Série de artigos A Ética Budista nos Negócios.

Nós estamos destacando trechos de um artigo denominado “What Does ‘I Am the Way…’ Mean?” [“O Que Significa ‘Eu Sou o Caminho…”], do autor Ajahn Amaro, visando inputs para o conhecimento e o entendimento sobre o sistema de pensamento (ética, princípios e valores), o sistema organizacional (ambiente de trabalho, de relacionamentos e de políticas) e o sistema de tomada de decisões (propósitos, resultados e metas) de uma Organização Baseada na Espiritualidade (OBE), sendo esse tipo de Organização uma tendência global irreversível para as pequenas, as médias e as grandes Empresas, em quaisquer mercados de atuação, que visam a agregação de valor para todos os envolvidos nos negócios, assim como a sua própria perenidade.

Fonte:

Artigo: What Does ‘I Am the Way …’ Mean?

Site: Amaravati Media – Dhamma Books and Articles

Tradução livre Projeto OREM® (PO)

Observação PO: Considerando a inquestionável globalização e o cenário mundial aberto às imprescindíveis inovações tecnológicas, assim como aos inovadores sistemas de pensamento para tomadas de decisão baseados na espiritualidade, pano de fundo em que os negócios estão inseridos atualmente, uma questão que vem à mente é se é possível aceitar a proposição de uma Verdade Universal. Ou seja, os grandes Mestres do presente, do passado e do futuro referem-se à uma Mesma e Única e Absoluta Verdade? Esse artigo, como outros desse blog, validam essa proposição, fazendo-nos acreditar na viabilidade de uma única Religião, uma única Filosofia, uma única Ciência, refletindo numa única Ética Espiritual, estendendo-se, por todo o planeta Terra, a Unicidade do Céu.

“O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está em cima”. Princípio Hermético de O Caibalion.

Autor:

Ajahn Amaro

Site: Ajahn Amaro (2006)

Sobre o Autor:

Ajahn Amaro – Ordenado em 1979

Nascido na Inglaterra em 1956, Ajahn Amaro formou-se em Psicologia e Fisiologia pela Universidade de Londres. A sua busca espiritual o levou à Tailândia, onde frequentou Wat Pah Nanachat, um monastério da Tradição da Floresta estabelecido para discípulos Ocidentais do mestre de meditação Tailandês Ajahn Chah, que o ordenou bhikkhu em abril de 1979. Ele retornou à Inglaterra em outubro de 1979 e juntou-se a Ajahn Sumedho no recém-criado Monastério de Chithurst, em West Sussex.

Em 1983, ele fez uma jornada de 1.330 quilômetros de Chithurst até um novo monastério filial, Harnham Vihāra, próximo à fronteira com a Escócia. Em julho de 1985, ele se mudou para o Monastério Budista Amaravati, ao norte de Londres, onde residiu por muitos anos. No início da década de 1990, ele começou a viajar para a Califórnia todos os anos, fundando o Monastério Abhayagiri, perto de Ukiah, no norte da Califórnia, em junho de 1996.

Ele viveu em Abhayagiri até o verão de 2010, ocupando o cargo de co-abade junto com Ajahn Pasanno. Naquela época, ele então retornou ao Mosteiro Budista de Amaravati, na Inglaterra, para assumir o cargo de abade dessa grande comunidade monástica.

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What Does ‘I Am the Way…’ Mean?

O Que Significa “Eu Sou o Caminho…”?

“João 14:6 na Bíblia diz: “Eu sou o Caminho e a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.”.

Há alguns anos, eu fui convidado a me juntar ao Padre Laurence Freeman OSB para coliderar uma noite de reflexões na Catedral de Old St Mary, em São Francisco. Isso foi uma espécie de continuação do seminário intitulado ‘The Good Heart’ [‘O Bom Coração’], que a Sua Santidade o Dalai Lama havia conduzido em Londres em 1994, quando eu foi convidado pela Comunidade Mundial para a Meditação Cristã a comentar os Evangelhos. O Padre Laurence havia organizado e presidido o evento e eu também tive a honra de participar nisso.

Alguém que tinha enormemente apreciado o evento e a riqueza do diálogo inter-religioso que ele tinha suscitado foi Janice Del Fiacco, uma moradora da Bay Area. Ela estava ansiosa para incentivar discussões semelhantes em sua cidade natal, então o encontro em São Francisco foi organizado. Além disso, assim como a Sua Santidade o Dalai Lama havia comentado os textos dos Evangelhos, ela me perguntou se eu faria o mesmo e se o Padre Laurence poderia refletir sobre alguma coisa a partir das escrituras Budistas.

Desde o início, eu ressaltei que, assim como a Sua Santidade o Dalai Lama, eu era um amador no Cristianismo e não podia falar com autoridade sobre fontes Latinas ou Gregas. No entanto, como o Padre Laurence alegou a mesma ignorância em Páli e Sânscrito e o espírito do evento eram as reflexões de contemplativos e não análises textuais de estudiosos, nós concordamos que essa falta de conhecimento não deveria ser um obstáculo. Apenas nos referiríamos aos textos recebidos e ofereceríamos reflexões com base nisso. Da mesma forma, eu só sou capaz de me referir aqui a fontes derivadas e oferecer comentários baseados em experiência direta; os leitores são encorajados a ter isso em mente ao prosseguirem.

Quando nós ponderamos quais passagens poderiam ser mais interessantes e úteis para o grupo que se reuniria nos recantos sombrios da catedral, uma citação dos Evangelhos imediatamente me veio à mente. ‘Que tal: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim’?”, eu sugeri, um tanto impetuosamente.

‘Sério?’, perguntou o Padre Laurence, com o rosto assumindo uma expressão de surpresa, interesse e um pouco de ansiedade. ‘Você pensa que isso é sábio?’

‘Eu penso que é o ideal’, eu respondi, ‘é o versículo da Bíblia que mais nos é citado quando alguém fala de uma posição triunfalista ou excludente, tentando afirmar que tudo o que nós, Budistas, acreditamos (ou aqueles de qualquer fé que não seja a Cristã) tem que estar errado. No entanto, quando você olha para esse versículo reflexivamente, ele é um ensinamento de meditação muito poderoso.’

Como nós só tínhamos tempo para um trecho cada e talvez em resposta à minha ideia de usar João 14:6, ele escolheu para ele mesmo recitar o Kālāma Sutta. Esse é o ensinamento em que o Buda encoraja os ouvintes dele a não acreditarem em escrituras, lógica, tradição parental, costumes comuns ou mesmo nas palavras de um professor confiável como ele, mas sim a avaliar a eficácia de qualquer ensinamento ou prática espiritual pela real riqueza de bondade que ele traz à vida. Se isso leva ao bem-estar para você mesmo e para os outros, aceite isso e use isso; se isso leva à dificuldade e à divisão, deixe isso de lado.

Embora os meus pais não fossem frequentadores de igreja, eu fui educado em escolas da Igreja Anglicana, com um breve culto e leitura da Bíblia no início de cada dia. Desde a infância, a maneira como esse versículo de João me soava sempre foi um tanto desagradável. Havia uma aspereza na forma como era sempre pronunciado; Jesus era feito soar como um irmão mais velho agressivo guardando a porta do escritório do Pai, ou um oficial policial mandão e orgulhoso de sua posição privilegiada. Mais precisamente, o versículo era usado para dizer: ‘O Cristianismo está certo – todos os outros estão errados!’

Em geral, não parece exagero dizer que é assim que as palavras são usadas com mais frequência hoje em dia e quase certamente esse foi o motivo da reticência do Padre Laurence em relação aos meus comentários. Em setembro de 2006, estava nos cartazes de alguns Evangelistas fervorosos do lado de fora dos ensinamentos do Dalai Lama em Pasadena, pessoas de bom coração ansiosas para nos salvar dos sofrimentos intensos (fiery pits).

Desde os primeiros momentos em que eu comecei a pensar nessas coisas, quando eu tinha seis ou sete anos, eu me perguntava: ‘O que os torna certos? Eles dizem isso, mas podem provar isso?’. Foi então que eu abandonei o Cristianismo, principalmente por causa da exigência de acreditar no que não era crível ou demonstrável para mim. Só anos mais tarde eu reconheci que, se as palavras forem tomadas em um nível pessoal, entendidas apenas como apoio a tendências tribalistas – ‘O meu time é melhor que o seu!’ – nós estamos perdendo um ensinamento rico e liberador.

A minha introdução ao Budismo, à meditação e à vida monástica ocorreu na Tailândia. Depois de morar lá por alguns anos, eu retornei à Inglaterra e a Cittaviveka, o mosteiro em West Sussex, recentemente inaugurado por Ajahn Sumedho.

Não foi tanto o interesse pelo Cristianismo que despertou em mim naquela época; foi mais o fato de que, em um mosteiro Budista na Inglaterra e não na Tailândia, havia um fluxo constante de visitantes e encontros com Cristãos, alguns dos quais eram crentes convictos e outros que estavam questionando ou eram abertamente avessos ao Cristianismo.

Basta dizer que se falava mais sobre os ensinamentos Cristãos e, portanto, havia mais motivos para refletir sobre eles, do que eu havia tido contato desde que eu saí da escola, cerca de sete anos antes.

Eu não me lembro agora o que me trouxe isso à mente um dia – talvez uma palestra de Ajahn Sumedho ou uma conversa com um dos hóspedes do mosteiro – mas eu tenho uma lembrança clara de estar sentado em meditação uma noite e me lembrar do versículo de João: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida…’. Então me ocorreu: ‘Eu tenho estado meditando há alguns anos e tenho um entendimento claro do que são ‘o Caminho’ e ‘a Verdade’, mas nenhum deles tem absolutamente nada a ver com Jesus… Hmmm.’

Eu não estava agonizando com nenhuma dúvida em minha mente; eu estava simplesmente usando as faculdades da reflexão sábia (yoniso manasikāra) e da investigação da realidade (dhammavicaya) para explorar esse tema interessante. O tópico então se desenvolveu ainda mais: ‘Bem, se eu sei o que são o Caminho e a Verdade e eles são essa experiência atual da Realidade, então Jesus Cristo estava obviamente usando as palavras ‘Eu Sou’ de uma maneira muito diferente daquela expressa pelas vozes evangélicas e triunfalistas. Ahá! Talvez seja isso.’

Eu então, lembrei-me de que certa vez, quando Ajahn Sumedho comentava sobre essa passagem, ele teria dito: ‘Para mim, isso significa apenas ‘Seja atento’’. Essas palavras imediatamente me fizeram lembrar do famoso verso do Dhammapada:

‘A atenção plena é o caminho para o Imortal,
A negligência é o caminho para a Morte;
Os atentos nunca morrem,
Os desatentos são como se já estivessem mortos.’
[Dhp 21]

À medida que essas frases se formavam em minha memória, tornou-se claro que, misteriosamente, essas duas passagens da Bíblia e das escrituras Budistas pareciam quase análogas, com um pouco de flexibilidade em termos de simbolismo e terminologia religiosos.

Eu estou plenamente ciente de que pode ser presunçoso, senão absolutamente perigoso, colocar palavras na boca de outros, especialmente de grandes videntes e sábios. No entanto, deve-se lembrar que essas reflexões são oferecidas aqui com o propósito de serem contempladas e não como declarações categóricas. Dessa maneira, espera-se que sejam motivo para o surgimento de insights férteis e o surgimento de novas realizações.

Em certa ocasião, um padre Católico que estava hospedado em um dos mosteiros de Ajahn Chah perguntou: ‘Você pensa que o objetivo da vida espiritual, segundo os Cristãos e o da vida espiritual, segundo os Budistas, é o mesmo?’ Ajahn Chah respondeu: ‘Como pode haver duas Realidades Supremas? Se houvesse, uma delas não seria a suprema.’ Se nós assumirmos que a percepção de Ajahn Chah estava correta, isso significa que nós estamos falando de uma única Realidade Suprema que é capaz de ser realizada através de muitos e variados meios hábeis e simbolizada de diversas maneiras.

À medida que essas frases se formavam em minha memória, tornou-se claro que, misteriosamente, essas duas passagens da Bíblia e das escrituras Budistas pareciam quase análogas, com um pouco de flexibilidade em termos de simbolismo e terminologia religiosos.

O termo ‘o Pai’ é usado em todos os Evangelhos para se referir a Deus como a Realidade Suprema. Ajahn Buddhadāsa, um mestre Budista altamente influente do século XX e um dos grandes monges filósofos da Tailândia, que traduziu a Bíblia para o Tailandês, disse que ‘Dhamma’ é a melhor tradução em Tailandês para a palavra ‘Deus’, tendo os dois princípios muitas características em comum, como a imortalidade ou a perpetuidade. A principal diferença é que ‘Dhamma’ não pode ser personificado de forma alguma, ou seja, ele não pode ser interpretado como algum tipo de ser separado; ao invés disso, é a Realidade transcendente que é a fonte e a estrutura de todos os reinos mental e físico. No entanto, se nós tomarmos a liberdade de deixar de lado o elemento pessoal por enquanto, o versículo de João pode ser reescrito: ‘…ninguém chega à Realidade Imortal exceto por mim’.

Em certa ocasião, um padre Católico que estava hospedado em um dos mosteiros de Ajahn Chah perguntou: ‘Você pensa que o objetivo da vida espiritual, segundo os Cristãos e o da vida espiritual, segundo os Budistas, é o mesmo?’ Ajahn Chah respondeu: ‘Como pode haver duas Realidades Supremas?’ Se houvesse, uma delas não seria a suprema.’ Se nós assumirmos que a percepção de Ajahn Chah estava correta, isso significa que nós estamos falando de uma única Realidade Suprema que é capaz de ser realizada através de muitos e variados meios hábeis e simbolizada de diversas maneiras.

Ao reunir essas passagens paralelas e equiparar os seus termos, se ‘o Pai’ é equivalente à ‘o Imortal’, ‘Eu Sou’ tem a sua contrapartida em ‘atenção plena’. A palavra Páli traduzida como ‘atenção plena’ aqui é appamāda, que também pode ser traduzida como ‘atentividade’ ou ‘consciência no nível da realidade [awareness] desperta’; isso significa um conhecimento plenamente sintonizado e sincero do momento presente, livre de qualquer viés ilusório e imbuído de uma sabedoria profunda e genuína. Assim, a implicação da declaração de Jesus: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’, quando entendida dessa forma, é que a consciência no nível da realidade [awareness] plena é a personificação da natureza dele, o que alguns têm chamado de consciência no nível da percepção [consciousness] Crística.

O uso das palavras ‘a Vida’ no versículo de João também encontra eco nas palavras do Buda: ‘Aquele que se mantém atento jamais morre’. Curiosamente, isso é corroborado por outras declarações a partir do Evangelho de João:

‘Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele.” [João 3:36]

‘Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá… E todo aquele que vive e crê em mim jamais morrerá.’ [João 11:25-26]

Assim como essas palavras de Jesus, a frase do Buda pode obviamente ser entendida de várias maneiras. Se tomada em um nível superficial, soa como se o Buda estivesse dizendo: ‘Se você jogar as suas cartas corretamente e for cuidadoso o suficiente, o seu corpo jamais morrerá’ . Como o seu próprio corpo deixou de viver após oitenta anos, isso é um grande indício de que ele não está falando de corpos [físicos] aqui.

Ao invés disso, ele está dizendo que, quando há plena consciência no nível da realidade [awareness] desperta, não há identificação com o corpo ou com fatores condicionados da mente. A realização do Dhamma é tão completa que a vida ou a morte do corpo tem tão pouca importância quanto a rotação da Terra em direção ao Sol. Como as escrituras Budistas reiteram com tanta frequência, o corpo e a mente são não-eu (não-ser, não-self), então o coração permanece sereno em todos os altos e baixos da vida, os seus muitos nascimentos e mortes psicológicos, triunfos e fracassos, bem como a ‘grande morte’ do corpo terminam. Como disse Santa Teresa de Ávila ao discorrer sobre o mesmo tema: ‘Nós morremos antes de nós morrermos para que, quando nós morrermos, nós não iremos morrer’.

Embora numerosos grupos Cristãos pensem em termos da ressurreição física de todos os corpos dos fiéis no Dia do Juízo Final, para o coração contemplativo parece altamente provável que Jesus pretendia que as suas palavras fossem entendidas da mesma maneira que as de Buda e como Santa Teresa que capta a essência disso em seu sucinto aforismo.

Outro ponto a ser enfatizado aqui é que, na filosofia Budista, a atenção plena, sati ou appamāda, ocupa uma posição singularmente significativa. É o primeiro dos Sete Fatores da Iluminação e, como tal, foi dito pelo Buda como ‘sempre útil’. O desenvolvimento dos Quatro Fundamentos da Atenção Plena, segundo o Buda, é ekāyana magga, às vezes (também triunfalmente!) traduzido como ‘o único caminho [para a salvação]’, sendo mais fielmente traduzido como ‘o caminho direto [para a purificação dos seres]’ (M10.2); e sati é o membro central das Cinco Faculdades Espirituais.

Mais importante ainda, essa mesma qualidade de vigília é vista como a própria essência da natureza do Buda. De fato, é por isso que a palavra ‘Buda’, que significa ‘aquele que é desperto’ ou ‘aquele que conhece’, tem passado a ser usada como o principal epíteto do grande professor.

‘Certa vez, o Abençoado viajava pela estrada entre Ukkattha e Setavya; e o brâmane Dona também viajava por essa estrada. Ele viu nas pegadas do Abençoado rodas com mil raios, com aros e cubos completos. Então, ele pensou: ‘É maravilhoso, isso é maravilhoso! Certamente essa jamais poderá ser a pegada de um ser humano.’

‘Então, o Abençoado deixou a estrada e sentou-se à raiz de uma árvore, de pernas cruzadas, com o corpo ereto e a atenção plena estabelecida à sua frente. Então, o brâmane Dona, que estava seguindo as pegadas, viu que ele estava sentado à raiz da árvore. O Abençoado inspirou confiança e segurança, as faculdades dele sendo tranquilas, a mente dele quieta e o conquistado supremo controle e serenidade: um régio de presas, autocontrolado e protegido pela contenção das faculdades sensoriais. O brâmane aproximou-se dele e perguntou:

‘Senhor, o senhor é um deus?

‘Não, brâmane.

‘Senhor, o senhor é um anjo celestial?

‘Não, brâmane.

‘Senhor, o senhor é um espírito?

‘Não, brâmane.

‘Senhor, o senhor é um ser humano?

‘Não, brâmane.

‘Então, senhor, o que de fato o senhor é?

‘Brâmane, as impurezas pelas quais, por não as ter abandonado, eu poderia ser um deus, um anjo celestial, um espírito ou um ser humano, têm sido abandonadas por mim, cortadas pela raiz, transformadas em um toco de palmeira, eliminadas e não estão mais sujeitas a um futuro surgimento. Assim como um lótus azul, vermelho ou branco nasce na água, cresce na água e se ergue acima da água intocado por ela, assim também eu, que nasci no mundo e cresci no mundo, tendo transcendido o mundo, eu vivo intocado pelo mundo. Lembre-se de mim como alguém que está desperto [buda]. [A 4.36]

Portanto, a consciência no nível da realidade [awareness] plena não é apenas parte do Caminho, um pré-requisito e condição para a realização da Verdade Suprema; pode-se dizer também que é uma personificação dela. Além disso, assim como Jesus Cristo se equipara à verdade no verso de João, as escrituras Budistas também, em algumas ocasiões, equiparam a manifestação física do despertar espiritual à Realidade Suprema. Por exemplo, quando o bhikkhu Vakkali adoece gravemente, o Buda sai de sua morada no santuário dos esquilos, no Bosque de Bambu, perto de Rājagaha, para visitá-lo. O Buda pergunta a Vakkali como ele está e, após relatar ao Mestre que a sua doença está piorando, Vakkali expressa o único arrependimento que lhe resta em seu coração.

‘‘Há muito tempo, venerável senhor, eu tenho desejado vir e ver o Abençoado, mas eu não tenho estado em condições de fazê-lo.’

‘Basta, Vakkali; por que você quer ver esse corpo imundo? Aqueles que veem o Dhamma me veem; aqueles que me veem, veem o Dhamma. Pois quando aqueles que veem o Dhamma é que eles me veem; e é quando eles me veem que eles veem o Dhamma.’ [S 22.87]

Em outra ocasião, um dos discípulos iluminados, o Venerável Mahā-Kaccāna, exalta as qualidades da natureza do Buda:

‘Pois, sabendo, o Abençoado sabe; vendo, ele vê; ele é visão, ele é conhecimento, ele é o Dhamma; ele é alguém santo; ele é o pronunciador, o proclamador, o elucidador do significado, o doador do Imortal, o Senhor do Dhamma, o Tathāgata!’ [M 18.12]

No entanto, todos os casos em que o Buda é identificado com a Verdade, por ele mesmo ou por seus discípulos, devem ser considerados à luz da ênfase que ele deu ao fato de que ‘o Tathāgata é apenas aquele que aponta o caminho’ (akkhataro Tathāgata). Meramente permanecer perto dele ou apegar-se aos seus ensinamentos nunca será suficiente para liberar o coração; nós temos que nos esforçar para ir na direção para a qual ele está apontando.

Se agora nós nos referirmos ao versículo de João e o relermos de maneira impessoal, ele também parece encorajar essa mesma qualidade de autoconfiança. Se for lido como significando: ‘A consciência no nível da realidade [awareness] desperta é o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém é capaz de realizar a Imortalidade a menos que seja por meio dessa qualidade’, nós somos igualmente lançados de volta aos nossos próprios recursos. Cabe a nós despertar a energia, o interesse e a determinação e considerar sabiamente como nos livrar dos atributos que obstruem o coração e cultivar e manter aqueles que o esclarecem. Isso implica que é necessário um esforço interno, conhecido em Japonês como jiriki, bem como assistência externa, que nós somos capazes de obter com auxílio daqueles que nos apontam o caminho e são capazes de encarnar a Verdade, conhecidos em Japonês como tariki.

Ao oferecer essas reflexões, eu estou ciente de que despersonalizar os ensinamentos Cristãos pode ser esclarecedor para alguns, mas desagradável, angustiante ou confuso para outros. Para muitos Cristãos praticantes, o elemento mais importante de sua fé é um relacionamento pessoal com Deus e eu não tenho a intenção de menosprezar essa dimensão da prática espiritual. Simplesmente, da perspectiva Budista, existem muitas e variadas maneiras de explorar o mistério da experiência e chegar a uma qualidade unificada de paz, liberdade e realização, a emancipação espiritual total.

‘A consciência no nível da realidade [awareness] desperta é o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém é capaz de realizar a Imortalidade a menos que seja por meio dessa qualidade’

Frequentemente, nesse ponto das discussões, um Cristão perguntará: ‘E o amor? Isso não faz diferença para você? O sagrado coração de Jesus é mais do que apenas atenção plena! Certamente…’ Muitos Cristãos sentem o amor vindo de Deus o Pai, Jesus ou Maria como uma presença tangível, como o amor que eles estendem a esses seres em troca. Em resposta a isso, assim como alguém é capaz de perguntar, ao ser citado em João 14:6: ‘O que exatamente você quer dizer com ‘Eu sou’?’, eu frequentemente pergunto: ‘O que exatamente você quer dizer com ‘amor’?’ Curiosamente, ambos os tipos de perguntas geralmente são respondidos com silêncio.

Quando você chega à sua essência, a experiência de amar totalmente ou ser amado totalmente é uma experiência de integridade; naquele momento, o eu (ser, self) e o outro, o amante e o amado, têm se perdido na presença da completude.

Ter um objeto ou pessoa externa que seja o foco da devoção é uma maneira de chegar à experiência da integridade da Realidade, entretanto, não é de forma alguma a única.

Na tradição Budista Theravāda, embora o Buda seja certamente descrito como a personificação de um amor abrangente, uma ênfase substancial também é colocada na linguagem não-personalizante das escrituras. Na filosofia Budista, uma frase como ‘O Dhamma me ama’ é completamente sem sentido, não sendo encontrada em nenhuma tradição Budista. Mais importante ainda, é impossível situar o Dhamma fora de si mesmo, mesmo como algum tipo de elemento impessoal. Ao invés disso, ele é visto como nós vemos a Natureza, como alguma coisa da qual cada aspecto de nós mesmos é intrinsecamente uma parte.

Para citar outra passagem famosa dos Evangelhos que alude de alguma forma a esse mesmo princípio: ‘O reino de Deus está dentro de vós.’ [Lucas 17:21]

As tradições Budistas do Norte têm se desenvolvido mais na maneira de práticas devocionais direcionadas a várias divindades e seres espirituais elevados, como a recitação do nome do Buda Amitabha ou do Bodhisattva Kuan Yin, ou as várias formas de yoga das divindades, onde a invocação deliberada de um ‘outro’ divino é empregada para abrir o coração à Realidade. No entanto, tais práticas são sempre vistas na tradição Budista como meros meios hábeis (upāya) para ajudar a romper com hábitos limitados de visão. Assim, pode haver uma relação profunda e devota com o Bodhisattva Kuan Yin no coração de um aspirante; no entanto, essa devoção é relembrada à luz da vacuidade e dos ensinamentos do ‘não-eu’ (‘não-ser’, ‘não-self’). Quando questionado se Tara realmente existiu, um lama Tibetano respondeu: ‘Ela sabe que ela não é real’.

Essas duas metodologias – a autoconfiança deliberada, por um lado, e a adesão consciente a um ser reverenciado, por outro – são vistas na tradição Budista como caminhos espirituais válidos. No entanto, o caminho da autossuficiência, o caminho do jiriki, é visto como o mais direto e, compreensivelmente, o mais exigente. É o caminho direto para o topo da montanha, enquanto as práticas de tariki, embora consideradas eficazes, são mais tortuosas e podem ser comparadas às trilhas sinuosas que sobem a montanha em um declive mais suave.

Curiosamente, alguns contemplativos Cristãos também têm reconhecido essas qualidades complementares como parte da vida espiritual. Em sua Ascensão do Monte Carmelo, São João da Cruz descreve várias práticas espirituais, usando a mesma comparação de um pico espiritual que necessita ser escalado como a imagem central dele. A mais exigente e direta de todas as abordagens que ele descreve é ​​chamada de ‘o caminho do espírito puro’ e na análise dele de sua [o caminho…] natureza, ele a resume como: ‘Nada, nada, nada, nada e mesmo sobre a Montanha, nada’. Com o uso dessa expressão, ele parece estar apontando para uma não identificação completa equivalente com todas as coisas, internas e externas e um desapego a elas, como o Caminho.

Essa é a mesma qualidade radical de desapego exemplificada na natureza do Buda e confirmada no verso 21 do Dhammapada. O coração puro não tem nada, nem lhe falta nada; é simplesmente a Realidade Suprema, ciente de sua própria natureza. Essa qualidade é evidenciada tanto nas palavras de Jesus: ‘Eu e o Pai somos um só’ [João 10.30] quanto nas palavras do Buda a Vakkali: ‘Aquele que vê o Dhamma, me vê; aquele que me vê, vê o Dhamma.’

Como já enfatizado, as reflexões aqui apresentadas são oferecidas no espírito de fertilização cruzada espiritual e diálogo, assim como temas semelhantes foram oferecidos naquela noite na Catedral de Old St Mary. Espera-se que, como resultado, as palavras desses maravilhosos professores possam ser vistas de uma maneira um pouco mais universal, o que seria ótimo.

O coração puro não tem nada, nem lhe falta nada; é simplesmente a Realidade Suprema, ciente de sua própria natureza.

Desnecessário dizer que, se nós quisermos que a nossa equipe seja sempre vista como a melhor e nos apegarmos às nossas crenças em um esforço lamentoso, seja para preencher a vastidão estrondosa do desconhecido, ou porque ainda carregamos nossa jangada, embora já estejamos na costa segura, essas reflexões não serão de grande utilidade. Seja como for, deixe o leitor pegar o que for útil e esclarecedor aqui e o resto pode ser gentilmente deixado de lado.

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Imagem: maria-hossmar-mqKwzMhD0eY-unsplash-11.06.25.jpg

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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios são capazes de ajudar tanto as Pessoas quanto as Organizações.

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Autor

Graduação: Engenharia Operacional Química. Graduação: Engenharia de Segurança do Trabalho. Pós-Graduação: Marketing - PUC/RS. Pós-Graduação: Administração de Materiais, Negociações e Compras - FGV/SP. Blog Projeto OREM® - Oficina de Reprogramação Emocional e Mental - O Blog aborda quatro sistemas de pensamento sobre Espiritualidade Não-Dualista, através de 4 categorias, visando estudos e pesquisas complementares, assim como práticas efetivas sobre o tema: OREM1) Ho’oponopono - Psicofilosofia Huna. OREM2) A Profecia Celestina. OREM3) Um Curso em Milagres. OREM4) A Organização Baseada na Espiritualidade (OBE) - Espiritualidade no Ambiente de Trabalho (EAT). Pesquisador Independente sobre Espiritualidade Não-Dualista como uma proposta inovadora de filosofia de vida para os padrões Ocidentais de pensamentos, comportamentos e tomadas de decisões (pessoais, empresariais, governamentais). Certificação: “The Self I-Dentity Through Ho’oponopono® - SITH® - Business Ho’oponopono” - 2022.

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