de fato, real …
Há um outro Fazedor do mundo…
Há um outro propósito [perdão] no mundo feito pelo erro, porque ele tem outro Fazedor, Que é capaz de conciliar a sua meta com o propósito do Seu Criador [criação]…
O Fazedor do mundo da gentileza [o mundo real]… (T-25.III.2:1-3; 4:1; 5:1; 8:1).
Mais ainda, a declaração citada acima do Livro de Exercícios, ‘o que é verdade na terra e no Céu’, encontra o seu significado nesse conceito de verdade sendo refletida no mundo.
Declarações anteriores no Texto também estabelecem claramente que o Filho de Deus não faz o mundo real, como nós vemos nas seguintes passagens, citadas anteriormente no Capítulo Um. Citando o famoso versículo do evangelho de João (3:16), Jesus faz uma correção no Curso:
A declaração ‘Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna’ só precisa de uma leve correção para ser significativa nesse contexto: ‘Ele o deu ao Seu Filho unigênito’ (T-2.VII.5:14).
E então ele esclarece esse ponto mais tarde:
Eu já disse que Deus tanto amou o mundo que o deu a Seu Filho único. Deus, de fato, ama o mundo real e aqueles que percebem essa realidade não podem ver o mundo da morte. Pois a morte não pertence ao mundo real, no qual todas as coisas refletem o eterno. Deus te deu o mundo real em troca daquele que fizeste a partir da tua mente dividida e que é o símbolo da morte (T-12.III.8:1-4).
4) No Livro de Exercícios para os estudantes, Jesus afirma muito claramente que Deus não entende palavras e de fato não ouve orações:
Não penses que Ele ouve as pequenas preces daqueles que O invocam com os nomes dos ídolos que o mundo tem em grande estima. Eles não podem alcança-Lo desse modo. Ele não pode ouvir pedidos nos quais Ele não seja Ele Mesmo, ou Seu Filho receba outro nome que não é o Seu …
Volta-te para o Nome de Deus para a tua liberação e ela te é dada. Nenhuma outra prece senão essa é necessária, pois contém em si todas as preces. As palavras são insignificantes e todos os pedidos desnecessários quando o Filho de Deus invoca o Nome do seu Pai. Os pensamentos do seu Pai tornam-se os seus próprios. Ele reivindica o próprio direito a tudo o que o seu Pai deu, ainda está dando e dará para sempre. Ele O invoca para deixar que todas as coisas que pensou ter feito sejam sem nome agora e no seu lugar o santo Nome de Deus torne-se o seu julgamento sobre a falta de valor de todas as coisas (LE-pI.183.7:3-5; 10).
Esta passagem do Livro de Exercícios é semelhante à discussão no início de O Cântico de Oração [Nota: esse panfleto agora está incluído na Terceira Edição de UCEM] onde Jesus aborda a questão de pedir (ou orar a) Deus por detalhes. O nosso Criador e Fonte não ouve as nossas orações pelo que não existe (no mundo da dualidade), mas invocá-Lo nos lembra a verdade não-dualista na qual se encontra a resposta a todas as nossas supostas necessidades. É por isso que, aliás, não há ordem de dificuldade nos milagres. Todos os problemas – independentemente de sua aparente magnitude – são resolvidos da mesma maneira: reconhecendo, através do milagre de escolher a verdade do Espírito Santo em vez da ilusão do ego, que todos os problemas são igualmente irreais. E assim Jesus diz a seus estudantes, em uma passagem importante que o leitor se lembrará de nossa discussão em Todos São Chamados (pp. 316-17), além de ter sido citado anteriormente nesse livro:
Pedir o que é específico é quase a mesma coisa que olhar para o pecado e depois perdoá-lo. Da mesma forma, na oração passas por cima das tuas necessidades específicas tal como as vês e entrega-as nas Mãos de Deus… O que poderia ser a Sua resposta exceto que te lembres d’Ele? Isso pode ser negociado a favor de um conselho sem importância sobre um problema que tem a duração de um instante? Deus só responde a favor da eternidade. Mas, ainda assim todas as pequenas respostas estão contidas nisso (CO-1.I.4:2-3, 5-8).
E isso é ressaltado, como nós vimos, por essa afirmação no Manual: ‘Deus não compreende palavras, pois foram feitas por mentes separadas para mantê-las na ilusão da separação’ (M-21.1:7).
No entanto, dado tudo isso, o estudante ponderado do Curso fica surpreso ao descobrir que praticamente toda a segunda parte do Livro de Exercícios, Lições 221-360, consiste em uma bela oração uma após a outra dirigida a Deus o Pai, para não mencionar o acima citado Livro de Exercícios Lição 71, onde nós somos instruídos a pedir ajuda muito específica ao nosso Criador e Fonte. E assim os estudantes podem se sentir justificados em reclamar com Jesus que ele lhes apresentou mensagens contraditórias. De fato, Jesus antecipa essa reclamação e a aborda especificamente em A Canção da Oração, em uma passagem que nós discutimos longamente na seção sobre oração no Capítulo Sete de Todos São Chamados:
Foi dito a ti que peças ao Espírito Santo a resposta para qualquer problema específico e receberás uma resposta específica se tal for a tua necessidade [Ver, por exemplo, T-11.VIII.5:5-6; T-20.IV.8:4-8, também houve mensagens pessoais iniciais para Helen a esse respeito, veja por exemplo Absence from Felicity, p. 293]. Também te foi dito que existe apenas um problema e uma resposta [Veja LE-pI.79-80]. Na oração, isso não é contraditório (CO-1.I.2:1-3).
Essas declarações aparentemente mutuamente exclusivas não são contraditórias porque representam diferentes níveis de ensino, destinados a serem proporcionais aos diferentes níveis de prontidão dos estudantes. No início, do que mais adiante no suplemento é chamado de ‘a escada da oração’ (CO-1.II) – o processo de perdão – a crença em especificidades dita que o Amor de Deus seja expresso nesses termos. À medida que os estudantes sobem a escada – ou seja, diminuem a sua identificação com a especialismo do ego – eles podem experienciar esse Amor cada vez mais abstratamente e se aproximar cada vez mais de sua verdadeira natureza.
Portanto, ensinando aos que estão nos níveis mais altos da escada, Jesus afirma que Deus não está envolvido no mundo dualista ilusório de especificidades. No entanto, quando ele ensina aos que estão nos primeiros níveis, como ele frequentemente faz em Um Curso em Milagres, ele se refere a um Deus cujo Amor por Seus filhos se estende ao sonho, onde necessidades específicas parecem ser atendidas e pedidos de especialismo aparentemente garantido. E assim nós podemos entender os ensinamentos ‘mais elevados’ de Jesus sobre a oração como refletindo a nossa escolha novamente para que agora nós possamos nos identificar com a mente certa (o Espírito Santo; ou seja, a memória de Deus) em vez da mente errada. A partir dessa perspectiva, então, a oração não é literalmente pedir coisas a Deus, mesmo que isso possa ser a nossa experiência, mas se refere a nós nos voltarmos para uma imagem de Deus com a mente certa que para nós representa metaforicamente o Deus abstrato não-dualista que está além de nossa experiência e compreensão dualistas.
5) Um exemplo maravilhosamente claro de quão folgadamente Jesus usa as suas palavras – deixando que elas signifiquem uma coisa em um lugar e outra coisa em outro lugar – é com a frase ‘milagre da cura’. Logo no início do Texto ele é bastante enfático ao dizer:
Nossa ênfase está agora na cura. O milagre é o meio, a Expiação é o princípio e a cura é o resultado. Falar de um ‘milagre de cura’ é combinar duas ordens de realidade de maneira imprópria. A cura não é um milagre. A Expiação ou o milagre final, é um remédio e qualquer tipo de cura é um resultado (T-2.IV.1:1-5).
Não se poderia pedir uma declaração mais precisa. E ainda há cinco lugares em outras partes no Curso onde Jesus fala de um ‘milagre de cura’ (T-19.I.14:5; T-27.II.5:2; T-27.V.1:3; T-28.IV.10:9; e MP-22.4:4), claramente violando a sua própria liminar anterior a seus estudantes. Novamente, um estudante parece justificado em perguntar a Jesus por que ele apresenta mensagens conflitantes em um Curso que afirma ser tão claro e direto. Veja qual seria a resposta dele:
Na afirmação original, feita no início do Texto, eu estou ensinando aos meus estudantes que o milagre é o meio e a cura é o resultado, estabelecendo uma relação de causa e efeito entre eles, cuja compreensão é fundamental para o processo de aprendizagem nessas primeiras partes do Texto. Esse ponto foi feito e a distinção estabelecida, no entanto, agora eu sou capaz de usar a frase poética ‘milagre da cura’ mais livremente mais adiante no Curso. Eu enfatizo repetidamente em meus ensinamentos que o propósito é tudo, pois somente ele dá significado ao comportamento e às circunstâncias. E aqui a inconsistência no nível da forma é reconciliada pelo propósito diferente das passagens em questão.
6) Uma inconsistência constante e consistente no Curso é a justaposição das declarações de Jesus que falam da salvação vindo feliz e alegremente em um instante (por exemplo, T-26.VIII; LE-pI.182) com declarações que pedem paciência no que é um longo e doloroso processo de perdão (por exemplo, MP-4.I-A.3-8; VIII). Aqui também não há contradição, desde que se lembre que Jesus está falando em níveis diferentes. Do ponto de vista da atemporalidade ou do instante santo – a dimensão que transcende a visão temporal do pecado (passado), culpa (‘presente’) e medo (futuro) do ego – tudo o que é necessário é a mudança da mente do ego para o Espírito Santo. Como o tempo é uma ilusão, isso só pode ocorrer em um instante, conforme declarado na Lição 182: ‘Eu me aquietarei por um momento e irei para casa’.
Por outro lado, no entanto, dentro da ilusão do tempo – onde os estudantes do Curso acreditam que estão no início da escada – o desfazer da culpa leva muito tempo, como se reflete nos seis estágios do desenvolvimento da confiança no Manual de Professores. A transição do quinto para o sexto estágio, que é o mundo real, é dito assim: ‘E agora tem que atingir um estado que talvez por muito tempo, muito tempo ainda lhe seja impossível alcançar’ (M-4.1-A.7:7).
Como pode ser visto na discussão acima, se o ego de uma pessoa deseja invalidar a autoridade de Um Curso em Milagres, ele pode facilmente encontrar ‘causa’ apontando para essas aparentes incongruências na linguagem. Da mesma forma, as pessoas que procuram mudar os ensinamentos do Curso para atender às suas próprias necessidades também podem encontrar inúmeras passagens para ‘apoiar’ a sua posição. Como salvaguarda contra cometer esses erros, um estudante deve sempre avaliar qualquer declaração particular no Curso à luz do ensino metafísico geral do Curso. Em resumo, portanto, nós podemos observar mais uma vez que Jesus está refletindo diferentes aspectos do processo de perdão, visto de diferentes degraus da escada. Quando se tem em mente o verdadeiro ensinamento de Um Curso em Milagres, então as diferentes declarações na forma são entendidas como metáforas ou símbolos de ensino que refletem suavemente os diferentes estágios de nossa jornada para casa.
Símbolos
Há vários lugares em Um Curso em Milagres onde Jesus discute a natureza e o papel dos símbolos e seria instrutivo olhar para alguns deles agora, como mais uma evidência de sua consciência da diferença em seu Curso entre símbolo e realidade. Nós começamos com a pergunta do Manual de Professores que aborda especificamente o papel das palavras (ou símbolos). Isso nos fornece a declaração mais clara no Curso, já considerada em parte, sobre a diferença entre palavras e significado, forma e conteúdo:
Estritamente falando, as palavras não têm qualquer papel na cura. O fator motivador é a oração ou pedido. Recebes aquilo que pedes. Mas isso se refere à oração do coração, não às palavras que usas quando oras. Às vezes, as palavras e a oração são contraditórias, às vezes estão de acordo. Não importa. Deus não compreende palavras, pois foram feitas por mentes separadas para mantê-las na ilusão da separação. Palavras podem ser úteis especialmente para o iniciante, no sentido de ajudar na concentração e facilitar a exclusão ou pelo menos o controle de pensamentos que não são pertinentes. Não nos esqueçamos, entretanto, de que as palavras não são senão símbolos de símbolos. Estão, assim, duplamente afastadas da realidade (MP.21.1:110).
Enquanto símbolos, as palavras têm referências bastante específicas. Mesmo quando parecem ser as mais abstratas, é provável que o retrato que vem à mente seja muito concreto. A não ser que um ponto de referência específico ocorra à mente em associação com uma palavra, a palavra tem pouco ou nenhum significado prático e assim não pode ajudar no processo da cura… (MP.21.2:1-3).
Pausando por um momento, nós podemos entender melhor as palavras relativamente abstratas de Jesus aqui com um exemplo específico. Como nós vimos, Um Curso em Milagres fala de Deus chorando por Seus Filhos separados (T-5.VII.4:5). Isso implica claramente, se tomado literalmente, que Deus tem um corpo contendo ductos lacrimais, sem mencionar que Ele tem pensamentos que tornaram a separação real e poderosa. Mas dado este ensinamento sobre as palavras serem símbolos de símbolos, nós podemos entender a passagem sobre as lágrimas de Deus desta forma: ‘Lágrimas’ é a palavra (o primeiro símbolo) que contém a imagem ou quadro (o segundo símbolo) do choro de Deus e este representa a realidade de que Deus nos ama. Como o Amor de Deus é abstrato e não dualista, além da capacidade de compreensão da mente dividida, Jesus recorre ao símbolo que reflete esse Amor. Em vez de nós acreditarmos no Deus do conto de fadas do ego que é irado e vingativo, Jesus quer que nós acreditemos, nestes estágios iniciais de nossa jornada de despertar, no Deus de seu conto de fadas corrigido que realmente nos ama, independentemente de o que nós cremos ter feito a Ele. E tudo isso apresentado de uma forma que nós podemos nos relacionar e entender. Mas se essas palavras forem tomadas literalmente, nós nos encontraríamos de volta ao nosso mundo infantil de fadas madrinhas, Papai Noel e um Sugar Daddy [Papai de Açúcar] para um Deus.
Continuando agora com a nossa passagem do Manual:
Ao Filho Deus adormecido só resta esse poder [o poder para decidir]. É suficiente. Suas palavras não importam. Só o Verbo de Deus tem qualquer significado, porque simboliza aquilo que não tem nenhum símbolo humano. Só o Espírito Santo compreende o que esse Verbo representa. E isso, também, é suficiente (MP-21.3:7-12).
Deve, então, o professor de Deus evitar o uso de palavras no seu ensino? Claro que não! Muitos precisam ser alcançados através de palavras, sendo ainda incapazes de ouvir em silêncio [Jesus obviamente teria os seus próprios estudantes do Curso em mente aqui]. O professor de Deus, porém, tem que aprender a usar as palavras de um novo modo. Gradualmente ele aprende como deixar que as suas palavras sejam escolhidas para ele, cessando de decidir ele próprio o que vai dizer. Esse processo é apenas um caso especial da lição do Livro de Exercícios que diz: ‘Eu recuarei e deixarei que Ele me mostre o caminho.’ O professor de Deus aceita as palavras que lhe são oferecidas e dá conforme recebe. Ele não controla a direção da sua fala. Ele escuta e ouve e fala… Os professores de Deus têm o Verbo de Deus por trás dos seus símbolos. E Ele próprio dá às palavras que eles usam o poder do Seu Espírito, elevando-as de símbolos sem significado ao próprio Chamado do Céu (MP-21.4:1-9; 5:8-9).
A verdade, portanto, não pode ser realmente expressa em palavras, mas apenas apontada. É a verdade que é essencial, não o símbolo em si. Em uma passagem importante da Lição 189, nós vemos outra declaração clara da necessidade de ir além dos símbolos para o que é real — Deus:
Faze simplesmente isso: aquieta-te e deixa de lado todos os pensamentos sobre o que és e o que Deus é; todos os conceitos que aprendeste sobre o mundo; todas as imagens que tens de ti mesmo. Esvazia a tua mente de tudo o que ela pensa ser verdadeiro ou falso, bom ou mau, de todo pensamento que julga digno e de todas as ideias das quais se envergonha. Não retenhas nada. Não tragas contigo nenhum pensamento que o passado tenha te ensinado e nenhuma crença que tenhas aprendido com qualquer coisa anteriormente. Esquece-te desse mundo, esquece-te deste curso e vem com as mãos totalmente vazias ao teu Deus (LE-pI.189.7:1-5).
Outro exemplo específico em que Jesus esclarece a aparente inconsistência de suas palavras, discutido anteriormente em Todos São Chamados (pp. 317-21), vem na Lição 194 do Livro de Exercícios, ‘Entrego o futuro nas Mãos de Deus’. À primeira vista, esse título parece incongruente com a realidade atemporal de Deus que obviamente não pode ter noção de um futuro, para não mencionar a incongruência do simbolismo óbvio da lição de nosso Criador sem forma ter Mãos. Mas deve-se ir além das palavras e símbolos para o real significado da lição, que é claramente declarado no quarto parágrafo da lição:
Deus mantém o teu futuro, assim como Ele mantém o teu passado e o presente. São um só para Ele e, portanto, também deveriam ser um só para ti. No entanto, nesse mundo, o progresso temporal ainda parece real. E assim, não te é pedido que compreendas que realmente não há nenhuma sequencia no tempo. Só te é pedido que soltes o futuro e o coloques nas Mãos de Deus. E verás por experiência própria que também puseste o passado e o presente nas Suas Mãos, pois o passado deixará de punir-te e o medo do futuro será agora sem significado (LE-pI.194.4:1-6).
Uma das grandes contribuições de Freud ao estudo dos sonhos foi a sua delimitação do conteúdo manifesto do sonho versus o seu conteúdo latente. O conteúdo manifesto referia-se às partes do sonho – as figuras, objetos e eventos que constituem a sua forma, a história do sonho – enquanto o conteúdo latente apontava para o significado que estava além do simbolismo manifesto do sonho. Assim, dois analistas de diferentes convicções poderiam obviamente concordar com o conteúdo manifesto do sonho, mas poderiam atribuir significados totalmente diferentes ao que o sonho está dizendo. Para usar um exemplo simples, um Freudiano tenderia a interpretar um campanário de igreja no sonho de uma pessoa como um símbolo fálico, possivelmente refletindo conflito sexual, enquanto um Junguiano poderia ver em vez disso um símbolo dos esforços espirituais do sonhador.
Voltando à lição do Livro de Exercícios, o que Jesus está ensinando não é o conteúdo manifesto de que nós devemos literalmente colocar o nosso futuro nas mãos de Deus, mas sim o conteúdo latente de que nós devemos abandonar a noção insana e viciosa do ego de que a nossa culpa exige punição nas mãos de Deus. uma divindade vingativa. E, portanto, nós podemos confiar em Seu Amor e colocar com segurança o nosso futuro em Suas Mãos. Em outras palavras, Jesus não está nos ensinando que nós devemos alegremente desistir de nossas responsabilidades pessoais, sociais e de trabalho, destruir as nossas apólices de seguro, etc., porque o mundo é uma ilusão e Deus proverá se apenas nós colocarmos o nosso futuro em Suas Mãos. Mas ele está nos ensinando que o sistema de pensamento insano do ego de pecado, culpa e medo é irreal. Assim, Deus não é o Pai vingativo do conto de fadas do nosso ego, mas o Criador amoroso do conto de fadas corrigido de Jesus, que é o substituto simbólico para o conjunto distorcido de imagens do ego.
Para divagar brevemente, os estudantes cometem o mesmo erro com a seção do capítulo 18 no Texto, “Eu não preciso fazer nada” (T-18.VII), ou a declaração na lição 135: ‘A mente curada não faz planos’ (W -pI.135.11:1). Essas declarações são muitas vezes interpretadas como significando que ninguém precisa fazer nada no mundo (como manter um emprego, cumprir responsabilidades familiares, planejar o futuro, etc.) porque Deus ou o Espírito Santo cuidará de nós. Mas o que essas passagens realmente significam é que não se deve fazer nada ou planejar por conta própria (com o ego), mas sim sempre ir ao Espírito Santo ou a Jesus em busca de ajuda. Assim, esses não são chamados para virar as costas para o mundo, mas sim para trazer as percepções do mundo do ego para a verdade interior do Espírito Santo. Dessa forma, as respostas da pessoa serão preenchidas com o Seu perdão e amor, em vez de com o especialismo cheio de ódio do ego, que às vezes é velado pela negação, parecendo ser santidade, espiritualidade avançada ou amor. Nós deixaremos uma discussão aprofundada da função do Espírito Santo para um capítulo posterior.
E assim essa lição da falta de confiabilidade inerente ao ego é ensinada aos estudantes de Jesus na linguagem e na forma que eles podem entender. Você de fato não diz às crianças pequenas, por exemplo, chateado por elas terem feito algo errado e logo terem fugido de casa, que elas não precisam ter medo, pois Papai nem sabe que elas existem e, além disso, elas só pensam que elas se comportaram mal e fugiram. Em vez disso, você as conforta, deixando-as saber que Papai não está chateado com elas, não as punirá e, além disso, que ele chora a sua perda e anseia pelo retorno das crianças. Portanto, mais uma vez Jesus conclui para os seus irmãos mais novos que estão estudando o seu Curso: Você pode confiar o seu futuro nas Mãos de seu Pai, pois Ele só te ama e não lhe causará nenhum mal.
Em resumo, portanto, essas várias passagens devem ser entendidas no nível do conteúdo do Amor de Deus por seus filhos (ele mesmo, é claro, uma metáfora antropocêntrica), expresso através da forma do amor de um pai terreno por seu filho. Já que ainda nós somos muito crianças na vida espiritual – ‘Tu és muito novo nos caminhos da salvação…’ (T- 17.V.9:1). Jesus nos diz – o uso gentil e amoroso da linguagem do Curso neste nível é certamente mais do que apropriado.
Não é demais enfatizar que um estudante de Um Curso em Milagres deve sempre ser capaz de distinguir entre o símbolo (conteúdo manifesto) e o seu significado (conteúdo latente). O leitor deve se lembrar dessa passagem reveladora do terceiro obstáculo à paz, que tem Jesus emitindo exatamente esse aviso sobre essa confusão potencial:
Lembra-te, então, que nenhum sinal nem símbolo deve ser confundido com a fonte, pois necessariamente simbolizam alguma outra coisa além de si mesmos. O seu significado não pode estar neles mesmos, mas tem que ser buscado naquilo que representam (T-19.IV-C.11:2-3).
As palavras dualistas do Curso são os símbolos ou sinais que apontam para a sua fonte não-dualista da verdade e os estudantes de Um Curso em Milagres devem sempre prestar atenção à advertência clara de Jesus para não confundi-los; caso contrário, o significado de seus ensinamentos inevitavelmente se tornará distorcido e perdido.
Um estudante de Um Curso em Milagres precisa, portanto, entender a linguagem metafórica (‘sinal e símbolo’), assim como um estudante de poesia deve entender como e por que as palavras são usadas, sem tomá-las literalmente. Por exemplo, Macbeth lamenta no final de sua vida:
Fora! apaga-te, candeia transitória!
A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico
Que se empavona e agita por uma hora no palco,
Sem que seja, após, ouvido; é uma história
Contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulhenta,
Que nada significa. (Ato V, Cena 5)
Claramente, Shakespeare não está fazendo o seu herói caído falar aqui sobre velas ou atores em uma peça, mas está usando símbolos poéticos como uma forma de oferecer um comentário trágico sobre a falta de sentido da vida. Desnecessário dizer que analisar essas palavras literalmente destruiria o seu significado e importância na peça, sem mencionar arruinar a genialidade da poesia de Shakespeare.
As passagens a seguir ilustram bem a clara consciência de Jesus do uso de símbolos em Um Curso em Milagres como reflexos da verdade, uma vez que a natureza não-dualista da verdade não pode ser expressa diretamente de um para outro:
…pois Deus não é simbólico, Ele é Fato (T-3.I.8:2).
A verdadeira visão é a percepção natural da vista espiritual, mas ainda é uma correção ao invés de um fato. A vista espiritual é simbólica e, portanto, não é um instrumento para o conhecimento. Contudo, é um meio de percepção certa, que a traz ao domínio próprio do milagre. Uma ‘visão de Deus’ seria mais um milagre do que uma revelação. O fato de que a percepção esteja envolvida nisso, de qualquer maneira, remove a experiência da esfera do conhecimento. É por isso que as visões, por mais santas que sejam, não duram (T-3.III.4).
Os reflexos que aceitas no espelho da tua mente no tempo, apenas fazem com que a eternidade se aproxime ou se afaste. Mas a eternidade em si está além de todo o tempo. Alcança o que está fora do tempo e toca-o, com a ajuda do seu reflexo em ti… Reflete a paz do Céu aqui e traze esse mundo para o Céu. Pois o reflexo da verdade atrai todas para a verdade e, na medida em que entram na verdade, deixam para trás todos os reflexos.
No Céu a realidade é compartilhada, não refletida. Compartilhando seu reflexo aqui, a sua verdade vem a ser a única percepção que o Filho de Deus aceita…. Tu, na terra, não tens nenhuma concepção do que seja a ausência de limites pois o mundo em que pareces viver é um mundo feito de limites (T-14.X.1:2-4, 6-7; 2:1-2, 4).
Muito especificamente nessa próxima passagem, nós vemos a ‘admissão’ claramente implícita de Jesus que ele em outras ocasiões no Curso usou palavras simbolicamente (ou alegoricamente), embora nesse caso ele esteja deixando claro que não:
É apenas a consciência do corpo que faz o amor parecer limitado. Pois o corpo é um limite para o amor. A crença no amor limitado foi a sua origem e ele foi feito para limitar o ilimitado. Não penses que isso é apenas alegórico, pois ele foi feito para limitar a ti (T-18.VIII.1:1-4).
Em uma das cartas de Helen para mim, tratando de circunstâncias que são tangenciais ao nosso assunto aqui, ela discutiu símbolos e a incapacidade de um amigo comum de entender como usá-los. Ela escreveu:
Essa é uma carta que eu sinto que tem que ser escrita e escrita o mais rápido possível. Tem a ver com fato e alegoria e a fronteira um tanto incerta entre eles… Freddie de fato não entende o simbolismo; o querido menino não consegue nem entender como uma coisa pode representar outra coisa. Bill [Thetford] revisou isso com ele e tudo o que ele conseguia entender era se você vê algo ele está lá. Não é que ele seja tolo, Deus sabe, mas ele simplesmente não consegue ir além dos fatos, então ele pode estar enganado só por causa disso (Ausência de Felicity, pp.346-47).
Assim, se os estudantes de Um Curso em Milagres não forem capazes de ir ‘além dos fatos (ou símbolos)’, eles podem facilmente se enganar em sua compreensão do que realmente está sendo dito. E assim o significado mais profundo do Curso sempre permanecerá oculto para eles, não pelo desígnio de Jesus, mas por seu próprio medo.
Foi antecipando essa dificuldade que levava à inevitável distorção, que Helen frequentemente comentava que Um Curso em Milagres era apenas para cinco ou seis pessoas. Ela reconheceu o quão difícil era este Curso e quão aterrorizante seria para os egos das pessoas. E assim, à luz de todas as distorções que os estudantes fizeram e continuam a fazer com o Curso, com base em seu medo do que ele diz, pode-se facilmente ser tentado a afirmar que Um Curso em Milagres não foi escrito para estudantes de Um Curso em Milagres; isto é, o Curso não é para aqueles que tão prontamente embarcam em sua própria onda e procuram fazer de Um Curso em Milagres algo que ele não é. Em vez disso, é para aqueles relativamente poucos que estariam dispostos a ‘recuar e permitir que Ele mostre o caminho’ (LE-pl.155), permitindo que a sabedoria de Jesus no Curso os conduza através do túnel escuro do ego para a luz que espera no final da viagem.”
…continua Parte II…
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Um milagre é uma correção. Ele não cria e realmente não muda nada. Apenas olha para a devastação e lembra à mente que o que ela vê é falso. Desfaz o erro, mas não tenta ir além da percepção, nem superar a função do perdão. Assim, permanece nos limites do tempo. LE.II.13
Nada real pode ser ameaçado.
Nada irreal existe.
Nisso está a paz de Deus.
T.In.2:2-4