Nós estamos destacando e transcrevendo trechos do artigo: “Spirituality and Business: A Systemic Overview” [“Espiritualidade e Negócios: Uma Visão Geral Sistêmica”].

Autores:

Luk Bouckaert – professor emérito, Universidade Católica de Leuven

Laszlo Zsolnai – professor, Universidade Corvinus de Budapeste, Centro de Ética em Negócios

Site: Spirituality and Business – A Systemic Overview.pdf

E-mail: [email protected].

Tradução livre Projeto OREM® (PO)

“Esse artigo [paper] oferece uma visão geral interdisciplinar do campo emergente da espiritualidade e dos negócios. Utiliza insights da ética nos negócios, teologia, neurociência, psicologia, estudos de gênero e filosofia, além de conhecimentos em economia, gestão, ciência organizacional e setor bancário e faz referência a diferentes convicções religiosas, incluindo Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Confucionismo, a fé Bahá’í e a cosmovisão dos povos Indígenas Norte-Americanos.

Os autores argumentam que o paradigma materialista da gestão tem falhado. Eles exploram novos valores para a gestão pós-materialista: frugalidade, ecologia profunda, confiança, reciprocidade, responsabilidade para com as gerações futuras e autenticidade. Dentro dessa estrutura, lucro e crescimento não são mais objetivos finais, mas elementos de um conjunto mais amplo de valores.

Da mesma forma, os cálculos de custo-benefício não são mais a essência da gestão, mas fazem parte de um conceito mais amplo de sabedoria na liderança. Empresas guiadas pela espiritualidade requerem motivação intrínseca para servir ao bem comum e utilizam esquemas de avaliação holísticos para mensurar o sucesso. O [livro] Palgrave Handbook of Business and Spirituality [Manual Palgrave de Negócios e Espiritualidade], editado pelos autores, é uma resposta a desenvolvimentos que desafiam simultaneamente a mentalidade de “negócios como de costume” [“business as usual”].

Palavras-chave:

religion and spirituality, spiritually inspired economics, spiritually-based leadership, business ethics, post-materialistic management, economic wisdom

JEL-codes: A13, M10, Z12

1. Introdução

A ética nos negócios, como disciplina acadêmica e prática de gestão relacionada à corporate social responsibility (CSR) [responsabilidade social corporativa (RSC)], surgiu no final da década de 1970 e na década de 1980. Foi um movimento promissor à sombra do processo de globalização. Ele começou nos Estados Unidos e, cinco a dez anos depois, se espalhou por todos os países industrializados, incluindo os da Europa. Algumas empresas desenvolveram os seus primeiros códigos de ética, declarações de missão e cartas de valores nessa época. Seminários foram realizados para gestores com o objetivo de analisar dilemas éticos e estudos de caso éticos. A The Body Shop, conhecida empresa de cosméticos, deu um passo além na década de 1990 ao lançar uma grande auditoria social e ética de suas operações. Em seu famoso relatório “People, Planet and Profits” [“Pessoas, Planeta e Lucros”], a Shell aplicou a noção de empreendedorismo sustentável a um novo tipo de relatório, que mensurava e analisava não apenas as metas e resultados financeiros da empresa, mas também os seus objetivos ecológicos e sociais.

No final da década de 1990, a ética nos negócios era considerada um fator chave para construir boa reputação, conquistar confiança e motivar pessoas. Em seu Green Paper [Livro Verde] (2001), a União Europeia considerou a RSC um novo instrumento de regulação social. No entanto, o sucesso da ética nos negócios também teve um lado negativo. O discurso fácil sobre ética funcionou ao mesmo tempo como uma narrativa deslumbrante, criando a ilusão de que boa ética é bom negócio e, um passo além, que bom negócio é boa ética.

Após 2000, nós fomos confrontados pela primeira vez com uma onda de escândalos relacionados ao setor de TIC (pense nos casos da Enron, WorldCom, Parmalat, Ahold, Lernout e Hauspie). Em 2008, uma segunda bolha estourou e nos trouxe uma crise bancária, uma crise da dívida e uma recessão econômica. Como resultado dessas crises, as pessoas perderam a confiança não apenas nos mecanismos de autorregulação do mercado, mas também na ética nos negócios como um sistema de autorregulação moral que alimenta relações de confiança e boa reputação. Um período de autorreflexão sobre o papel e a natureza da ética nos negócios começou. A questão crucial não é: “Nós necessitamos de mais ética nos negócios?” Mas sim: “Nós necessitamos de outro tipo de ética nos negócios?”.

Nós acreditamos que a ética nos negócios necessita de uma base mais espiritual para solucionar o fracasso da ética nos negócios. Por quê? Porque a espiritualidade – como uma experiência interior de profunda interconexão com todos os seres vivos – abre um espaço de distanciamento das pressões do mercado e das rotinas do dia a dia. Esse distanciamento é uma condição necessária para o desenvolvimento de ideias e práticas éticas inovadoras. Ele restaura a motivação intrínseca e proporciona uma perspectiva de longo prazo. Infelizmente, a espiritualidade ainda não é um conceito dominante na academia e no mundo dos negócios. Na academia e nos negócios, a racionalidade instrumental e utilitarista ainda é a perspectiva dominante, enquanto a espiritualidade está ancorada em uma experiência de vida mais profunda, não instrumental e não utilitarista.

O nosso Palgrave Handbook of Business and Spirituality [Manual Palgrave de Negócios e Espiritualidade] (Bouckaert e Zsolnai (orgs.) 2011) é uma resposta a desenvolvimentos que desafiam simultaneamente a mentalidade dos “negócios como de costume” [“business as usual”].

Há mais de uma década, o esforço para divulgar a espiritualidade nos negócios e na economia vem ocorrendo em todo o mundo. Em 2001, nós organizamos uma conferência internacional em Szeged, na Hungria, que foi provavelmente o primeiro workshop Europeu sobre “Espiritualidade na Gestão”. Os artigos desse workshop foram publicados na Kluwer Academic Series of Business Ethics [Série de Ética nos Negócios da Kluwer Academic]. Após esse workshop, a cooperação entre diferentes centros Europeus envolvidos em ética nos negócios resultou na criação de The European SPES(*) Forum [Fórum Europeu SPES] em 2004, em Leuven, na Bélgica (SPES, palavra latina para Esperança, também é um acrônimo para “Spirituality in Economics and Society” [“Espiritualidade na Economia e na Sociedade”]). O objetivo do Fórum é promover a espiritualidade como um bem público e como uma fonte de raciocínio não instrumental nos negócios. O Fórum Europeu SPES foi apenas uma entre outras novas redes no campo da espiritualidade aplicada. Nos Estados Unidos e na Ásia, iniciativas semelhantes ocorreram. A espiritualidade nos negócios não é um discurso exclusivamente Europeu, mas está inserida em um desenvolvimento intercultural e intercontinental mais amplo.

(*) SPES = Sustainability Performances, Evidence and Scenarios.

2. Como definir espiritualidade?

Nós não acreditamos que a espiritualidade possa ser capturada por uma única definição padrão. Além disso, se nós queremos manter a noção de espiritualidade baseada na experiência, nós temos que aceitar que a espiritualidade é um conceito rico, intercultural e multifacetado. Como um guia, nós utilizamos a definição de trabalho do Fórum SPES:

Espiritualidade é a busca multifacetada das pessoas por um significado profundo da vida, que as interconecta a todos os seres vivos e a “Deus” ou à “Realidade Última”.

A maioria das definições de espiritualidade compartilha alguns elementos comuns: reconexão com o eu [ser, self] interior; uma busca por valores universais que elevam o indivíduo acima das aspirações egocêntricas; profunda empatia com todos os seres vivos; e, finalmente, um desejo de manter contato com a fonte da vida (qualquer que seja o nome que nós lhe demos).

Em outras palavras, a espiritualidade é uma busca por identidade interior, conectividade e transcendência.

Enquanto a espiritualidade foi por muito tempo uma área de interesse exclusiva do contexto das religiões, hoje ela claramente ultrapassa os limites das religiões institucionais. Para crentes e não crentes, a espiritualidade funciona

(1) como um bem transconfessional e, portanto, uma plataforma adequada para o diálogo inter-religioso para além do choque de religiões e culturas;

(2) como um bem público e vulnerável e não apenas como uma questão privada que, enquanto recurso público, requer uma forma apropriada de gestão pública;

(3) como um bem profano que não relega o espiritual a um nível separado, mas o integra como componente das atividades políticas, sociais, econômicas e científicas;

(4) como um bem baseado na experiência que é acessível a cada ser humano que reflete sobre as experiências internas de vida dele ou dela;

(5) como uma fonte de inspiração na busca humana e social por significado.

O Palgrave Handbook of Spirituality and Business [Manual Palgrave de Espiritualidade e Negócios] é uma expressão do novo desenvolvimento da espiritualidade como uma experiência social dentro e fora do contexto das religiões institucionalizadas. Ele se concentra em formas de espiritualidade profana e aplicada nos campos dos negócios, da economia e da vida social.

Espiritualidade é a busca multifacetada das pessoas por um significado profundo da vida, que as interconecta a todos os seres vivos e a “Deus” ou à “Realidade Última”.

3. Uma iniciativa interdisciplinar

Existem dois tipos diferentes de manuais. Alguns manuais são enciclopédicos no estilo e conteúdo deles. Eles visam fornecer uma visão geral completa de uma disciplina bem estabelecida. Outros manuais são mais heurísticos no estilo e conteúdo deles. Eles visam explorar novas ideias na fronteira de uma disciplina. O nosso manual pertence à segunda categoria. Portanto, nós convidamos os autores a escrever ensaios curtos sobre temas relevantes para a espiritualidade, que surgiram em suas pesquisas ou práticas de negócios.

O Palgrave Handbook of Business and Spirituality [Manual Palgrave de Espiritualidade e Negócios] foi escrito por 44 acadêmicos e profissionais representando 15 países, a saber: Bélgica, Hungria, Espanha, Holanda, Reino Unido, Itália, França, Noruega, Suíça, EUA, Canadá, Argentina, Índia, China e Nova Zelândia. A especialização dos colaboradores varia de ética nos negócios, teologia, neurociência, psicologia, estudos de gênero e filosofia a economia, gestão, ciência organizacional e setor bancário. As convicções religiosas ou formação espiritual deles incluem Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Confucionismo, a fé Bahá’í e a visão de mundo dos Povos Indígenas Norte-Americanos.

As contribuições estão organizadas na seguinte estrutura: Parte I A Natureza da Espiritualidade, Parte II Economia Inspirada na Espiritualidade, Parte III Problemas Socioeconômicos em Perspectiva Espiritual, Parte IV Espiritualidade nos Negócios e Parte V Boas Práticas e Modelos de Trabalho.

As seções a seguir fornecem uma visão geral sistêmica das diferentes contribuições (que não está disponível no Manual).

a espiritualidade é uma busca por identidade interior, conectividade e transcendência.

4. A Natureza da Espiritualidade

A Parte 1 do Handbook of Spirituality and Business [Manual de Espiritualidade e Negócios] apresenta a “problemática da espiritualidade” em geral. A espiritualidade é contrastada com a religião e a relação entre racionalidade e espiritualidade é analisada. Os resultados mais recentes da neurociência da espiritualidade e da psicologia transpessoal são apresentados. Os problemas da agência moral são relacionados à inteligência espiritual. Questões de gênero e espiritualidade são discutidas. A crítica como uma noção de espiritualidade é introduzida.

Em “Religion and Spirituality” [“Religião e Espiritualidade”], o estudioso Jesuíta Paul de Blot (Universidade de Negócios Nyenrode, Holanda) analisa a complexa relação entre religião e espiritualidade. Enquanto a espiritualidade se relaciona com a alma ou o espírito, a religião se refere à existência de um poder controlador sobre-humano, especialmente de Deus ou deuses, geralmente expresso na adoração. A religião é uma abordagem organizada da realidade sobrenatural por meio de atividades humanas, que geralmente abrangem um conjunto de narrativas, crenças e práticas. A espiritualidade, por outro lado, é uma busca multiforme por um significado transcendente da vida, baseada na reflexão sobre a nossa experiência humana. Nesse nível, nós estamos conscious da nossa conexão com todos os seres e com toda a criação.

Essa diferença entre religião e espiritualidade pode ser uma causa de conflito. Se a crença religiosa institucionalizada cria uma lacuna entre ela mesma e a consciência no nível da realidade [awareness] espiritual, a experiência espiritual do ser deixará de ser representada pelo fazer e pensar religiosos. Nós podemos evitar essa desconexão mantendo a religião em contato com a experiência espiritual. Nesse caso, a religião pode funcionar como uma fonte de inspiração para o crescimento espiritual das pessoas.

Em “Spirituality versus Rationality” [“Espiritualidade versus Racionalidade”], Luk Bouckaert (Universidade Católica de Leuven, Bélgica) caracteriza o racionalismo como um modo de vida dominado pela ciência positiva como a fonte última da verdade e/ou pela maximização da utilidade e pela escolha racional como os critérios últimos para a ética e a gestão. As consequências do domínio do racional na cultura Ocidental e na vida nos negócios são ambíguas. Nós observamos crescente prosperidade e melhores condições de vida material, mas também experienciamos o colapso de comunidades e a superexploração dos ecossistemas naturais.

A espiritualidade visa descobrir fontes metacientíficas de verdade, como sabedoria, tradição, introspecção e meditação e cultiva fontes metautilitárias para a tomada de decisões, como motivação intrínseca, emoções, intuições e discernimento espiritual.

Contudo, nem a racionalidade nem a espiritualidade exigem que se faça uma escolha em detrimento da outra. O desafio é encontrar a prioridade correta. Um conceito de racionalidade baseado na espiritualidade é capaz de restaurar a prioridade do espírito sobre o racional.

Em “Neuroscience of Spirituality” [“Neurociência da Espiritualidade”], o neurocientista Americano Andrew Newberg (Universidade e Hospital Thomas Jefferson, Filadélfia, EUA) argumenta que, para que uma síntese entre neurociência e espiritualidade seja bem-sucedida, um entendimento e uma preservação dos fundamentos da ciência têm que ser combinados com uma análise dos elementos cognitivos das experiências religiosas e espirituais. Isso requer uma análise da experiência religiosa e espiritual a partir de uma perspectiva neurocognitiva.

Contudo, nem a racionalidade nem a espiritualidade exigem que se faça uma escolha em detrimento da outra. O desafio é encontrar a prioridade correta. Um conceito de racionalidade baseado na espiritualidade é capaz de restaurar a prioridade do espírito sobre o racional.

Em uma abordagem neurocognitiva para o estudo das experiências religiosas e espirituais, é importante considerar duas vias principais para alcançar tais experiências. Esses dois métodos são o ritual em grupo e a contemplação ou meditação individual. As duas práticas são semelhantes em duas dimensões: (i) descargas emocionais intermitentes envolvendo as sensações subjetivas de admiração, paz, tranquilidade ou êxtase; e (ii) graus variáveis ​​de experiência unitária correlacionados com as descargas emocionais. Essas experiências unitárias consistem em uma diminuição da consciência no nível da realidade [awareness] dos limites entre o eu [ser, self] e o mundo externo. Tais experiências também podem levar a uma sensação de unicidade entre si mesmo e outros indivíduos percebidos, gerando assim um senso de comunidade. Em casos extremos, as experiências unitárias podem eventualmente levar à abolição de todas as fronteiras do ser discreto, gerando assim um estado de unidade absoluta.

Um dos aspectos mais importantes do estudo das experiências espirituais é encontrar métodos cuidadosos e rigorosos para testar empiricamente as hipóteses. Um exemplo de evidência empírica para a base neurocognitiva das experiências espirituais vem de uma série de estudos que mediram a atividade neurofisiológica durante estados e práticas espirituais. Os estados meditativos constituem talvez o campo de testes mais fértil devido à natureza previsível, reproduzível e bem descrita de tais experiências. Esses e outros tipos de estudos podem fornecer um ponto de partida para desenvolver um modelo neurocognitivo mais detalhado das experiências religiosas e espirituais.

Em “Psicologia Transpessoal”, o ex-presidente da EUROTAS, a European Transpersonal Association [Associação Europeia de Psicologia Transpessoal], John Drew (European Business School, Londres, Reino Unido) lembra que o significado literal de “transpessoal” é “além do pessoal”. Descreve uma filosofia de vida que dá menos ênfase a questões pessoais e materiais e mais a considerações espirituais mais amplas. Tem a ver com o eu [ser, self] interior, ao invés do exterior e com a vertical (a relação entre corpo, mente e espírito), ao invés da horizontal (a relação do indivíduo com o mundo externo). É uma abordagem espiritual para a vida. As crenças religiosas não são necessariamente incompatíveis com isso, mas definitivamente não é uma religião nem uma seita.

A psicologia transpessoal representa uma estrutura usada por terapeutas e psicólogos tanto para o seu próprio desenvolvimento quanto para ajudar outras pessoas a contemplar grandes questões espirituais e psicológicas:

Quem sou eu?

De onde eu venho?

Qual é o futuro da humanidade e do nosso planeta?

Que contribuição eu devo dar?

Ela permite que todos que desejam reflitam sobre essas questões eternas à medida que passam de uma perspectiva pessoal para uma perspectiva espiritual mais ampla. É uma perspectiva que reconhece a unidade de toda a vida e a necessidade de agir a partir de um nível mais elevado de consciência no nível da percepção [consciousness]. A ideia por trás do transpessoal é embarcar em uma jornada espiritual que se concentra em questões internas ao invés de externas e que corre paralelamente, às vezes se cruzando e não sendo incompatível com, a jornada material pela vida.

Em “Moral Agency and Spiritual Intelligence” [“Agência Moral e Inteligência Espiritual”], Laszlo Zsolnai (Universidade Corvinus de Budapeste, Hungria) argumenta que o eu [ser, self] dos tomadores de decisão desempenha um papel importante na determinação da ética de suas decisões. As decisões podem ser entendidas como autoexpressões dos tomadores de decisão. As experiências espirituais têm uma função vital no desenvolvimento do eu [ser, self] dos gestores e na melhoria da ética das decisões deles.

A teoria da agência [agency**] moral, desenvolvida pelo psicólogo Albert Bandura, da Universidade Stanford, fornece um panorama complexo de como os seres humanos fazem escolhas éticas. Nesse arcabouço explicativo, fatores pessoais, como o pensamento moral e as reações de autoavaliação, a conduta moral e as influências ambientais, operam como determinantes interativos uns dos outros. Dentro dessa causalidade recíproca triádica, a agência moral é exercida por meio de mecanismos de autorregulação.

[Observação PO: Significado de agency* * = No campo da psicologia sociocognitiva, agency se refere à capacidade humana de: agir intencionalmente, influenciar o próprio comportamento, intervir na própria vida, produzir efeitos no mundo por meio das próprias ações. Ou seja, é a capacidade de ser agente, de ser autor das próprias ações e resultados. Fonte ChatGPT]

A pensadora de gestão Danah Zohar, radicada em Oxford, introduziu o termo “inteligência espiritual”. Trata-se de uma inteligência transformadora que nos leva a questionar o significado, o propósito e os valores fundamentais. A inteligência espiritual nos permite entender profundamente situações e sistemas, inventar novas categorias, ser criativos e ir além dos paradigmas estabelecidos. A inteligência espiritual é extremamente necessária na gestão. As decisões de gestão afetam consideravelmente a vida e o destino das comunidades humanas, dos ecossistemas naturais e das gerações futuras. O bem-estar desses atores primordiais requer um cuidado genuíno, que pode se desenvolver a partir da experiência de unicidade com os outros e com a fonte universal da criação.

Em “Gender and Spirituality” [“Gênero e Espiritualidade”], Veerle Draulans (Universidade de Tilburg, Holanda e Universidade Católica de Leuven, Bélgica) demonstra que uma abordagem de gênero para a espiritualidade reflete as poderosas consequências do pensamento divisivo e dicotômico. Ela defende a solidariedade e um lugar mais proeminente e positivo para as experiências de corporeidade na vida espiritual e para as experiências ancoradas na vida cotidiana pragmática de homens e mulheres em todo o mundo.

Certas características, tais como solidariedade, reconhecimento e valorização, estão fortemente relacionadas à “feminilidade”. Elas são centrais para a “experiência feminina da espiritualidade” e representam fortes vantagens na liderança contemporânea. Está emergindo que as líderes femininas são mais inclinadas do que os seus colegas homens à liderança transformacional, dando atenção à expressão de apreço, ao fornecimento de apoio e ao incentivo positivo aos funcionários. Os líderes masculinos atribuem um pouco mais de importância às relações hierárquicas. As áreas em que as mulheres se destacam (como comunicação, conexão ou atenção às relações horizontais) são fortes vantagens para a gerência intermediária. A alta administração ainda se apega a estereótipos de masculinidade e às características associadas. A questão de saber se as mulheres em cargos de alta gerência podem ser motivadas e inspiradas por fontes específicas de espiritualidade — e, em caso afirmativo, como — ainda é uma questão em aberto.

Em “Critique as a Notion of Spirituality” [“A Crítica como uma Noção de Espiritualidade”], Suzan Langenberg (Diversity Consulting Ltd, Bélgica) enfatiza que a crítica e a espiritualidade não são comumente associadas e a sua relação raramente é descrita. O conceito de crítica tem origem na Grécia antiga, onde a crítica (“parrhesia”) era praticada como parte indispensável da política pública e do estilo de vida privado. Parrhesia significa falar a verdade francamente como um modo de autocuidado (“epimeleia heautou”) e como uma condição para cuidar dos outros. Na obra de Aristóteles, parrhesia refere-se a uma qualidade moral pessoal e a uma característica da virtude de ter senso de honra.

Os efeitos espirituais de uma incorporação positiva da crítica podem ser enumerados: (i) a crítica serve para revelar, para criar espaço espiritual na dinâmica de inclusão e exclusão; (ii) a crítica é direcionada a uma práxis local e específica — não visa uma visão geral; (iii) fazer críticas significa discutir a simplificação excessiva e, por isso, é radical e permanente; (iv) a crítica não existe por si só, mas está sempre envolvida em algo e, como tal, é incompleta; (v) a crítica transforma o certo em algo incerto e real; (vi) a crítica é resistência contra o existente; e (vii) a crítica revela o nosso espírito e nos aproxima da essência do ser.

5. Economia com Inspiração Espiritual

A Parte II do Handbook of Spirituality and Business [Manual de Espiritualidade e Negócios] apresenta as tradições religiosas mais importantes e a influência delas na economia. Ela começa com o pensamento de Aristóteles sobre economia e é seguida pela filosofia de gestão Indiana, Confucionismo e Taoísmo, economia Budista, filosofia do Budismo, pensamento econômico Judaico, doutrina social Católica, princípios econômicos Protestantes, economia Islâmica, espiritualidade Quaker e Personalismo. Finalmente, são abordadas a economia centrada nas pessoas de Schumacher, a Teologia da Libertação, a perspectiva Bahá’í sobre negócios e os ensinamentos dos Anciãos.

Em seu ensaio “Aristotle and Economics” [“Aristóteles e a Economia”], o filósofo Americano Robert Allinson (Universidade Soka da América, EUA) oferece uma reconstrução do pensamento de Aristóteles sobre ética e economia. Ele destaca que a contribuição de Aristóteles foi unir as noções Socráticas e Platônicas da busca pela sabedoria com a noção de felicidade natural. Para Aristóteles, tem-se que buscar o que é eticamente correto por si só, sem qualquer outro motivo em mente. Só então a felicidade flui em seu rastro.

Para Aristóteles, a felicidade não pode ser um estado de espírito passivo, mas tem que envolver ação. Atos nobres, que constituem uma classe de ações em si mesmas, são as únicas ações que todos os seres humanos podem sustentar ao longo de suas vidas e não são buscadas por qualquer objetivo externo a si mesmos. A ética de Aristóteles forma a base de uma economia baseada em valores. A motivação humana deve ser guiada por atos morais e justos. Assim, ações que produzem bens e serviços para o bem de todos e não criam desvalor se enquadram na categoria geral de ações morais.

Para Aristóteles, tem-se que buscar o que é eticamente correto por si só, sem qualquer outro motivo em mente. Só então a felicidade flui em seu rastro.

Em seu ensaio “Indian Management Philosophy” [“Filosofia da Gestão Indiana”], o eticista Indiano em negócios Sanjoy Mukherjee (Instituto Indiano de Gestão Rajiv Gandhi, Shillong, Índia) oferece uma visão sobre a tradição filosófica Indiana de 5.000 anos e explora as suas consequências para a economia e a gestão. Ele enfatiza que a natureza Advaita (ou Unitária) de nossa consciência no nível da percepção [consciousness], conforme proposta nos Upanishads, absorve todas as dualidades na tela abrangente de um grande continuum de experiência cósmica através do espaço e do tempo. Polaridades ou opostos existem nesse esquema não como fragmentos díspares da realidade; ao invés disso, eles estão profundamente interconectados no tempo, espaço e essência, nesse contexto.

Mukherjee mostra que o Bhagavad Gita oferece uma metodologia sequencial de três níveis para resolver os conflitos de valores dos tomadores de decisão. Os três passos são os seguintes: (i) desapego do problema – o tema dominante aqui é o Karma ou ação, mas uma ação que é centrípeta em seu desfecho, para que o indivíduo seja capaz de obter consolidação interior e repouso; (ii) engajamento na Sabedoria Superior – através da comunhão amorosa e emotiva com uma fonte de conhecimento iluminado para a assimilação abrangente dessa sabedoria por meio de contato pessoal íntimo; e (iii) reengajamento no problema – a descida da consciência no nível da percepção [consciousness] humana do nível da sabedoria mais elevada para o contexto específico do problema em questão, a fim de que a sabedoria alcançada possa ser traduzida na ação necessária com uma perspectiva iluminada. A mensagem do Bhagavad Gita serve como um revelador para a evolução de nossa consciência no nível da percepção [consciousness] das agonias da morte para um novo despertar, um renascimento no reino da consciência no nível da percepção [consciousness] humana para a terra da Liberdade e da Felicidade.

Em seu ensaio “Confucianism and Taoism,” [“Confucionismo e Taoísmo”], o filósofo Americano Robert Allinson (Universidade Soka da América, EUA) demonstra a relevância da ética Confucionista e Taoísta para a economia. Para Confúcio, a bondade é intrínseca à natureza humana. Trata-se da ideia de bondade natural. Uma das maneiras pelas quais Confúcio ensina que se pode alcançar a bondade natural é através da aplicação de sua versão da Regra de Ouro: “Não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você”. A partir dessa máxima, pode-se deduzir as suas visões sobre economia. Ninguém gostaria de ser explorado por outros; portanto, ninguém se esforçaria para prejudicar os outros. A noção de vida de Confúcio é que um de seus principais propósitos é o crescimento e o desenvolvimento moral. Se uma vida é dedicada ao lucro, ela não pode ser dedicada à conquista desse tipo de crescimento moral.

Confúcio ensina que se pode alcançar a bondade natural é através da aplicação de sua versão da Regra de Ouro: “Não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você”. A partir dessa máxima, pode-se deduzir as suas visões sobre economia.

No caso do Taoísmo, pode-se citar declarações dos filósofos Laoji e Zhuangzi que abraçam a ideia de uma vida econômica simples e, portanto, modesta. O conceito de harmonia é fundamental na filosofia Chinesa e se estende à noção de seres humanos em harmonia com a natureza e com o céu. Hong Kong representa um modelo econômico que possui influências tanto Orientais quanto Ocidentais. Parece haver um esforço para encontrar uma harmonia entre o interesse próprio e o interesse público.

Em seu ensaio “Buddhist Economics” [“Economia Budista”], Laszlo Zsolnai (Universidade Corvinus de Budapeste, Hungria) apresenta a economia Budista como uma importante alternativa à mentalidade econômica Ocidental. Os Budistas acreditam que a mentalidade do ego não pode ser satisfeita e que a sua ganância por mais satisfação e reconhecimento se torna a fonte de sua própria destruição. Essa é uma fonte de sofrimento porque o espírito humano fica aprisionado pela mente avarenta.

A economia Budista desafia os princípios básicos da economia Ocidental moderna, a saber, a maximização do lucro, o cultivo de desejos, a introdução de mercados, o uso instrumental do mundo e a ética baseada no interesse próprio. A economia Budista propõe princípios alternativos como minimizar o sofrimento, simplificar os desejos, não violência, cuidado genuíno e generosidade. É melhor considerar a economia Budista não como um sistema, mas como uma estratégia que é capaz de ser aplicada em qualquer contexto econômico.

Em seu ensaio “Budo Philosophy” [“Filosofia do Budô”], Henk Oosterling (Universidade Erasmus de Roterdã, Holanda) afirma que a filosofia do Budô classifica um conjunto coerente de visões que foi desenvolvido ao longo de 400 anos como a matriz discursiva dos ensinamentos das artes marciais Japonesas. O poder exponencialmente crescente da economia Japonesa na década de 1980 levantou questões sobre o papel específico dessa tradição marcial, com a sua psicologia de alerta, determinação, resistência e lealdade. Presumia-se que ela fosse uma das chaves para o sucesso estrondoso das corporações Japonesas. Embora os Japoneses estejam se adaptando socioeconomicamente cada vez mais aos imperativos Ocidentais, a sua afinidade Xintoísta com a natureza e a pureza, o foco Confucionista na forma e na harmonia e a rejeição Budista do egoísmo ainda sustentam a sua ética de trabalho.

A economia Budista propõe princípios alternativos como minimizar o sofrimento, simplificar os desejos, não violência, cuidado genuíno e generosidade. É melhor considerar a economia Budista não como um sistema, mas como uma estratégia que é capaz de ser aplicada em qualquer contexto econômico.

As ideias do Budô podem ser aplicadas pragmaticamente em um contexto político e econômico, mas só adquirem significado ético quando questões como responsabilidade, lealdade e respeito são abordadas existencialmente. Aplicar conceitos de Budô acriticamente, a fim de fazer com que a fonte secreta do sucesso Japonês funcione para o Ocidente, subestima essas diferenças socioculturais. A primazia da integração e a conectividade produtiva das relações ainda podem ser reformuladas em termos de redes, com os indivíduos se tornando nós nessas redes. Isso, no entanto, exige a substituição do culto ao indivíduo por uma cultura de relações.

Em “Jewish Ethical Perspective on Income and Wealth Distribution” [“Perspectiva da Ética Judaica sobre a Distribuição de Renda e Riqueza”, o especialista Americano em ética empresarial Moses L. Pava (Sy Syms School of Business, Yeshiva University, EUA) destaca que a tradição Judaica pode fornecer uma perspectiva histórica muito necessária sobre a questão da distribuição de riqueza. A noção altamente refinada de chesed do Judaísmo (geralmente traduzida como “bondade amorosa” ou “atos de bondade amorosa”) é um paradigma útil e aplicável para o pensamento democrático contemporâneo. A ética trata, em última análise, de enxergar a nossa própria humanidade no outro e a humanidade do outro em nós mesmos. O Judaísmo não conseguiu produzir uma solução semelhante à de Salomão para o problema da desigualdade de renda e riqueza. Qualquer solução proposta tem que começar com uma análise das causas profundas do aumento da desigualdade entre ricos e pobres.

Em “Catholic Social Teaching” [“Doutrina Social Católica”], o padre Católico Domènec Melé (IESE Business School, Universidade de Navarra, Espanha) apresenta um esboço da Doutrina Social Católica com especial referência às atividades em negócios e econômicas. Ele argumenta que a espiritualidade e a moral Cristãs estão intimamente relacionadas. Enquanto a espiritualidade Cristã consiste na identificação progressiva com o amor de Cristo na verdade, a moral Cristã se baseia no seguimento de Jesus Cristo. Algumas orientações para esse fim podem ser expressas por meio de valores e virtudes, juntamente com alguns princípios e normas.

Em Catholic Social Teaching [Doutrina Social Católica] não há soluções técnicas, nem modelos, nem políticas específicas, mas há uma defesa contínua da dignidade humana e a vocação de cada ser humano é o desenvolvimento humano integral dele ou dela. Entre os princípios permanentes, destacam-se os princípios da dignidade humana e do bem comum, por um lado e os princípios da solidariedade e da subsidiariedade, por outro. De acordo com a Doutrina Social Católica, a vida econômica não se destina apenas a multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; ela se ordena, antes de tudo, ao serviço das pessoas. A Doutrina Social Católica nos incentiva a prestar especial atenção à qualidade dos serviços prestados por uma empresa, bem como à qualidade do ambiente e da vida em geral.

Em “Protestant Economic Principles and Practices” [“Princípios e Práticas Econômicas Protestantes”], o teólogo Belga Jurjen Wiersma (Faculdade Protestante de Bruxelas, Bélgica) descreve princípios importantes que fundamentam a visão Protestante da economia. O primeiro princípio é o entendimento Protestante da pessoa humana. As capacidades, necessidades e desejos individuais são de suma importância para o ponto de vista Protestante. Especificamente, a consciência individual é considerada extremamente valiosa. Ela tem o direito de escolher, decidir e recusar. Em última análise, as autoridades eclesiásticas, morais, políticas ou seculares não têm permissão para determinar as decisões éticas de uma pessoa. A única autoridade a quem obedecer, em quem confiar e a quem ouvir é Deus. O segundo princípio é o conceito Weberiano de ascetismo interior. Max Weber defendeu em seu livro “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism” [“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”] que certos valores Protestantes têm consequências particulares, que, antes de tudo, podem levar a um ethos capitalista. O terceiro princípio é o compromisso alegre com a vida e o trabalho. Wiersma argumenta que esses princípios e as práticas relacionadas refletem uma estratégia vigorosa de liberação da exploração sociopolítica e das dificuldades econômicas, das quais homens e mulheres ainda sofrem em todo o mundo.

Em “Islamic Economics” [“Economia Islâmica”], Feisal Khan (Hobart and William Smith Colleges, EUA) destaca que, embora a economia Islâmica esteja confinada a países de maioria Muçulmana, não existe nenhum país Muçulmano cuja economia possa ser de fato descrita como “Islâmica”. Para os seus defensores, a economia Islâmica é a “terceira via” entre os dois principais extremos Ocidentais: o Capitalismo de livre mercado (com sua ênfase no comportamento racional de maximização do lucro do indivíduo) e o Socialismo (com sua ênfase na propriedade social dos meios de produção e na sublimação das necessidades do indivíduo às da sociedade).

A economia Islâmica pode ser caracterizada pelos seguintes três princípios básicos: (i) a proibição do riba (ou seja, juros ou usura) em todas as transações financeiras; (ii) redistribuição de riqueza por meio da cobrança do zakat (imposto “esmola” religioso) sobre todos os bens móveis; e (iii) adesão às normas econômicas Islâmicas que “ordenam o bem” e “proíbem o mal” — isso inclui a abstinência de produtos e atividades consideradas haram (proibidas) para os Muçulmanos, como atividades econômicas envolvendo álcool, carne de porco, jogos de azar ou pornografia. A parte mais avançada e desenvolvida da economia Islâmica é o sistema bancário e financeiro Islâmico, onde o financiador adquire uma participação acionária direta no empreendimento, ao invés de um empréstimo totalmente garantido por colateral e baseado em juros.

Em “Quaker Spirituality and the Economy” [“Espiritualidade Quaker e a Economia”], a ambientalista e ativista Britânica Laurie Michaelis (Comunidade Quaker de Bamford, Reino Unido) enfatiza que a espiritualidade Quaker se concentra na escuta interior e na escuta dos outros. É uma espiritualidade coletiva, já que as reuniões Quaker buscam uma “quietude reunida”. E é uma espiritualidade engajada, praticada por meio de modos de viver, falar e agir no mundo. Os valores sociais Quaker, incluindo integridade, igualdade e comunidade, tem moldado a abordagem aos negócios e ao comércio deles e os levaram a fazer campanha e agir em prol da reforma econômica.

Recentemente, à medida que a ameaça das mudanças climáticas se torna cada vez mais real, os Quakers têm visto a reforma econômica como uma parte essencial das mudanças necessárias na sociedade. Alguns acreditam que a economia necessitará encolher consideravelmente para evitar mudanças climáticas perigosas e agiram de acordo, reduzindo o seu ritmo de trabalho, renda e consumo e dedicando tempo ao trabalho voluntário em suas comunidades. Outros estão menos preparados para a mudança e citam preocupações com o desemprego e a redução da renda dos produtores em países de baixa renda como razões para manter um estilo de vida abastado.

Em “Personalism” [“Personalismo”], Luk Bouckaert (Universidade Católica de Leuven e Academia SPES, Bélgica) descreve o Personalismo como uma postura filosófica e ética moderna, que emergiu no debate acadêmico e público na França, Alemanha e EUA no início do século XX. Embora o Personalismo seja profundamente inspirado pelo humanismo Cristão, os seus argumentos e estilo são filosóficos e acessíveis a pessoas religiosas e não religiosas.

A “primazia do espiritual” do Personalismo está profundamente relacionada a um conceito do humano que distingue a pessoa do indivíduo. Essa distinção é fundamental para o Personalismo. A individualidade é uma característica de todos os seres pertencentes ao mundo material. A personalidade é a capacidade dos seres humanos de se afastarem de si mesmos em direção aos outros com liberdade e amor. Ela relaciona o eu [ser, self] a todos os seres e à fonte da vida. Bouckaert demonstra que uma abordagem Personalista da economia pode ser caracterizada por quatro pressupostos: (1) a prioridade das necessidades básicas sobre as preferências subjetivas, (2) a prioridade do compromisso sobre o interesse próprio, (3) a prioridade da confiança mútua sobre a vantagem mútua no mercado e (4) a prioridade da democracia econômica sobre o capitalismo de acionistas.

Em “Schumacher’s People-Centered Economics” [“A Economia Centrada nas Pessoas de Schumacher”], o filósofo econômico Hendrik Opdebeeck (Universidade de Antuérpia, Bélgica) reconstrói as ideias econômicas do influente economista alternativo Britânico do século XX, E. F. Schumacher. Na visão de Schumacher, a supremacia da ciência para uso sobre a ciência para compreensão tem consequências importantes para a tecnologia e a economia modernas. Isso leva ao que Schumacher chama de negligência dos importantes problemas divergentes do homem. Crucial na visão de Schumacher é a importância da frugalidade na economia. Essa exploração filosófico-ética o leva à dimensão esquecida da espiritualidade na economia.

Em contraste com os fundamentos filosóficos do paradigma econômico predominante, a economia centrada nas pessoas de Schumacher reage contra a proposição de que os fundamentos para a paz podem ser estabelecidos apenas gerando prosperidade. Ele considera que a prosperidade se baseia na ganância e observa que a inveja provoca violência ao invés de paz. Para Schumacher, a ética de uma economia que realmente garante a paz insiste no valor do “suficiente”, ou frugalidade, para que as formas de descontentamento ou violência em relação ao planeta e às pessoas possam ser evitadas.

Em “Liberation Theology” [“Teologia da Libertação”], Eelco van den Dool (Universidade Cristã de Ciências Aplicadas de Ede, Holanda) interpreta a luta da Teologia da Libertação por um mundo justo como o caminho para encontrar Deus. A Teologia da Libertação critica a perspectiva dogmática sobre a fé: a fé como um sistema de ideias e conceitos. Ela busca a transição da ortodoxia para a ortopraxias: ação social voltada para a justiça aos grupos oprimidos. Considera a fé uma verdade que precisa ser vivida e praticada. Portanto, enfatiza a relação entre fé e práxis social. A Teologia da Libertação tem se tornado influente, especialmente na América Latina, na forma de movimentos de base, nos quais surgem comunidades eclesiais de base e agricultores e trabalhadores pobres se organizam em cooperativas e sindicatos.

Embora a Teologia da Libertação tenha tido menos influência no mundo Ocidental, a teóloga Alemã da Libertação, Dorothee Soelle, desenvolveu uma posição teológica singular. A sua “democratização do misticismo” é caracterizada pelo desenvolvimento de um entendimento crítico e moral do mundo e de si mesmo – após uma resistência inicial e ação em uma questão pública – e culminando em uma práxis coletiva de resistência, ação e libertação.

Em “Baha’i Perspective on Business” [“Perspectiva Bahá’í sobre Negócios”], a acadêmica organizacional Marjolein Lips Wiersma (Universidade de Canterbury, Nova Zelândia), radicada na Nova Zelândia, esclarece o que significa ser humano em uma perspectiva Bahá’í e as suas implicações para os negócios. A Fé Bahá’í reconhece a unidade de Deus e de Seus Profetas, defende o princípio de uma busca irrestrita pela verdade e condena todas as formas de superstição e preconceito. Ela ensina que o propósito fundamental da religião é promover a concórdia e a harmonia, que ela tem que caminhar lado a lado com a ciência e que ela constitui a base única e fundamental de uma sociedade pacífica, ordenada e progressista.

Os Bahá’ís acreditam que moldar o nosso futuro (seja através dos negócios ou de outras instituições) é um ato coletivo e participativo. Uma organização é composta por diversos participantes que interagem e que, ao participarem do coletivo, podem transcender as suas próprias limitações e percepções (e, portanto, crescer espiritualmente). Ao mesmo tempo, é responsabilidade de cada indivíduo cuidar e ser responsável pelo próprio crescimento espiritual dele ou dela. O propósito de “servir às reais necessidades da humanidade” é inspirador e guia as empresas — e as sociedades em que elas atuam — em direções saudáveis ​​e sustentáveis.

Em “Teaching of the Elders” [“Ensinamentos dos Anciãos”], o consultor comunitário Canadense Mike Bell (Inaksut Management, Canadá) resume a visão de mundo das culturas Indígenas e explora a sua relevância para as organizações modernas. Ele argumenta que nós temos que encontrar uma maneira de realinhar os nossos relacionamentos primários e manter o equilíbrio do Espírito. Os nossos relacionamentos primários são com o Espírito da terra; com o nosso próprio Espírito interior; com o Espírito de nossas famílias, parentes e pessoas mais próximas; e com o Espírito dentro de nossas organizações e em nossos relacionamentos com outras pessoas e organizações.

Redescobrir e realinhar os nossos relacionamentos organizacionais com os nossos relacionamentos com a terra não significa que nós temos que sair das cidades, abandonar as nossas empresas e adotar algum tipo de estilo de vida Indígena. Renovar o Espírito de nossas organizações significa encontrar maneiras de “ir mais fundo”: encontrar o nosso caminho além da nossa codificação organizacional, da nossa codificação pessoal e familiar e da nossa codificação cultural. O nosso Espírito individual e o Espírito de nossas organizações vêm do Espírito do universo. A genialidade dos anciãos – e a importância de seus ensinamentos – reside em sua capacidade de revelar verdades universais que fazem parte da experiência e da consciência no nível da percepção [consciousness] humana universal.

6. Problemas Socioeconômicos na Perspectiva Espiritual

A Parte III do Handbook of Spirituality and Business [Manual de Espiritualidade e Negócios] discute problemas socioeconômicos urgentes da atualidade sob uma perspectiva espiritual. Começa com uma análise do significado espiritual da crise econômica e dos problemas da orientação materialista de valores e da avareza. Continua com uma exploração da globalização, da perspectiva da ecologia profunda, das mudanças climáticas e da espiritualidade e da sustentabilidade ecológica e do funcionamento organizacional. Finalmente, apresenta a problemática da responsabilidade para com as gerações futuras, da frugalidade, da autenticidade e da economia civil.

Em “Spiritual Meaning of the Economic Crisis” [“Significado Espiritual da Crise Econômica”], Carlos Hoevel (Universidade Católica da Argentina, Buenos Aires, Argentina) argumenta que a crise econômica e financeira, iniciada em 2008, revela uma dimensão espiritual específica. Economistas comportamentais acreditam que a grave e prolongada crise foi causada por uma série de irracionalidades psicológicas no comportamento dos agentes envolvidos (tomadores de empréstimo, originadores de empréstimos, bancos de investimento, agências de classificação de risco, reguladores e investidores finais). Contudo, esses fatores psicológicos e comportamentais pressupõem uma transformação existencial ou espiritual mais profunda e abrangente, sobre a qual se pode crescer.

A partir de uma perspectiva espiritual – conclui Hoevel – a infinita corrida Faustiana para superar todos os limites e obter cada vez mais dinheiro, observada durante a grande bolha que precedeu a crise atual, foi resultado de uma multiplicação viciante e compulsiva de ilusões que, por sua vez, pode ser concebida como uma imitação deformada e perversa do nosso chamado a um itinerário responsável, inteligente e livre rumo a uma Realidade Última e Infinita.

Em “Materialistic Value-orientation” [“Orientação para Valores Materialistas”], o psicólogo Americano Tim Kasser (Knox College, EUA) afirma que os valores materialistas refletem a prioridade que os indivíduos dão a objetivos como dinheiro, bens materiais, imagem e status. Confirmando as preocupações de muitas tradições espirituais, pesquisas empíricas apoiam a ideia de que valores materialistas e espirituais são objetivos de vida relativamente incompatíveis. Estudos mostram que quanto mais as pessoas se concentram em objetivos materialistas, menos tendem a se importar com objetivos espirituais. Além disso, embora a maioria das tradições espirituais vise reduzir o sofrimento pessoal e incentivar comportamentos compassivos, inúmeros estudos documentam que quanto mais as pessoas priorizam objetivos materialistas, menor é seu bem-estar pessoal e maior a probabilidade de se envolverem em comportamentos manipuladores, competitivos e ecologicamente degradantes.

Em “Avarice” [“Avareza”], o economista Italiano Stefano Zamagni (Universidade de Bolonha, Itália) apresenta uma análise histórica detalhada da avareza ou ganância. Entre os economistas, é bastante comum a ideia de que a ganância é um vício menor e pode ser facilmente corrigida por incentivos adequados. A economia possui uma teoria sobre as razões pelas quais o Homo economicus faz o que faz; mas não possui uma teoria sobre os motivos que o levam a fazer o que ele ou ela deveria fazer. A cobiça desenfreada por bens materiais parece ser vista hoje como um sério obstáculo ao nosso progresso civil e moral.

Zamagni pergunta: qual é a natureza essencial da ganância? Existe em cada ser humano um sentimento que o impulsiona a um esforço apaixonado para satisfazer o seu “desejo”. O desejo humano, quando não desviado, busca coisas como bens que o satisfaçam. Mas pode ser mal direcionado. Isso porque alguns dos bens aos quais se dirige são apenas bens aparentes — são, na verdade, males — bens que parecem satisfazer o desejo, mas que, na realidade, o desviam para a desordem e o conduzem à infelicidade. Hoje, nós podemos ver a ganância como o pecado capital que, se não for contrabalançado por práticas autênticas e disseminadas de gratuidade, ameaçará a própria sustentabilidade de nossa civilização.

Em “Globalization” [“Globalização”], Jean-Jacques Rosé (EHESS-CNRS, Marselha, França) e François Lépineux (ESC Rennes School of Business, França) argumentam que a globalização é a concretização do pensamento e do modo de vida Ocidentais. Essa concretização atingiu os seus limites, que necessitam ser superados por meio de uma alternativa claramente percebida pela comunidade internacional. Essa escolha pressupõe que os seres humanos são capazes de superar os valores da “sociedade do desenvolvimento” por meio da estruturação do arcabouço ético e espiritual da sociedade global. Diante dessa ambição inevitável, à medida que a Ásia ingressa no mundo moderno, será capaz de oferecer as grandes contribuições que os paradigmas Kyosei e Não-eu [ser, self] representam? Essa é a questão que Rosé e Lépineux levantam.

Em “Deep Ecology” [“Ecologia Profunda”], Knut Ims (Escola Norueguesa de Economia e Administração de Empresas, Bergen, Noruega) apresenta a ecologia profunda como uma abordagem fundamental para os problemas ambientais. A ecologia profunda concentra-se nas causas subjacentes, nas raízes dos problemas. Ela assume uma perspectiva relacional e de campo total que se encaixa em uma visão de mundo holística, não reducionista e não antropocêntrica. Ela contrasta com a ecologia superficial, que representa a atitude tecnocrática em relação à poluição e ao esgotamento de recursos, utilizando regras como “o poluidor paga” e tratando os sintomas por meio de soluções tecnológicas paliativas.

A autorrealização é uma norma essencial na ecologia profunda e ela tem que ser interpretada como autorrealização para todos os seres. O significado de autorrealização amplia o conceito usual de autoconhecimento no sentido Ocidental, onde a autorrealização é vista como uma jornada do ego — o esforço individual para satisfazer os próprios desejos. O pensamento ecológico profundo envolve uma redefinição do conceito humano de si mesmo e abre a possibilidade de que todos os seres sencientes sejam seres ecológicos. O lema central da ecologia profunda é “viver uma vida rica com meios simples”, ou “simples nos meios, mas rica nos fins”. A mudança necessária na estrutura ideológica implica que a qualidade de vida é mais importante do que o bem-estar econômico medido pelo PIB.

Em “Climate Change and Spirituality” [“Mudanças Climáticas e Espiritualidade”], a ambientalista e ativista Quaker Laurie Michaelis (Bamford, Reino Unido) alerta para os sinais de que o clima global pode estar próximo de um ponto de inflexão para a transição rumo a um mundo mais quente. Em meio a apelos por uma transição para uma economia de carbono zero, políticos e grande parte do público negam a realidade. As suas soluções tecnológicas e de mercado preferidas serão insuficientes; uma transformação é necessária em nosso modo de vida. Nós temos que questionar a natureza do eu [ser, self], os nossos relacionamentos uns com os outros, com a Terra e com o além, os nossos modos de vida e as nossas fontes de significado.

O lema central da ecologia profunda é “viver uma vida rica com meios simples”, ou “simples nos meios, mas rica nos fins”.

Michaelis argumenta que, mesmo que as mudanças climáticas sejam abordadas principalmente por meios externos, tecnológicos e econômicos, elas exigirão mudanças internas. Podem ser entendidas como um sintoma de mal-estar espiritual ou uma necessidade de desenvolvimento da consciência no nível da percepção [consciousness]. A parte mais importante do trabalho espiritual relacionado às mudanças climáticas é desenvolver a vontade e a capacidade pessoal e coletiva de mudar. Para os pioneiros, isso exige um profundo questionamento de si mesmo, autoconhecimento e a disponibilidade e capacidade de agir contra os hábitos sociais. Essas são capacidades que se desenvolvem por meio da prática espiritual e podem ser fortalecidas pelo envolvimento em uma comunidade espiritual sólida.

Em “Ecological Sustainability and Organizational Functioning” [“Sustentabilidade Ecológica e Funcionamento Organizacional”], o cientista Americano de sistemas John Adams (Universidade Saybrook, São Francisco, EUA) considera que a sustentabilidade ecológica, no contexto do funcionamento organizacional, significa aprender a operar todas as nossas empresas de forma a garantir recursos não esgotáveis ​​e opções abundantes e de alta qualidade para as gerações futuras. Adams cita o cientista sueco Karl-Henrik Robèrt, que desenvolveu alguns princípios de sustentabilidade inegociáveis ​​chamado “The Natural Step,” [“O Passo Natural”], hoje amplamente aplicado em práticas organizacionais ecologicamente sustentáveis. Adams acrescenta que, para alcançar a sustentabilidade ecológica, será necessário um pensamento focado no longo prazo, na visão de futuro, na compreensão do panorama geral, na conexão, no aprendizado, no ser e no compartilhamento.

Em “Responsibility for Future Generations” [“Responsabilidade pelas Gerações Futuras”], László Zsolnai (Universidade Corvinus de Budapeste, Hungria) destaca que as atividades das gerações presentes afetam o destino das gerações futuras, para o bem ou para o mal. O que nós fazemos com o nosso patrimônio natural e cultural determina, em grande parte, a forma como as gerações futuras poderão viver as suas vidas. Assim, a responsabilidade moral exige – argumenta ele, juntamente com Hans Jonas – que nós levemos em consideração o bem-estar daqueles que, sem serem consultados, serão afetados posteriormente pelo que nós estamos fazendo agora.

Edith Brown Weiss desenvolveu três princípios que sublinham as nossas obrigações para com as gerações futuras: (1) Cada geração deve ser obrigada a conservar a diversidade da base de recursos naturais e culturais, para que essa não restrinja indevidamente as opções disponíveis às gerações futuras na resolução dos seus problemas. (2) Cada geração deve ser obrigada a manter a qualidade do planeta, de modo que esse seja transmitido em condições não piores do que as que a geração presente o recebeu. (3) Cada geração deve proporcionar o acesso ao legado das gerações passadas às gerações futuras. Cuidar das gerações futuras não é apenas uma preocupação altruísta – acrescenta Zsolnai. Melhorar a situação das gerações futuras também melhora o futuro das gerações presentes.

Em “Frugality” [“Frugalidade”], Luk Bouckaert (Universidade Católica de Leuven e Academia SPES, Bélgica), Hendrick Opdebeeck (Universidade de Antuérpia, Bélgica) e Laszlo Zsolnai (Universidade Corvinus de Budapeste, Hungria) definem frugalidade como uma arte de viver, que implica baixo consumo material e um estilo de vida simples, para abrir a mente a bens espirituais como a liberdade interior, a paz social, a justiça ou a busca pela “realidade última”.

Na economia, o homem frugal e diligente (industrious) foi elogiado por Adam Smith e promovido por Max Weber como a personificação do Ascetismo mundano, o motor Protestante do capitalismo inicial. Mas, ao se concentrarem no valor instrumental da frugalidade como meio de aumentar o bem-estar material, eles iniciaram uma mudança no significado da frugalidade. Essa instrumentalização da frugalidade terminou paradoxalmente em sua eliminação do cenário econômico. O consumismo e a ganância material, justamente o oposto da frugalidade, tornaram-se os principais motores para o aumento da riqueza e levaram a uma erosão do significado intrínseco e espiritual da frugalidade.

Como conceito racional, a frugalidade é uma relação esclarecida, porém egocêntrica, com o nosso ambiente. Nas tradições espirituais, a frugalidade adquire outro significado. O seu primeiro significado diz respeito ao auto desapego, à liberação a partir do ego ativo e egoísta. Viver uma vida frugal significa viver uma vida de auto desapego, ou, dito de maneira mais positiva, uma vida direcionada para o outro. A frugalidade significa liberar-se a partir do egocentrismo, abrindo a mente para a voz interior das coisas, em contraste com o significado instrumental que nós obtemos ao sermos meios para satisfazer as minhas/nossas necessidades. É importante reconhecer que uma espiritualidade genuína da frugalidade, enquanto desapego de si mesmo e foco no outro, não exclui a racionalidade económica instrumental. Para ser implementada, uma práxis da frugalidade orientada pela espiritualidade necessita de um plano de negócios concebido racionalmente. E, a partir de um ponto de vista macro, as práticas frugais com base espiritual podem conduzir a resultados racionais, como a redução da destruição ecológica, da desintegração social e da exploração das gerações futuras.

Em “Authenticity” [“Autenticidade”], David Boyle (New Economics Foundation, Londres, Reino Unido) destaca que a demanda pelo que é real é evidente nas embalagens das lojas e no mundo da publicidade, onde há constantes apelos à autenticidade, muitas vezes para obscurecer o fato de que o produto é profundamente inautêntico de alguma forma. A demanda por autenticidade é, em si, uma crítica à cultura pós-moderna predominante. É uma busca contínua pelo que mantém as pessoas unidas, apesar de sua atomização pela cultura pós-moderna, incessantemente desconstruídas em seus próprios silos distantes.

Há, claramente, também uma dimensão ética na autenticidade. Ela representa uma crítica à forma como as empresas tradicionais operam, distanciando os clientes da realidade humana e substituindo a interação humana por softwares ou roteiros obrigatórios. Essas são questões particularmente relevantes para organizações, públicas e privadas, que prestam serviços públicos e acreditam que podem fazê-lo cada vez mais virtualmente. É também uma questão para organizações que tentam controlar cada decisão, reação e interação detalhada de seus funcionários. A autenticidade não é apenas um vago capricho de marketing – conclui Boyle. É uma ferramenta através da qual nós somos capazes de começar a analisar os fracassos e os sucessos das nossas instituições.

Em “Civil Economy” [“Economia Civil”], Stefano Zamagni (Universidade de Bolonha, Itália) alerta que a economia convencional se baseia numa descrição do comportamento humano que consiste quase inteiramente em objetivos aquisitivos. A partir do ponto de vista econômico, o comportamento humano é relevante na medida em que permite aos indivíduos obterem “coisas” (bens ou serviços) que ainda não possuem e que podem aumentar o seu bem-estar. A necessidade, portanto, é abrir espaço para o princípio da dádiva na teoria econômica. O poder da dádiva não reside na coisa dada ou na quantia doada, mas na qualidade humana especial que a dádiva representa como uma relação interpessoal. O que constitui a essência da dádiva é o interesse específico em forjar uma relação entre doador e receptor. Ampliar os horizontes da pesquisa econômica para incluir o valor relacional é o desafio intelectual mais urgente da atualidade.

Na tradição da economia civil, o mercado, a empresa e a economia são, em si, o espaço da amizade, da reciprocidade, da gratuidade e da fraternidade. A economia civil rejeita a noção de que o mercado e a economia são radicalmente diferentes da sociedade civil e regidos por princípios distintos. Ao invés disso, a economia é civil; o mercado é vida em comum. Economia como se as pessoas importassem – este lema indica concisamente a essência da economia civil. Zamagni enfatiza que a abordagem da economia civil propõe um humanismo multifacetado no qual o mercado é concebido e experienciado como um espaço aberto também aos princípios da reciprocidade e da gratuidade.

7. Espiritualidade nos Negócios

A Parte IV do Handbook of Spirituality and Business [Manual de Espiritualidade e Negócios] reúne diversas abordagens e modelos de espiritualidade nos negócios. Abrange a transformação dos negócios, a liderança com base espiritual, as organizações de negócios orientadas pela espiritualidade, a gestão da transformação, o capital espiritual, a atenção plena nos negócios e a espiritualidade no local de trabalho.

Em “Spiritually-based Leadership” [“Liderança baseada na Espiritualidade”], Peter Pruzan (Copenhagen Business School, Dinamarca) afirma que a liderança baseada na espiritualidade está emergindo como uma abordagem inclusiva, holística e, ao mesmo tempo, altamente pessoal para a liderança, que integra as perspectivas internas do líder sobre identidade, propósito, responsabilidade e sucesso com as suas decisões e ações no mundo externo dos negócios. A emergência da liderança baseada na espiritualidade também pode ser vista como uma perspectiva abrangente sobre outras abordagens de liderança caracterizadas por um foco em conceitos como “ética nos negócios”, “liderança baseada em valores”, “responsabilidade social corporativa” e “sustentabilidade”, mas a liderança baseada na espiritualidade considera a ética, a responsabilidade social e a sustentabilidade não como instrumentos para proteger e promover a lógica clássica nos negócios, mas como objetivos fundamentais por si só.

Enquanto a liderança gerencial tradicional visa o desempenho econômico ideal, sujeito a restrições autoimpostas e sociais que exigem atenção ao bem-estar das partes interessadas da organização, a liderança baseada na espiritualidade essencialmente inverte os meios e os fins. O “porquê” da existência organizacional não é mais o crescimento econômico, mas a realização espiritual de todos os afetados pela organização, onde uma restrição importante é a exigência de que a organização mantenha e desenvolva a sua capacidade econômica para servir às suas partes interessadas. Em outras palavras, a espiritualidade fornece uma estrutura para a liderança que pode servir como a própria fonte dos valores, da ética e da responsabilidade de uma organização.

No artigo deles “Deep Leadership and Spirit-driven Business Organizations” [“Liderança Profunda e Organizações em Negócios Orientadas pelo Espiritualidade”], Gerrit Broekstra e Paul De Blot (Universidade de Neyenrode, Holanda) introduzem o conceito de liderança profunda. A essência da liderança profunda consiste em fazer perguntas profundas:

Por que nós existimos?

Qual é a nossa razão de ser?

O que realmente nós defendemos?

Quão forte é o nosso espírito organizacional?

Quão sustentável é o nosso empreendedorismo?

Qual é o nosso significado para a sociedade?

Essas questões profundas – direcionadas a desvendar a essência ou o eu [ser, self] organizacional – podem ser vistas como paralelas às questões centrais da auto indagação no nível pessoal e, portanto, podem ser consideradas intrinsecamente espirituais em sua natureza. Quando investigadas em profundidade, as respostas a essas questões fundamentais podem produzir uma espécie de código genético – o DNA da organização – composto pela missão, pelos valores e pela energia que isso gera na organização.

O conceito de liderança profunda está totalmente em sintonia com a maneira como as organizações operam eficazmente e eficientemente como sistemas adaptativos complexos, estudados na ciência da complexidade. De maneira semelhante, esses sistemas naturais operam a partir de um código genético ou programa compartilhado, que normalmente contém apenas um número surpreendentemente pequeno de regras ou heurísticas. A mensagem é que as empresas necessitam recalibrar os códigos genéticos delas para um grau mais elevado de alter-intencionalidade e torná-los uma realidade viva em suas organizações. Dessa maneira, elas são capazes de se tornar organizações verdadeiramente guiadas pela espiritualidade, compostas por pessoas empoderadas, guardiãs respeitadas de um planeta sustentável e participantes lucrativos no mercado.

Em “Transformation Management” [“Gestão da Transformação”], Ronald Lessem e Alexander Schieffer (Laboratório dos Quatro Mundos para a Transformação Social e Econômica, Genebra) exploram o potencial específico de uma empresa para se engajar de forma significativa com a capacidade transformadora inerente a uma determinada cultura social. Eles percorrem o globo e o que denominaram “quatro mundos”, para investigar quatro exemplos de forças culturais ou espirituais Indígenas: do Ubuntu da África Austral ao Kyosei do Japão Oriental; da Naringsliv Nórdica “Norte” para a Individuação Anglo-Saxônica “Ocidental”.

A força cultural que eles descrevem como subjacente a uma sociedade, comunidade, organização ou indivíduo – ligando corpo e espírito, coração e mente – reside num movimento dual, direcionado para dentro e para fora. O movimento direcionado para dentro consiste em alcançar a profundidade da identidade local e celebrar a singularidade implícita em cada identidade. Para que possa cumprir o seu potencial transformador e transcultural, depende do movimento direcionado para fora, que se estende e entra em contato com o outro. Sem a força direcionada para fora, as sociedades e organizações ou se ossificam ou perdem a vitalidade delas, sendo subjugadas por forças exógenas. Cada indivíduo e comunidade, organização e sociedade possui um núcleo único, ou força vital, ao qual tem que permanecer fiel e contribuir para sua evolução.

Em “Mindfulness in Business” [“Atenção Plena nos Negócios”], Sharda Nandram (Universidade Neyenrode, Holanda) e Margot Esther Borden (psicoterapeuta particular, Paris, França) definem mindfulness [atenção plena] como um estado de espírito que envolve uma consciência no nível da realidade [awareness] aguçada, mais detalhada e mais objetiva de si mesmo, dos outros e das situações da vida. Revela um senso de significado e objetividade em nossas experiências e nos permite aproveitar o nosso maior potencial. Em última análise, os praticantes desenvolvem a capacidade de se enxergarem com maior lucidez e de navegar em seu mundo interior e exterior com maior autodomínio. Em um nível mais profundo, a atenção plena desenvolve amor, perdão, gratidão, equanimidade e, por fim, uma compreensão da natureza infinita da consciência no nível da percepção [consciousness].

Reservar espaço físico e tempo para práticas de mindfulness no ambiente de trabalho, em reuniões, intervalos e eventos motivacionais, é uma forma de contribuir diretamente para a melhoria da organização em todos os níveis. O mindfulness pode ser adotado como parte integrante de programas de treinamento ou mentoria para novos funcionários. O mindfulness auxilia indivíduos a desenvolver as qualidades deles e aprimorar a percepção deles, resultando em relacionamentos de trabalho mais harmoniosos, ações e raciocínios que beneficiam ambas as partes, além de maior felicidade e realização. Uma percepção mais profunda e abrangente de si mesmo, do outro, da sociedade e da natureza tem o poder de transformar o próprio eixo sobre o qual nós pensamos e agimos em nossas interações pessoais e em negócios.

Em “Spirituality at the Workplace” [“Espiritualidade no Local de Trabalho”], as pesquisadoras Neozelandesas Marjolein Lips-Wiersma (Universidade de Canterbury, Nova Zelândia) e Lani Morris (Holistic Development Group, Nova Zelândia) enfatizam que o domínio da espiritualidade no local de trabalho se define em relação ao trabalho significativo. Embora possa ser a coisa mais importante que nós fazemos para honrar a nossa humanidade, é muito difícil praticá-la e fazê-la bem, na vida organizacional atual. Para superar o debate entre espiritualidade e religião, a tarefa é criar uma estrutura e uma cultura em que líderes e seguidores sejam capazes de negociar respeitosamente a diversidade religiosa e espiritual.

Lips-Wiersma e Morris apresentam o Modelo de Desenvolvimento Holístico como uma maneira de promover uma discussão fundamentada sobre espiritualidade no ambiente de trabalho. A estrutura desse modelo cria um espaço seguro o suficiente para que as diferenças sejam acolhidas e expressas sem coerção. Ao mesmo tempo, identifica um propósito comum e, portanto, um método para descobrir conexões e concordâncias existentes, reconhecendo a jornada individual.

8. Boas Práticas e Modelos de Trabalho

A Parte V do Handbook of Spirituality and Business [Manual de Espiritualidade e Negócios] concentra-se em boas práticas e modelos de trabalho que utilizam a espiritualidade nos negócios de forma significativa. Começa com os problemas das empresas multinacionais e o bem comum, os negócios na sociedade e a consciência corporativa. Em seguida, discute o processo de autoavaliação e melhoria para organizações, as Edgewalker Organizations [Organizações Edgewalker; Organizações Caminhante da Fronteira; (***)], a economia da comunhão, o branding ético, o movimento do comércio justo e o sistema bancário ético. Finalmente, ela apresenta os conceitos de empreendedorismo cooperativo e economia comunitária.

Em “Multinational Companies and the Common Good” [“Empresas Multinacionais e o Bem Comum”], François Lépineux (Rennes Business School, França) e Jean-Jacques Rosé (EHESS-CNRS, Marselha, França) questionam: “As empresas multinacionais devem se preocupar com o bem comum?” Eles argumentam que as empresas multinacionais são capazes – e devem – promover e apoiar o bem comum global, reduzindo a pobreza extrema, uma vez que a globalização tem provocado o aumento das desigualdades sociais a níveis sem precedentes, agravando a divisão entre os países mais ricos e os menos desenvolvidos que não conseguem aderir ao movimento e ampliando as disparidades de renda em quase todas as nações.

Lépineux e Rosé apontam que um novo contrato social está sendo construído em escala mundial. A provisão de bens comuns globais exige a cooperação de diversos atores pertencentes às esferas governamental, de negócios e da sociedade civil. Multinacionais pioneiras, organizações sem fins lucrativos e governos já estão desenvolvendo parcerias para esse fim e tais colaborações frequentemente proporcionam resultados frutíferos para todas as partes.

Em “Business in Society” (Negócios na Sociedade), o Teólogo Americano Olivier F. Williams (Universidade de Notre Dame, EUA) argumenta que nós estamos no meio de uma grande mudança paradigmática em nosso entendimento do propósito dos negócios e que isso representa uma grande promessa para que os negócios se tornem uma força significativa para a paz mundial. Nós observamos o surgimento de uma visão da empresa como um ator político socialmente responsável na economia global e como uma instituição capaz de gerar não apenas riqueza material, mas também riqueza que nutre toda a gama de necessidades humanas.

Williams destaca que um número crescente de líderes em negócios e empresas está assumindo projetos na sociedade em geral para aliviar a pobreza, proteger o meio ambiente e criar um mundo e um ambiente de trabalho mais humanos. Isso é feito porque esses líderes são seres humanos pensantes e sensíveis que percebem que as suas organizações podem ter o talento gerencial e os recursos para agir onde os governos são incapazes ou não estão dispostos a fazê-lo. Esses líderes sentem-se chamados a fazer a diferença. Esse “chamado” é frequentemente discutido com o termo “vocação”. Embora seja verdade que parte dessa atividade seja realizada simplesmente para atender às expectativas da sociedade, há um número crescente de líderes que a praticam porque acreditam ser a coisa certa a fazer.

Em “Corporate Conscience” [“Consciência Corporativa”], o especialista Americano em ética empresarial Kenneth E. Goodpaster (Universidade de St. Thomas, EUA) defende a posição de que as corporações ou outras formas institucionais podem ter “consciências” análogas às consciências de indivíduos. Ele argumenta que não só é apropriado descrever as organizações e as suas características por analogia com os indivíduos, como também é normativamente apropriado buscar e fomentar atributos morais nas organizações por analogia com aqueles que nós buscamos e fomentamos nos indivíduos. Uma empresa, como agente moral na sociedade, possui compromissos, valores e responsabilidades, como deveres para com os seus credores ou obrigações contratuais para com os seus clientes, que são distintos daqueles de seus membros individuais.

as corporações ou outras formas institucionais podem ter “consciências” análogas às consciências de indivíduos. …não só é apropriado descrever as organizações e as suas características por analogia com os indivíduos, como também é normativamente apropriado buscar e fomentar atributos morais nas organizações por analogia com aqueles que nós buscamos e fomentamos nos indivíduos.

Goodpaster sugere duas recomendações para líderes organizacionais – os arquitetos da consciência e da cultura corporativa – recomendações simples, porém desafiadoras: (1) ajudar a sua organização a estar atenta às tendências à fixação, a desejos organizacionais equivocados baseados em medidas ilusórias de sucesso; e (2) incentivar os funcionários a evitar a racionalização e o distanciamento, a estarem cientes das lacunas entre o discurso ético e a prática ética – e recompensá-los por encontrarem maneiras de reduzir essas lacunas.

Em “Self-assessment and Improvement Process for Organizations” [“Processo de Autoavaliação e Melhoria para Organizações”], T. Dean Maines (Universidade de St. Thomas, EUA) apresenta um método que permite às organizações avaliar e aprimorar o desempenho delas em questões éticas. Adaptando técnicas da gestão da qualidade total, o método estende uma venerável disciplina espiritual e moral – o exame de consciência – do âmbito individual para o da empresa. O Processo de Autoavaliação e Melhoria transforma princípios éticos em um inventário sistemático de perguntas. Responder a essas perguntas e pontuar as respostas permite que os líderes identifiquem onde os valores morais essenciais foram integrados às operações de sua organização e onde essa integração é tênue ou inexistente. Aplicado em intervalos regulares, o método ajuda a organização a se desenvolver como um agente moral, alinhando o seu desempenho a padrões reconhecidos de conduta eticamente responsável.

Em “Edgewalker Organizations” [“Organizações Edgewalker”; “Organizações Caminhante da Fronteira”], Judy Neal (Universidade do Arkansas, EUA) define uma Edgewalker Organization [Organização Caminhante da Fronteira] como aquela que busca estar na vanguarda, é curiosa sobre o que está surgindo no horizonte, apoia a criatividade e a inovação e nutre o espírito humano. Os líderes entendem como usar visão, imagens e inspiração para pintar um quadro de um futuro desejado. Os funcionários são imaginativos, empoderados e sabem como criar o que nunca foi criado antes. A Edgewalker Organization possui grande diversidade em seus líderes e funcionários. As diferenças são valorizadas em um grau muito maior do que em uma organização tradicional, simplesmente porque os Edgewalkers são curiosos e sempre querem aprender sobre as visões de mundo de outras pessoas.

Neal alerta que ser um Edgewalker é um caminho árduo, mas repleto de recompensas. É sempre emocionante desbravar novos caminhos e explorar novas fronteiras. Acima de tudo, nós temos a oportunidade de fazer uma diferença positiva no mundo. Se nós estamos tentando criar uma Edgewalker Organization, é útil entender as diferentes orientações que as pessoas têm em relação ao tempo e à mudança. Quando nós nos concentramos nos pontos fortes das pessoas e no que elas trazem para a organização, aquilo em que nós nos concentramos crescerá.

Em “The Economy of Communion” [“A Economia da Comunhão”], o economista Italiano Luigino Bruni (Universidade de Milão – Bicocca, Itália) e o consultor de gestão Húngaro Tibor Hejj (Pro-Active Management Consulting Ltd, Budapeste, Hungria) apresentam o modelo da Economia da Comunhão do Movimento Focolare. Na Economia da Comunhão, os produtores – empresários, trabalhadores e os seus parceiros de negócios – são inspirados por princípios enraizados em uma “cultura da doação”, que é a antítese da “cultura do ter” atualmente dominante.

A Economia da Comunhão baseia-se na dádiva e na comunidade. A partilha dos lucros é a proposta prática para as empresas: (i) uma parte dos lucros seria reinvestida no negócio para desenvolver e criar novos empregos; (ii) a segunda parte seria utilizada para criar uma nova cultura que inspirasse mulheres e homens a adotarem a comunhão em suas vidas; (iii) e a terceira parte seria destinada diretamente aos pobres, a fim de reinseri-los plenamente na dinâmica da comunhão e da reciprocidade. Bruni e Hejj enfatizam que hoje a economia e o mercado têm uma necessidade vital de comunhão, felicidade, bens relacionais e bens de gratuidade. Mantendo-se fiéis à sua vocação, os empreendedores da Economia da Comunhão tornam-se cada vez mais capazes de produzir esses “bens” vitais.

Em “Ethical Branding” [“Branding Ético”], o acadêmico Britânico de gestão Mike Thompson (China-Europe International Business School, Xangai, China) relembra que a noção de branding ético [gestão ética de marca] surgiu na Europa acompanhando o surgimento do consumismo ético. Marcas éticas reconhecem as suas responsabilidades ambientais, econômicas e sociais porque respeitam os interesses, as necessidades e as preocupações de seus stakeholders. Elas estão genuinamente comprometidas em fazer o que é certo e os seus compromissos são monitorados e verificáveis ​​de forma independente.

Thompson observa que a maioria dos proprietários de marcas não faz alegações espirituais para as suas iniciativas sociais, mas algumas motivações “baseadas na espiritualidade” ainda podem estar presentes em profissionais de marketing ético, tais como: (i) uma contribuição reconhecível para o bem comum; (ii) um compromisso genuíno com a qualidade e a excelência além do produto em si; (iii) uma preocupação em evitar enganar clientes e consumidores; (iv) o cultivo de relacionamentos diretos com stakeholders além do que é economicamente necessário; e (v) sinais de confiança sendo fomentados nas relações entre o proprietário da marca/corporação e a sociedade em geral.

Em “Fair Trade Movement” [“Movimento do Comércio Justo”], Zsolt Boda (Universidade Corvinus de Budapeste, Hungria) demonstra que o movimento do Comércio Justo busca solucionar os problemas de produtores desfavorecidos e de pequena escala em países subdesenvolvidos, proporcionando acesso ao mercado para os seus produtos por meio de parcerias comerciais. O Movimento do Comércio Justo é apoiado por consumidores com consciência ética, dispostos a pagar um preço mais alto pelos produtos para melhorar o bem-estar de produtores marginalizados e de suas comunidades. A parceria do Comércio Justo oferece melhores condições comerciais, preços mais altos e um relacionamento contínuo com os produtores; garante o respeito aos direitos humanos e às questões ambientais e que crianças não sejam exploradas no processo de produção.

Boda destaca que o surgimento e o sucesso do movimento do Comércio Justo não teriam sido possíveis sem as empresas “guiadas por uma missão”, que defendem ideias e práticas alternativas baseadas em compromissos sociais, ecológicos e territoriais. Muitas das figuras fundadoras do movimento foram motivadas pela fé religiosa e diversas organizações religiosas desempenharam um papel importante em seu lançamento. Mas, para além dos aspectos estritamente religiosos, os praticantes do comércio justo têm sido motivados por compromissos éticos intrínsecos e por uma atitude de compaixão para com os pobres em países distantes. Eles têm se identificado com os necessitados, cultivando um sentimento existencial de solidariedade. O Comércio Justo representa, portanto, um sistema econômico que transcende a si mesmo: o fluxo de recursos é acompanhado por um fluxo de forças e energias transcendentais, alimentadas por sentimentos morais e compromissos éticos.

Em “Ethical Banking” [“Banco ético”], o pioneiro Belga do banco ético e sustentável, Frans de Clerck (Banco Triodos, Bélgica), observa que as iniciativas do banco ético têm contestado o desenvolvimento de grande parte do banco tradicional em atividades de alta rentabilidade e alto risco, numa escala “grande demais para falir”. Essas iniciativas oferecem uma abordagem diferente, baseada em valores humanos, formas participativas de organização, responsabilidade social e transparência, que, em conjunto, visam impactar a sustentabilidade geral da nossa sociedade. E desenvolveram modelos de negócio sustentáveis ​​que geram lucros razoáveis.

Um movimento mundial de bancos genuinamente éticos surgiu precisamente porque o progresso do banco tradicional tem sido muito limitado. O mundo do banco sustentável oferece uma alternativa convincente. O banco e movimento financeiro éticos servem milhões de clientes em todo o mundo, com ativos combinados de dezenas de bilhões de dólares. Os bancos éticos financiam centenas de milhares de empresas, projetos e comunidades social, ambiental e financeiramente sólidos e estabelecem parcerias com ONGs e movimentos da sociedade civil. Utilizam recursos financeiros, profissionalismo e sabedoria, baseados no respeito pelos valores humanos, pela dignidade e por um sentido de interdependência, para criar novas formas de coesão social.

9. Conclusão

O movimento “Occupy Wall Street” e outros movimentos anti-negócios demonstram claramente a crise do paradigma da gestão materialista. A gestão materialista baseia-se na crença de que a única motivação para se fazer negócios é o lucro e que o sucesso deve ser medido apenas pelo lucro gerado.

No Palgrave Handbook of Spirituality and Business [Manual Palgrave de Espiritualidade e Negócios], nós temos explorado novos valores para a gestão pós-materialista: frugalidade, ecologia profunda, confiança, reciprocidade, responsabilidade para com as gerações futuras e autenticidade. Dentro dessa estrutura, o lucro e o crescimento não são mais objetivos finais, mas elementos de um conjunto mais amplo de valores. De uma maneira semelhante, os cálculos de custo-benefício não são mais a essência da gestão, mas fazem parte de um conceito mais amplo de sabedoria na liderança. Negócios dirigidos pela espiritualidade requerem motivação intrínseca para servir ao bem comum e utilizam esquemas de avaliação holísticos para mensurar o sucesso.

Referência

Bouckaert, L. – Zsolnai, L., eds (2011): The Palgrave Handbook of Spirituality and Business. Houndsmill: Palgrave Macmillan.

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(***) Observação PO:

O que são Edgewalker Organizations [Organizações Caminhante da Fronteira]?

Imagem gerada pelo site ChatGPT

Edgewalkers são pessoas (ou organizações) que caminham entre dois mundos — o material e o espiritual, o tradicional e o inovador — ajudando a transformar sistemas e trazer novas maneiras de pensar.

Edgewalker Organizations [Organizações Caminhante da Fronteira]  são um conceito desenvolvido principalmente pela pesquisadora Judi Neal, dentro da área de espiritualidade no ambiente de trabalho, liderança consciente e desenvolvimento organizacional.

São organizações que operam “na borda, fronteira, limiar” (edge) entre dois mundos:

  • o mundo convencional, racional, orientado a resultados
  • e o mundo intuitivo, inspirado, focado em propósito, valores e consciência no nível da realidade [awareness].

Essas organizações:

  • valorizam inovação, criatividade e visão de futuro;
  • incentivam espiritualidade e sentido no trabalho (não religiosidade, mas propósito);
  • estimulam líderes e colaboradores a atuar com intuição, coragem, autenticidade e consciência no nível da percepção [consciousness] ampliada;
  • combinam alta performance com valores humanos profundos.

Elas “caminham na fronteira” entre estruturas tradicionais e novas formas de pensar e trabalhar.

Fonte: Resumo de pesquisa em ChatGPT.

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Imagem criada por ChatGPT: Spirituality in the Workplace no dia 03.12.25

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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios são capazes de ajudar tanto as Pessoas quanto as Organizações.

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Autor

Graduação: Engenharia Operacional Química. Graduação: Engenharia de Segurança do Trabalho. Pós-Graduação: Marketing - PUC/RS. Pós-Graduação: Administração de Materiais, Negociações e Compras - FGV/SP. Blog Projeto OREM® - Oficina de Reprogramação Emocional e Mental - O Blog aborda quatro sistemas de pensamento sobre Espiritualidade Não-Dualista, através de 4 categorias, visando estudos e pesquisas complementares, assim como práticas efetivas sobre o tema: OREM1) Ho’oponopono - Psicofilosofia Huna. OREM2) A Profecia Celestina. OREM3) Um Curso em Milagres. OREM4) A Organização Baseada na Espiritualidade (OBE) - Espiritualidade no Ambiente de Trabalho (EAT). Pesquisador Independente sobre Espiritualidade Não-Dualista como uma proposta inovadora de filosofia de vida para os padrões Ocidentais de pensamentos, comportamentos e tomadas de decisões (pessoais, empresariais, governamentais). Certificação: “The Self I-Dentity Through Ho’oponopono® - SITH® - Business Ho’oponopono” - 2022.

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