…continuação Parte I…
4. A religião e a espiritualidade: convergências e diferenças
Repetimos que não é nossa [professor Anselmo] intenção fazer a apologia desta ou daquela religião. Mas o tema exige que se façam as devidas distinções e conexões com o universo empresarial, foco deste trabalho. Apesar do estreito vínculo entre os dois construtos, eles não são absolutamente sinônimos (McCormick, 1994). Dentre os muitos equívocos existe o de se confundir espiritualidade com religião ou piedade (Pierce, 2001). Na verdade, praticantes de religião e espiritualidade empregam termos comuns como: suporte, ética, moral, crenças, missão, valores, contemplação espiritual, envolvimento com a comunidade, o que torna a distinção entre ambas as práticas difícil de se estabelecer (Cash e Gray, 2000).
De acordo com Bruce (2000), a espiritualidade é normalmente encontrada dentro da tradição religiosa, embora não seja religião, isto é, não é associada àquela (Cavanagh, 1999), chegando mesmo a estar muito além das âncoras naquela contidas (Burack, 1999). Destituídas do dogmatismo e mesmo do fanatismo que amiúde cercam as religiões, assim pensamos nós, o tópico da espiritualidade torna-se mais isento para ser analisado pelas mentes humanas que não se sentem à vontade com determinados cultos.
Entretanto, somos forçados a reconhecer que as dificuldades não param por aí. Afinal, é complicado enxergar – e separar – valores não determinados pela religião daqueles determinados religiosamente. Em contrapartida, há também autores que apresentam uma visão extremamente cáustica acerca da religião e da espiritualidade no LT associando-a com elementos pessoais, irracionais e emocionais que foram banidos destes ambientes (por exemplo, Graber e Johnson, 2001). No entanto, as evidências vão numa outra direção onde os ganhos são mais claramente perceptíveis.
Demonstrando larga visão, Lama (2000) confessa que chegou à conclusão de que não importa se uma pessoa é adepta de uma crença religiosa ou não. Segundo ele, o que de fato importa é que uma pessoa seja boa. Ele lembra que a influência da religião nas vidas das pessoas é normalmente marginal, especialmente no considerado mundo desenvolvido. Na sua opinião, se considerarmos as religiões sob uma perspectiva mais ampla, notaremos que elas – ou seja, o Budismo, Cristianismo, Hinduísmo, Islamismo, Judaísmo, Siquismo, Zoroastrismo, entre outras – objetivam ajudar o homem a alcançar a felicidade duradoura. Como todas são capazes de tal feito, sustenta o autor, demonstrando, a propósito, grande sabedoria, é desejável e útil que haja uma grande variedade de religiões promovendo os mesmos valores básicos.
Portanto, a religião, sob esse prisma, tem um papel – quando não deturpado – de divulgadora de valores e condutas morais elevadas. Na verdade, essa foi sempre a sua missão, ou em outras palavras, o de inspirar o homem para o bem. Infelizmente, ao longo do tempo, algumas seitas distorceram os seus propósitos iniciais. Assim, o mal está, efetivamente, na prática cega e intransigente das religiões (ou de líderes religiosos) que toldam a visão e sobretudo o raciocínio dos seus profitentes. Porém, quando confinada à sua missão básica de pregar a fé e o progresso do espírito, a religião está, sem dúvida, contribuindo para a evolução da humanidade.
Lama (2000) considera também que a religião está relacionada com a crença do direito à salvação pregada por qualquer tradição de fé, alicerçada na aceitação de alguma forma de realidade metafísica ou sobrenatural, podendo até incluir uma ideia de paraíso ou nirvana. Associados a isso estão ensinamentos ou dogmas religiosos, rituais, orações e assim por diante. Já a espiritualidade está relacionada com aquelas qualidades do espírito humano, tais como amor, bondade, compaixão, paciência, tolerância, capacidade de perdoar, alegria, responsabilidade, integridade, noção de harmonia – que geram felicidade tanto para a própria pessoa quanto para os outros.
O ‘amálgama espiritual’ ainda expressa claramente a preocupação com o bem-estar do próximo (solidariedade e respeito ao semelhante). Assim sendo, não é imprescindível estar ligado a uma religião, seita ou sistema metafísico para desenvolver tais qualidades. Já Hawley (1995, p.17-18) vê a espiritualidade como objetivo e religião como caminho e o mesmo autor apresenta as diferenças entre religião e espiritualidade, conforme constam no quadro 2.
QUADRO 2 – DIFERENÇA ENTRE RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE
Religião | Espiritualidade |
Produto de um determinado tempo local. | O objetivo, mais do que o caminho. |
Destinada a um grupo. | Destinada ao indivíduo; uma jornada pessoal, particular. |
Concentra-se mais no caminho para o objetivo; códigos de conduta. | Contém elementos comuns a todas as religiões (amor, crença, regras básicas e assim por diante). |
Um sistema de pensamento. | Uma aventura em direção à nossa origem individual. |
Um conjunto de crenças, rituais e cerimônias destinado a ajudar no progresso ao longo do caminho. | Um estado, além dos sentidos (além até mesmo do pensamento). |
Instituições e organizações. | Investigação em direção ao EU verdadeiro. |
Uma comunidade para compartilhar os fardos e as alegrias da vida. | A transição da incerteza para a clareza. |
Um modo de vida. |
Seja como for, a espiritualidade abarca elementos extremamente poderosos. Pode-se afirmar, com base no que ressuma da literatura consultada, que ela remove o que há de ‘pior’, ao mesmo tempo deixando (ou ativando) o que há de ‘melhor’ em cada um de nós. No LT ela se exterioriza nas pessoas de várias formas, mas sempre atrelada a alguma sensação ou sentimento positivo e de bem-estar.
Por exemplo, Pierce (2001, p.86-87) lembra que parte da EAT é assegurar que os empresários e executivos vejam os benefícios de um ambiente de trabalho feliz. O mesmo autor ensina que EAT diz respeito à evangelização, não por meio de proselitismo ou de uma forma fundamentalista, mas de um tipo estribado [apoiado] mais em ações do que em palavras. A disciplina da EAT pode ser praticada, em sua opinião, sem a necessidade de se forçar as nossas crenças religiosas em ninguém. E conclui que o propósito dessa disciplina deve ser o de converter as pessoas não ao nosso modo particular de pensar, mas a uma vida melhor no trabalho, o que mostra, em nossa visão, a importância do assunto.
5. Espiritualidade nas Empresas
Considerando que a maioria das pessoas suporta uma fé religiosa ou noção de espiritualidade, é natural supor que elas carreguem suas convicções para os LTs. Pode-se dizer que as suas atitudes e comportamentos tendem a refletir o grau de afinidade e congruência com os quais desposam tais crenças e princípios. O mesmo ocorre com o comportamento das organizações, pois convém recordar que as empresas são formadas por pessoas que para lá levam toda a carga de valores e ideais que as sustentam. Portanto, a prática empresarial tende a espelhar exatamente aquilo que os seus componentes acreditam e defendem, inclusive os aspectos morais (Anderson, 1997).
Quando a gestão de uma organização é movida por princípios elevados, torna-se, nas palavras quase poéticas de Neal (1999), um negócio consciente, indo além da responsabilidade corporativa, incorporando valores básicos e ideias calcadas no espírito para melhorar o ambiente em que ela atua e inspirando os seus esforços e iniciativas em assumir mais responsabilidade pelo abastecimento da alma humana.
Com propriedade, Oliveira (2001) argumenta que as empresas jamais poderão tratar o assunto espiritualidade de forma tão abrangente e direta como as religiões o fazem. Ele lembra que cada instituição tem a sua função específica. No entanto, ele ressalva que as empresas detêm um enorme poder para mudar – para melhor, obviamente – o mundo e as pessoas. Para Oliveira, talvez não exista outra instituição – exceção da família – com tal poder, nem mesmo a religião. De fato, são muitas as evidências a corroborar tal assertiva.
Segundo Oliveira (2001, p.67), o trabalho das empresas deve ser de complementaridade, tendo-se em vista que:
- As religiões mostram-nos o caminho.
- As empresas nos dão a oportunidade de trilhar o caminho.
- As religiões ensinam o respeito e o amor ao próximo.
- As empresas nos dão a oportunidade de amar e respeitar o próximo.
- As religiões nos ensinam a orar e as empresas nos dão as oportunidades de arar.
Hawley (1995) interpreta o que está acontecendo como a chamada do objetivo, do significado e do caráter da vida e nos negócios; é a chamada do espírito que não se destina somente aos indivíduos. Briskin (1997) oferece outra reflexão intrigante, isto é, as organizações refletem a luz da sociedade mais ampla. Para esse autor, o que acontece na sociedade – perda de valores essenciais, utilização de bodes expiatórios e pânico por soluções -, reverbera nas empresas. Admitamos que a relação causal é consistente. Mas Briskin (1997) sensatamente adverte sobre o desafio de se criar cenários que representem o ser humano como um todo, o que implica, inicialmente, em enfrentar a dinâmica da sombra.
No plano mais prático, Matos (2001, p.15) considera que a abordagem espiritual no contexto das empresas é caracterizada por:
- Verdades comuns. A filosofia da empresa.
- Propósitos institucionais. A missão da empresa.
- Orientação à ação. As políticas organizacionais.
- Valorização humana. A essência da liderança e do negócio.
Cavanagh (1999) nota que a ética nos negócios e espiritualidade podem suportar um ao outro porque existem muitas semelhanças entre suas metas e aspirações. Sob a perspectiva religiosa, Friedman (2001), a propósito, ao examinar o impacto do Judaísmo nos negócios, também destaca a questão ética. Nesse ponto da investigação emerge, portanto, o fato de que a conduta ética constitui um dos pilares da espiritualidade. Por conseguinte, sugere-se que quanto mais sintonizadas estiverem as pessoas e organizações com esse valor basilar mais avanços se obterão no progresso moral humano.
Neck e Milliman (1994), por outro lado, vislumbram a possibilidade – plausível e desejável, ao nosso ver – de que, no futuro, a missão das empresas será mais voltada aos propósitos mais elevados de contribuição ao padrão geral de vida e qualidade da sociedade. Sob tal pressuposto, o termo lucro será menos um fim e mais um meio da atividade empresarial. Em termos de competição, Pierce (2001) argumenta que existem inúmeros casos de empresas que são bem-sucedidas sem a necessidade de esculhambar os seus concorrentes.
Já para Oliveira (2001), espiritualidade na empresa deve ser vista como ação da religiosidade, ou seja, o funcionário pôr em prática – em favor do próximo – o que sua religião prega. Assim, a empresa que cultiva a ideia de Deus em seu ambiente,
‘(1) transcende o sentido de identidade do funcionário, isto é, respeita e valoriza-o independentemente de sexo, profissão, cor, raça, crença e ideologia;
(2) crê que cada ser humano é portador de uma essência superior, ou de uma centelha divina;
(3) respeita a condição evolutiva de cada funcionário; e
(4) procura resolver, sem paternalismo, as dificuldades sociais e culturais do funcionário’ (p.140).
Como a maior parte das correntes religiosas ensina a prática do amor, da caridade, do respeito ao próximo e do bem sem limites – virtudes, aliás que consignam respeito e admiração aos seus portadores independentes de suas crenças particulares -, a rigor deveríamos, de fato, nos mirar em tais recomendações – inclusive as organizações humanas nas dimensões apropriadas. Afinal, as pessoas, em sã consciência, gostam de ser bem tratadas, respeitadas e atendidas. Assim sendo, poderíamos, por exemplo, ser mais exigentes conosco e com nossas organizações quando nos coubesse implementar mudanças. Uma empresa espiritualizada tende – com base no exposto – a ser mais receptiva à criação de condições para realização e felicidade dos seus funcionários.
Empresas com esse perfil permitem que os seus colaboradores contemplem outros aspectos da vida, além de facilitar-lhes (Levering, 1997) os compromissos com a família, os amigos e os hobbies pessoais. Elas compreendem que a qualidade de vida é coisa séria e buscam proporcionar aos seus funcionários, de todas as maneiras possíveis, meios para que dela desfrutem.
Matos (1998), a seu turno, observa que sem um projeto de empresa voltada á felicidade, cria-se espaço para empresas violentas (profundamente materializadas), cujas manifestações, desde tempos remotos, ganharam destaque após a Revolução Industrial e na pós-modernidade.
Essas organizações são caracterizadas pelo obsoletismo planejado de produtos e tecnologias e pela ambição desmedida e o lucro voraz que reduzem a qualidade de vida. Sua ênfase está em vencer, vencer e vencer, custe o que custar.
Freitas (2002) assevera que o individualismo e a racionalidade instrumental exacerbadas só podem produzir um mundo de egoístas e cínicos, o que não interessa a ninguém. Aliás, tais características constituem a antítese dos postulados discutidos até aqui. Afortunadamente, a espiritualidade está em pauta nas organizações (O’Donell, 1997) e a felicidade no LT é, inegavelmente, uma das suas mais cristalinas manifestações.
No mesmo diapasão, Matos (2001, p.35) reconhece que ‘A felicidade é um bem essencial de empresa, pois é fator de produtividade e garantia de renovação contínua. A pessoa feliz está aberta às transformações e à espiritualidade.’ Matos (2001) acrescenta ainda que, como princípio organizacional, a felicidade funciona como o meio social que proporciona bem-estar de espírito (sensação de paz), assim como estar bem, que quer dizer voltar-se ao outro (nosso companheiro de jornada, nosso cliente, etc.), contribuindo para a melhora das condições de trabalho.
E como resultado se tem a maior motivação do homem: realizar, realizando-se.
Todavia, tais estados só são alcançados quando ocorre a valorização do ser humano. Pode parecer até um pouco piegas nos tempos atuais falar de valorização humana. Mas, por mais paradoxal que possa parecer, esse é o caminho mais lógico a ser percorrido.
6. Os supostos benefícios associados à espiritualidade
Ao longo deste trabalho alguns benefícios associados à EAT já foram abordados, mas nesta seção pretendemos esmiuçá-los. Acreditamos que os ganhos atinentes à sua adoção não sejam facilmente mensuráveis, tendo-se em vista que não se trata de uma ferramenta de gestão propriamente dita. Num contexto em que tem prevalecido a lógica dos retornos financeiros de curto prazo, a demissão de funcionários sempre que um modesto sinal de anormalidade surja no horizonte e a busca incessante de estruturas hierárquicas horizontalizadas, quando não apenas minimalistas, tentar produzir transformações sem o apelo material soa como quase utópico.
Consequentemente, avaliar a perspectiva espiritual mediante tais critérios nos parece inadequado. Mas tão importante quanto a coluna de lucros é o conjunto de princípios que poderiam – assim nos parece – nortear a gestão de um negócio quando se abarcam os postulados da espiritualidade. Como a lógica exclusivamente materialista – cujos sinais são sobejamente conhecidos – tem trazido muita infelicidade ao LT, a contrapartida espiritual poderia teoricamente levar – assim especulamos – a um desejável equilíbrio.
Por isto, o quadro 3 apresenta uma síntese dos potenciais resultados da EAT extraídos da literatura revisada.
QUADRO 3 POTENCIAIS CONTRIBUIÇÕES DA EAT
PARA | RESULTADO ESPERADO |
PESSOAS | * Valores * Virtudes * Atitudes |
EMPRESAS | * Valores * Responsabilidade social * Visão * Valorização humana * Qualidade |
No que concerne às pessoas (empregados), a compreensão – e, sobretudo, assimilação – sobre o significado da espiritualidade – inspirado ou não em crenças religiosas e baseado no senso comum – pode levar a uma mudança de valores. A partir daí, aspectos conscienciais passam a atuar com muito mais vigor. Por conseguinte, passa-se a cultivar determinadas virtudes que antes estavam um tanto quanto esquecidas, tais como: misericórdia, compaixão, bondade, honestidade, caráter, entre tantas outras. O respeito aos semelhantes torna-se obrigação. Readquire importância a necessidade de paz interior e outras dimensões da vida como família, lazer, saúde e solidariedade.
O lado mais visível dessa transformação é a mudança de atitudes. As pessoas tendem a ser mais brandas, justas e serenas na condução de suas vidas diárias. Em decorrência disso, elas sentem a necessidade de fazer aos outros aquilo que gostariam que a elas lhes fosse feito. Lesar, enganar, manipular e explorar os semelhantes se tornam atitudes absolutamente intoleráveis. Descobre-se, enfim, que a vida é muito mais que um cargo e um bom salário. Além disso, adquire-se mais força e equilíbrio psíquico para se enfrentar as vicissitudes da existência (afinal, quem não as têm?).
No outro extremo estão as empresas que, segundo Mitroff e Denton (1999b), quando vistas como mais espiritualizadas, obtêm mais de seus participantes e vice-versa. Ou seja, é uma troca em que todos tendem a sair ganhando. Ou, como sugere Butts (1999), direciona ao desenvolvimento humano completo. Para Rosenbluth e Peters (1998) as empresas têm todo o direito de esperar o melhor de seus empregados desde que elas criem um ambiente à altura de tais expectativas.
Entretanto, Milliman et. Al. (1999) asseveram que se a questão da espiritualidade pode er um impacto positivo em empregados e organizações, ela é relevante porque muitos CEOs não irão aceitar a sua prática, ao menos que ela favoreça a linha de lucro. A essa altura, entendemos que as mudanças que a ideia de espiritualidade enseja podem contribuir também para os resultados. A propósito, Mitroff e Denton (1999a) avaliam que se as organizações desejam ser lucrativas no longo prazo, precisam aprender a como ser espiritualizadas.
Diante disso tudo, uma empresa só pode ser classificada de espiritualizada a partir do momento em que ela, tal qual as pessoas que a compõem, passa a ser movida por valores. E o lado mais saliente dessa virtude é a prática incessante da ética nas relações e decisões e no comportamento moral irreprochável dos seus dirigentes.
Sejam as organizações movidas por atitudes benignas e cooperativas – isto é, calcadas na espiritualidade -, ou focadas na manutenção do valor de suas reputações, o tema da ética passou a ser uma preocupação crescente (Zylbersztajn, 2002).
Hoje, a dimensão responsabilidade social é uma questão empresarial estratégica e, como tal, deve ser tratada, indiscutivelmente, como um investimento que melhora a performance de longo prazo das empresas (Varadarajan e Menon, 1988, p.59), apesar de muitas empresas encararem-na – juntamente com sustentabilidade – como coisa somente ao alcance dos ricos (Handy, 2002).
Na opinião de Herman e Gioia (1998), clientes, acionistas e outros stakeholders estão procurando por mais do que apenas lucro, o que não deixa de ser auspicioso, pois organizações que não praticarem a responsabilidade social tendem a receber o desprezo de toda a sociedade. A visão, por sua vez, para ser integradora deve necessariamente ser compartilhada entre os seus membros. Não há mais dúvida em relação a isso.
Conforme Senge (1998, p.235), ‘Uma visão compartilhada, especialmente uma visão intrínseca, eleva as aspirações das pessoas. O trabalho torna-se parte da busca de um propósito superior incorporado aos produtos e serviços das organizações…’ E o mesmo autor acrescenta que ‘As visões são excitantes. Criam a centelha, o entusiasmo que eleva a organização do mundano (…).’ Se a visão for suficientemente convincente, os empregados terão orgulho em se envolver e dela fazer parte.
Nesse sentido, Neck e Milliman (1994) esclarecem que o desenvolvimento de uma visão espiritual pode amarrar os empregados á empresa e elevar a performance, segundo Thompson (2000), baseado em estudos efetuados pela Harvard Business School e Vanderbilt University Business School, em 400 a 500% em termos de ganhos líquidos, retorno sobre o investimento e o valor para os acionistas.
No bojo da EAT, está a valorização humana; é uma condição sine qua non. Não como um artifício retórico, mas através de ações concretas. Do contrário, se tem a desconfiança, o ceticismo e, por fim, a desarmonia no LT. Mais grave ainda: a perda de talentos e capital humano, cuja substituição pode até ser, dependendo das circunstâncias, impossível. A valorização para Oliveira (2001, p.69) significa enxergar cada funcionário na sua condição plena, isto é, biológica, mental, emocional, espiritual, filosófica e social.
E a razão dessa tendência, segundo ele, não é filantrópica, mas é que as empresas estão se tornando mais inteligentes. Finalmente, elas descobriram que nesse mundo sistêmico e interligado elas só sobreviverão se obtiverem do seu pessoal um trabalho de verdadeira equipe em que predomine a visão holística. E equipes, lembra o autor, são formadas de pessoas. Segue daí a inevitabilidade de as empresas valorizarem e respeitarem, crescentemente, os seus funcionários. Quem procede de modo contrário, provavelmente enfrentará sérios problemas no futuro.
Por fim, um outro elemento crítico e indispensável é a qualidade. Com qualidade queremos dizer a preocupação com o provimento de produtos e serviços que embutam uma perspectiva societal. Ou seja, soluções que apresentam qualidade de vida e que, por isso mesmo, contemplem a sociedade (bem-estar do homem), os consumidores (satisfação de desejos) e das empresas (lucro) conforme recomendam Kotler e Armstrong (2003).
Podem ser considerados exemplos de tais condutas: (1) Johnson & Johnson no caso da adulteração das cápsulas de Tylenol que, não obstante a geração de uma perda imediata de 240 milhões de dólares, fortaleceu a confiança e a lealdade do consumidor para com a empresa e a marca continua a ser a mais consumida dos Estados Unidos (Kotler e Armstrong, 2003); (2) a crescente onda de produtos orgânicos (Loturco, 2002); (3) o lançamento de um produto mais saudável da Elma Chips (O Salgadinho…, 2002).Acreditamos que a sociedade tenderá, cada vez mais, a execrar produtos e serviços não saudáveis.
Sugerimos que as empresas que desrespeitam o meio ambiente, funcionários e consumidores e que prejudicam a saúde humana não ‘rezam’ pelos ditames da espiritualidade. Embora existam muitos outros benefícios associados à espiritualidade, dadas as limitações de espaço, nesta seção nos detivemos aos essenciais.
7. Desafios, implicações e recomendações para futuros estudos
A essa altura da investigação revelou-se que os benefícios e os desafios da ELT são igualmente significativos. Migrar de um padrão assentado no materialismo exacerbado e no lucro inconsequente para a proposta espiritualizante envolve a superação de gigantescos obstáculos. Entretanto, se as dificuldades são consideráveis, as recompensas, aparentemente, também o são. Não é uma tarefa fácil, mas é perfeitamente viável. Para Mitroff e Denton (1999a), as organizações só enfrentarão os desafios desse milênio se lidarem com as preocupações ligadas à EAT. Em nossa visão, tais preocupações estão fortemente apoiadas na concepção de progresso humano.
Neal (1999), por sua vez, especula que as empresas deverão ser administradas de maneira diferente neste século. E um dos sinais de mudança, segundo o autor, é o fato de que as organizações estão começando a levar mais seriamente as suas declarações de valores e de missões. A coerência que os administradores terão de demonstrar em relação ao cumprimento dessas diretrizes exigirá um esforço hercúleo.
Um outro aspecto desafiador será o de reconhecer que, para as empresas se manterem competitivas, deverão ser altamente sensíveis às necessidades e expectativas de seus empregados (Herman e Gioia, 1998). Desconfiamos que organizações que tratarem os seus funcionários sem a devida consideração e respeito terão sérias dificuldades em atrair e manter os melhores talentos humanos. Sobre isso, Herman e Gioia argumentam que os trabalhadores não estão mais dispostos a fazer parte de um ambiente autoritário e desumano. Mas, se as condições não permitirem a eles imediatamente se afastar dos LTs com tais características, provavelmente na primeira oportunidade o farão.
Obviamente, às lideranças caberá um papel fundamental na construção da EAT. Nesse sentido, bons líderes podem levar as organizações (incluindo as pessoas) ao ‘céu’, enquanto os maus podem levá-las ao ‘inferno’. Com a mesma preocupação, Thompson (2000) adverte que se os executivos seniores compreenderem quão vital um AT espiritualizado é para as metas corporativas, eles certamente darão mais apoio ao seu desenvolvimento.
Apropriadamente, Konz e Ryan (1999) ressaltam que a espiritualidade dos líderes é a chave para a ELT. Segundo Frost (2003), eles podem criar uma cultura organizacional impregnada de reações compassivas, investindo nos processos de preparação das pessoas para responder às situações mais penosas de maneira generosa, afetiva e respeitosa.
Portanto, quanto mais espiritualizados os líderes forem, bem maiores as perspectivas de ambientes harmonizados e equilibrados. E aí reside um desafio crucial, ou seja, o de se conhecer os benefícios da espiritualidade. Como não é matéria ainda ensinada nas escolas de administração brasileiras, caberá aos interessados empenho em dominar um assunto que não é absolutamente esotérico, hermético ou dogmático, pelo menos no que diz respeito às suas implicações morais.
À guisa de sugestão, futuros estudos deveriam apurar, entre outras coisas, como as pessoas lidam com a ELT, isto é, associações, práticas, rotinas e hábitos religiosos-espirituais adotados para lidar com as crescentes pressões existentes, bem como os mecanismos usados no trato (1) com chefias autocráticas e (2) com o fato de trabalhar para empresas aéticas, exploradoras e insensíveis ao bem-estar dos seus funcionários e ao meio ambiente.
Quanto às lideranças seria muito elucidativo auscultar quais são as estratégias utilizadas por esses profissionais para lidar com a fé particular dos liderados e se a questão espiritual e/ou religiosa serve de inspiração nas tomadas de decisões.
E para empresas, a investigação de índices de absenteísmo, turnover, burnout, satisfação no trabalho e clima, por exemplo, poderia dar uma ideia do grau vigente de ELT.
8. Conclusões
Diferentemente dos padrões que até então dominaram as pessoas e organizações, a concepção espiritual vem romper com crenças e valores exclusivamente materiais, daí o seu caráter aparentemente ‘revolucionário’. Trata-se de uma mudança radical de paradigmas.
Por outro lado, espiritualidade não é um assunto tão novo assim, dada a sua estreita ligação com as religiões. O seu apelo é completamente voltado ao interior, à consciência, aos valores, enfim, que norteiam pessoas e, por extensão, instituições.
Hoje e cada vez mais tornam-se inaceitáveis determinados comportamentos e atitudes que venham a prejudicar pessoas, o meio ambiente e o bem-estar geral.
E a perspectiva espiritual vem nos lembrar que devemos viver uma existência digna e justa, de tratarmos as pessoas como gostaríamos de ser tratados, de não explorarmos, de não roubarmos, de não enganarmos e nem desrespeitarmos nossos semelhantes porque, conscientemente, não gostamos de ser explorados, de sermos roubados, de sermos enganados ou de sermos desrespeitados. Tais escolhas indicam, obviamente, o quanto se é espiritualizado, sejam pessoas ou organizações.
Desonestidade, mesquinhez, avareza, indiferença em relação à dor do próximo, impiedade, falta de compaixão e ética são características – encontradas em profusão em nosso planeta ainda – de atraso moral. Como contraponto, a questão espiritual vem, pelo que pudemos apurar, ajudar a despertar nas criaturas humanas o que elas têm de melhor, às vezes dormitando em algum lugar da consciência, esperando para desabrochar.
No dia a dia aderir à espiritualidade significa fazer sempre o melhor ao nosso alcance, de praticarmos a bondade sem limites, de levarmos para o LT – ou qualquer outro lugar – boas vibrações e sentimentos, a bondade, a harmonia e nossas capacidades e talentos visando ao bem-estar e ao progresso coletivo.
Para as empresas, por outro lado, introjetar os conceitos espirituais envolve dar oportunidades às lideranças que, por meio de ações e palavras, também se sintonizem com tais ideais. Potencialmente, tal atitude pode implicar no sacrifício imediato de lucros maiores, mas certamente se ganhará em respeito, admiração e na performance de longo prazo.
A EAT também envolve maior respeito à diversidade, às opções de cada um e ao direito que o trabalhador tem de ser informado sobre a estratégia, performance e metas da empresa. Em outras palavras, incentiva-se a participação e realização de todo o potencial humano.
Do lado estratégico, conforme averiguamos nas páginas anteriores, a EAT empurra as organizações para o cultivo de valores éticos-morais e práticas de responsabilidade social.
Diante do exposto, a nossa investigação aponta para o fato de estarmos vivendo o início de uma transformação silenciosa marcada pelo paradigma de espiritualidade (queiram adotar esse nome ou não). Ademais, o modelo tradicional de progresso que prevaleceu até hoje não conseguiu e não está conseguindo compatibilizar adequadamente as demandas e expectativas de todos os segmentos.
A nossa investigação revelou também que a concepção espiritual tem muito a oferecer de positivo às organizações e às pessoas – muito além do fad-management. Afinal, já há um considerável número de evidências empíricas que, por sua vez, sinalizam que a EAT cria uma nova cultura organizacional na qual os empregados se sentem mais felizes e desempenham melhor (Garcia-Zamor, 2003).
Ou seja, trata-se, ao que tudo indica, de um enorme salto qualitativo ou de uma quebra de paradigma numa direção nunca antes cogitada.
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Notas
- Ver o Novo Testamento. S. Mateus, capítulo XXII, versículos 15-22 e S. Marcos, capítulo XII, versículos 13-17
- Ver o Novo Testamento. S. Mateus, capítulo VII, versículo 12
- Ver o Novo Testamento. S. Lucas, capítulo VI, versículo 31
Autor do artigo: Anselmo Ferreira Vasconcelos. Consultor de Marketing, Vendas e Transformação Organizacional. Bacharel em Comunicação Social ESPM-SP. Mestre em Administração Empresas PUC-SP
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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios podem ajudar tanto as Pessoas como as Organizações.