Professor Anselmo Ferreira Vasconcelos publicou artigo na revista ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) referenciando o seu estudo sobre a Espiritualidade no Ambiente de Trabalho (EAT) e cita que muitos tabus estão sendo quebrados com esse movimento nas organizações Americanas e Europeias.
Embora o artigo-estudo tenha sido editado em 2007 (revista Jan-Fev.), ainda podemos considerá-lo bem atual aos dias de hoje para o cenário empresarial no Brasil.
Estamos transcrevendo trechos do artigo-estudo que busca responder se a EAT é mais uma proposta fad-managment como tantas outras ferramentas e filosofias de gestão ou uma filosofia cujos princípios podem ajudar tanto pessoas como organizações.
“Fad-management é um termo usado para caracterizar uma mudança na filosofia ou nas operações implementadas por uma empresa ou instituição. O termo é subjetivo e tende a ser usado em sentido pejorativo, pois implica que tal mudança está sendo implementada (muitas vezes pela administração para os seus funcionários, com pouca ou nenhuma contribuição deles) apenas porque é (na época) ‘popular’ dentro dos círculos gerenciais e não necessariamente devido a qualquer necessidade real de mudança organizacional. O termo implica ainda que, uma vez que a filosofia subjacente não seja mais ‘popular’, ela será substituída pela mais nova ideia ‘popular’, da mesma maneira e pelo mesmo motivo da ideia anterior.” (Fonte: Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Management_fad – tradução livre)
Assim inicia o professor Anselmo Ferreira Vasconcelos o seu artigo:
“Espiritualidade no Ambiente de Trabalho: muito além do fad-management?
1. Introdução
Ao longo das últimas décadas temos assistido a uma série de transformações e mudanças nos hábitos, costumes e valores da humanidade. Felizmente, muitas coisas surgiram para melhor, embora ainda existam outras tantas que nos causam enorme perplexidade. O mundo corporativo não ficou à margem desses acontecimentos – afinal, muitos tabus estão sendo quebrados no ambiente de trabalho (AT). Aliás, é por essa razão que nos sentimos mais à vontade para discutir, no presente artigo, o tema – espiritualidade no ambiente de trabalho (EAT) – aparentemente sui generis.
No Brasil, tal questão tem passado totalmente despercebida, contrariamente ao que vem acontecendo, especialmente no ambiente acadêmico e empresarial americano e europeu, dada a expressiva quantidade de livros e papers, abordando o assunto.
Posto isto, o objetivo prioritário desse trabalho é analisar criticamente a proposta da EAT e responder se se trata de mais uma moda, como tantas outras, que a literatura sobre administração consagrou de forma efêmera nas últimas décadas. Em termos metodológicos recorremos [professor Anselmo] a uma ampla pesquisa bibliográfica em livros, jornais, revistas e sites a fim de atender ao objetivo enunciado.
Portanto, nas seções seguintes são enfocados os antecedentes de EAT; o seu significado; as convergências e diferenças entre religião e espiritualidade; como a espiritualidade se manifesta nas empresas; os supostos benefícios decorrentes; os desafios, implicações e recomendações para estudos futuros; e, por último, as conclusões gerais.
Inicialmente, convém lembrar que a crença em algo superior não é algo absolutamente estranho para a maior parte da humanidade que, com maior ou menor intensidade, abraça uma religião. Em contrapartida, o ambiente organizacional tem sido marcado – até pela sua própria natureza e características – pela cultura e prática de valores predominantemente materiais e imediatistas. Além disso, dados os constantes processos de downsizings, fusões e enxugamentos (para exemplificar com algumas expressões da moda) que tanto desalento e decepção têm trazido aos trabalhadores de todos os níveis do mundo inteiro, o construto da EAT tem sido muito bem recebido, segundo o que apuramos [professor Anselmo], na literatura consultado.
Por outro lado, também foi constatado que a EAT não pode ser confundida como mais uma ferramenta de gestão. A priori, talvez seja mais correto dizer que se trata de uma filosofia cujos princípios podem ajudar – considerando que não foi detectado objeções consistentes – tanto pessoas como organizações.
2. Antecedentes
Em situações caóticas como a que temos vivido nas últimas décadas – especialmente nos AT’s e, por extensão, com os empregos não tão seguros como outrora foram [para atualizar o artigo, podemos acrescentar a esse cenário a pandemia mundial de COVID-19] – levam as pessoas a procurar desesperadamente entender e acreditar em algo (Cohen, 1997). A competência, preparo e dedicação não são mais antídotos para a demissão. Além disso, não dá mais para se deixar em casa nossas crenças pessoais e valores.
Nesse sendo, Neal (1999) afirma que as pessoas estão cansadas de viver de forma compartimentalizada na qual as partes não estejam conectadas entre si. Segue daí o desejo delas de carregar todas as dimensões inerentes ao ser humano. Já para Cash e Gray (2000) parece que as pessoas estão buscando maior significado em seus locais de trabalho (LTs); iniciativa essa intensificada pelas preocupações advindas dos efeitos perniciosos dos avanços tecnológicos e das reestruturações. Por outro lado, para Konz e Ryan (1999) tal busca transcende as simples trocas econômicas. Os autores lembram, com razão, que o trabalho tem sido transformado num fórum no qual as pessoas se desenvolvem. Afinal, já que é lá que passamos boa parte de nossas vidas – ao menos por enquanto -, então deveríamos também lá encontrar as condições à nossa evolução (no sentido lato).
De qualquer forma, segundo Neal (1999), nós estamos experimentando o começo de uma transformação no LT. Para o autor, não é a última moda, mas o reconhecimento genuíno de que o LT tem um importante papel a desempenhar em nossa sociedade de completude e integração. Para Barret (2003), a grande transformação corporativa acontece quando se muda a atitude de “O que há nisto para nós (eu)?” para algo como “O que é melhor para o bem comum?” e da consciência do amor-próprio para a consciência organizacional.
Assim, as evidências sugerem que a temática da espiritualidade tem muito a ver com toda essa transformação, exatamente por tudo que ela provoca, ou seja, a necessidade de não esquecermos:
- por um lado, que as organizações têm outras obrigações e responsabilidades além das com os acionistas; e,
- de outro, que as pessoas devem cultivar valores não exclusivamente materiais.
Mitroff e Denton (1999) reforçam essa percepção ao apresentar sólidas razões para a inserção da EAT, ou seja: ‘(…) Contrário ao pensamento convencional, espiritualidade não fornece simplesmente paz e ‘concordância’; ela também ‘inquieta’ profundamente. O propósito dessa inquietação é o de nos estimular constantemente a melhorar a condição humana (…).’
McCormick (1994) defende que há boas razões para se estudar espiritualidade e administração. Segundo ele, a primeira diz respeito à influência que a espiritualidade tem sobre o comportamento gerencial. E a segunda envolve a perspectiva de um trabalho mais espiritualmente significativo. Entretanto, somos forçados a nos alinhar a Laabs (1995), quando ele afirma que se trata de um tópico mais confortável em nossas casas do que em nossas mesas de trabalho. Aparentemente, trata-se de um assunto que está se infiltrando no LT muito além de uma simples tendência.
Conforme Conlin (1999), para as empresas talvez o aspecto mais amplo dessa tendência é a crescente evidência de que os programas voltados à espiritualidade servem a dois propósitos: aliviar a psique dos empregados e aumentar a produtividade. E produtividade – convém relembrar – é o fluído vital das empresas. Na verdade, as empresas estão sempre dispostas a experimentar novidades que melhorem seus desempenhos. Para os trabalhadores, por outro lado, significa pertencer a um ambiente onde se é respeitado e valorizado; significa, enfim, fazer parte de uma comunidade verdadeiramente humanizada e alicerçada em princípios genuinamente elevados.
Mas, seja como for, segundo Conlin (1999), o que está acontecendo, pelo menos em parte, é a reflexão de tendências mais amplas que, aliás, estão recebendo inclusive o endosso do mundo acadêmico através de centros de pesquisa dedicados ao assunto, como por exemplo, os da University of Denver, University of New Haven e a Minnesota’s University of St. Tomas. Além disso, dezenas de universidades já introduziram a disciplina de espiritualidade em seus programas de MBA, o que respalda a presente investigação.
Outra prova da seriedade desse tópico é a existência de jornais acadêmicos totalmente dedicados ao seu estudo, como o Spirit at Work e o Business Spirit, ambos com seis edições por ano (Cavanagh, 1999), do Jornal of Management, Spirituality, and Religion. além da existência de um grupo de trabalho ligado à Academy of Management, estabelecido no ano 2000 intitulado Management, Spirituality, and Religion (Bell e Taylor, 2003).
Ainda segundo Conlin (1999), pesquisa efetuada pela consultoria McKinsey da Austrália comprova que nas empresas que se engajaram em programas que utilizam técnicas espirituais para os seus colaboradores, a produtividade aumenta e o turnover é substancialmente reduzido. Já Gunther (2001) salienta que a construção da EAT descarta a antiga ideia de que fé e dinheiro não se misturam. Ao contrário. Portanto, parece-nos plausível a coexistência pacífica de ambas as aspirações. Como diz o preceito evangélico: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”
De qualquer maneira, a (re)descoberta da espiritualidade significa, com base no exposto, a introdução de propósitos mais nobres no universo empresarial.
2.1 O renascimento da espiritualidade
A essa altura, contudo, pode-se perfeitamente perguntar, como um tópico tão, digamos, distante da prática empresarial, emerge. Inicialmente, é preciso reconhecer que o ‘renascimento da espiritualidade’ ocorre exatamente pela incapacidade da sociedade ocidental, em especial, de harmonizar as várias dimensões da vida. De certa forma, nos transformamos em cidadãos autômatos. Tornamo-nos, por força das circunstâncias, escravos da carreira e máquinas a serviço das organizações.
Não obstante a significativa evolução obtida no campo tecnológico, algo muito importante está faltando (talvez até porque o progresso é acessível a poucos). É como se fossemos personagens orwellianos, não de uma obra de ficção, mas de um drama real, que nos absorve a cada dia mais e mais e, em contrapartida, nos proporciona, paradoxalmente, uma sensação de vazio profundo, insegurança, insatisfação pessoal e frustração sem precedentes. Em decorrência, conforme Cash e Gray (2000), os administradores se defrontam com a necessidade de promover – nós diríamos a tarefa permanentemente penosa – redução de custos, o que implica, não raras vezes, em demitir funcionários e ainda executar o mesmo volume de trabalho num ambiente inseguro, instável e ainda atormentado por ininterruptas revisões de processos e de mudanças tecnológicas, o que pode nos tornar obsoletos, aliás, a qualquer momento.
Como subproduto de tão profundas transformações, a vida corporativa passou a invadir substancialmente a vida particular das pessoas. A carga horária, por exemplo, é cada vez maior. Em função disso, propostas voltadas ao equilíbrio entre trabalho e família não deixam de conter um certo cinismo. Como é de amplo conhecimento, as organizações, ao exigirem, crescentemente, de seus funcionários, absorvem, portanto, o tempo necessário para o preenchimento de outras atividades a não ser as ligadas ao trabalho propriamente dito.
Observando esse conflito e reforçando o nosso raciocínio já explicitado, Lama (2000) julga que a sociedade industrial moderna às vezes se assemelha a uma enorme máquina autopropulsionada. Nesse contexto, os seres humanos torna-se pequenos e insignificantes componentes à mercê da máquina.
Quando esta se move, aqueles também se movem. Para ele, o grande responsável por esse estado de coisas é a propalada retórica do crescimento e desenvolvimento econômico. Essa crença gera, por sua vez: (1) a tendência das pessoas para a competição e inveja; e (2) a percepção da necessidade de manter as aparências – fonte de problemas, tensões e, sobretudo, infelicidade. Briskin (1997), por outro lado, afirma que quanto mais materialistas nos tornamos, mais desesperada e neurótica se torna a nossa busca pela satisfação espiritual.
Existem fortes indícios que explicam a ênfase desproporcional dada ao progresso exterior (causa) e a infelicidade, a ansiedade e o descontentamento da sociedade moderna (efeitos), segundo as suposições de Lama (2000). No mesmo tom, a física e filósofa Dana Zoar e o psiquiatra e terapeuta Ian Marshall expressam uma crítica acerba em relação à cultura ocidental. Para esses autores, a referida cultura está impregnada do imediatismo, do material, bem como da manipulação egoísta de coisas, experiências e pessoas (Zoar e Marshall, 2000). Entretanto, nós entendemos que os estragos não param por aí. Por exemplo, Palmer apud Cavanagh (1999) destaca que o ateísmo funcional – ou LT desespiritualizado na classificação de Thompson (2000) – conduz ao comportamento disfuncional em todos os níveis de nossas vidas, o que leva, por sua vez, ao workaholism, burnout, à falta de atenção às pessoas com as quais convivemos, à desintegração familiar e mesmo à violência. Soma-se a isso: a manifestação de uma moral em baixa, alto turnover, frequente estresse relacionado a doenças e elevado absenteísmo (Thompson, 2000).
Palmer apud Cavanagh (1999) também alerta que o ateísmo funcional e a resultante visão estreita de vida e trabalho laçam as pessoas em armadilhas representadas por estilos de vida e comportamentos que são não apenas opostos a qualquer noção espiritual, mas também não são sequer humanos. Diante de tais argumentos e evidências, entendemos que a disseminação da percepção sobre espiritualidade poderia ajudar as pessoas no LT, diminuindo, significativamente, boa parte dos males acima descritos.
Porém, infelizmente ainda se fomenta um desgastante e perigoso sentimento de desconfiança e mesmo medo que mina as melhores intenções e degrada o AT. Dessa forma, a proliferação da desconfiança gera metas de performance obscuras e geralmente interrompe as comunicações organizacionais, processos e relacionamentos críticos (Burack, 1999). Clareza e transparência são remédios (qualidades) indispensáveis em situações dessa natureza, em nossa [professor Anselmo] opinião. Já a remoção do medo pode ajudar a se alcançar uma performance superior, segundo pesquisadores do movimento espiritual(Laabs, 1995).
Matos (2001, p.15) acrescenta um outro elemento ao rol das críticas, isto é, o fato de que nossa sociedade é fortemente impregnada pelos valores da tecnologia. Em função disso, a mente humana é altamente influenciada por essa visão, assim como pela tendência em transformar tudo em números, processos, formulários, modelos e máquinas. Consequentemente, somos induzidos à materialização e robotização do nosso comportamento. Acontece que não somos máquinas. Somos seres pensantes e inteligentes, embora às vezes nos falte a sabedoria para reconhecer isso. Matos (1998 p.10) analisa que ‘(…) O desafio, hoje, é marcadamente ecológico e espiritual: a busca incessante da qualidade individual, social, ambiental, institucional, empresarial.’
Portanto, é chegado o momento de enfrentarmos esses males por nós mesmos criados. Para Matos, ainda, a solução está na dimensão espiritual, da unidade e da visão do todo em funcionamento. Em resumo, de uma concepção integral da existência, sem a qual há o vazio e o caos.
No que concerne à direção das empresas, que representa o outro lado da questão, seus proprietários e acionistas não perceberam que cabe a eles igualmente, segundo Oliveira (2001, p.38), desafiar o estabelecido a fim de atender dois objetivos básicos:
1) Desmassificar o homem, descortinando o ser espiritual presente em cada um dos funcionários de suas empresas; e
2) Influenciar o meio, para que a oferta de emprego no mundo seja compatível com a necessidade humana (embora difícil, mas não impossível).
Hawley (1995) entende que as questões pertinentes à produtividade, organização, finanças, custos, lucros, lado humano, cultura, comunicações, relacionamentos e disposição moral continuarão presentes e serão tão fundamentais como antes. Mas esse autor propõe um modelo administrativo que consiste em quatro agendas superpostas e interdependentes, uma das quais – a nova – é o espírito. A primeira parte representa a cabeça, que envolve questões sobre como formar e dirigir a empresa, isto é o modo de estruturar as coisas para que funcionem adequadamente. A segunda diz respeito ao coração, onde se concentram questões de valor humano como dignidade, trabalho de equipe, disposição moral e verdade. A terceira está ligada ao corpo. Essa agenda volta-se ao bem-estar no LT. Ela abarca, naturalmente, as questões relacionadas à saúde dos empregados e à saúde coletiva do corpo da empresa. A quarta e última é a do espírito. Essa agenda, segundo Hawley, implica uma série de perguntas mais difíceis de ser respondidas – Briskin (1997) também formula, na essência, as mesmas questões -, pois elas nos conduzem a meditar sobre qual o sentido de tudo; o nosso objetivo no trabalho e na vida; quem somos; para onde tudo isso está nos levando; sobre o benefício que o nosso trabalho está levando ao mundo e assim por diante.
Ou seja, questões de natureza transcendental e que nos conduzem ao âmago do nosso ser, da nossa origem, da nossa missão pessoal, etc. Questões, enfim, que nos remetem às respostas dos porquês da vida. Como diz Matos (2001, p.14): ‘É preciso obter lucros crescentes, criar a melhor tecnologia, garantir a qualidade da produção e do produto, mas é imprescindível que tudo isso tenha sentido transcendente, pois ao contrário a fragilidade humana põe tudo a perder. Que o digam os impérios econômicos que viraram pó no decorrer dos tempos.’
Portanto, a questão espiritual (ou fator espiritual) – ao que tudo indica – não vem arrasar os padrões estabelecidos. Ao contrário, vem acrisolá-los através da incorporação de novos valores e elementos. Pelo que depreendemos, vem ajudar as organizações (o homem) a retificar a sua rotina autodestrutiva, mesquinha, inconsequente e cínica. Vem, enfim, mostrar à humanidade um caminho mais seguro, sensato, justo e realmente adequado à noção de progresso por meio – conforme Moggi e Burkhand (2004) – da elevação dos níveis de consciência das pessoas e dos grupos sem abdicar dos resultados empresariais. A seção seguinte apresentará algumas definições que certamente ajudarão a clarificar tais propósitos.
3. Mapeando o significado da EAT
Definir a espiritualidade não é absolutamente uma tarefa muito fácil até porque, de um modo geral, as pessoas têm diferentes visões e interpretações sobre o assunto, alicerçadas, via de regra, em suas convicções religiosas. Não é nossa intenção [professor Vasconcelos] fazer a apologia desta ou daquela religião. Acreditamos que o simples fato de se professar uma religião é, em si mesmo, positivo. Como veremos mais adiante, a religião – seja qual for – traz em si a noção de espiritualidade.
Assim, para Mitroff e Denton (1999, p.46),
‘Espiritualidade é o sentimento fundamental de que você é uma parte conectada com todas as coisas, o universo físico inteiro e toda a humanidade. É também a crença de que há um poder maior ou Deus – seja o que for e seja qualquer nome que chamemos isto – que governa tudo. Espiritualidade não é apenas acreditar que todos têm uma alma, mas saber isto e estar em constante comunicação com a alma de qualquer pessoa.’
O’Donnell (1997), a seu turno, esclarece que …
‘…espiritualidade envolve estudo e desenvolvimento de valores humanos e não prática de rituais. Ora, a primeira dimensão (valores) está associada à conduta calcada no bem, ações fraternais, busca de aperfeiçoamento moral, entre outras coisas. Já a segunda (práticas), independente de um credo específico, está associada às orações, preces, vibrações, meditações, estudos, etc.
De qualquer forma, tais iniciativas estabelecem uma base comum às religiões. Corretamente O’Donnell (1997) afirma que …
‘…a espiritualidade é inseparável do comportamento. Afinal, pessoas espiritualizadas têm uma clara noção da necessidade e da responsabilidade de agir consoante valores morais.
A propósito, o quadro 1 sintetiza as variáveis (e/ou virtudes) associadas à espiritualidade propostas por vários autores.
QUADRO 1 – DIMENSÕES DA ESPIRITUALIDADE
Variáveis propostas | Autor(es) |
Compaixão; correto meio de vida; serviço desinteressado; trabalho como forma de meditação; e pluralismo. | McCormick (1994) |
Equilíbrio, confiança, harmonia, comunicação, valores, missão, honestidade e cooperação. | Laabs (1995) |
Confiança, harmonia, valores e honestidade | Leigh (1997) |
Senso de causa, comunidade, empowerment, trabalho ético, rica expressão emocional e uma força de trabalho altamente satisfeita, baseados no estudo de caso de Southwest Airlines. | Milliman et. Al. (1999) |
A busca pessoal por significado e valores, um senso de vocação, temor, admiração, altruísmo e comprometimento com o melhoramento do mundo. | Bruce (2000) |
Mitroff e Denton (1999a. p.23-25) acrescentam outros aspectos baseados em estudos empíricos que merecem ser citados. Ou seja:
Espiritualidade não é formal, estruturada ou organizada. Organizações e estruturas formais não são ingredientes formais da espiritualidade.
Espiritualidade não é denominável. Ela está acima e além das denominações. Como tal ela não é exclusivamente associada ao Cristianismo, Hinduísmo, Judaísmo, à religião Mulçumana ou qualquer outra fé particular.
Espiritualidade é ampla, pois abraça a todos. Significa que ela atinge a todos independente de suas idades, crenças, credos, gêneros, raças, religiões, orientações sexuais e assim por diante.
Espiritualidade é universal e eterna. Portanto, ela é mais geral e universal do que valores individuais e particulares que, a propósito, variam conforme o lugar e o tempo.
Espiritualidade é a última fonte de fornecimento de significado e propósito em nossas vidas. Ou seja, ela satisfaz a mais profunda fome e ânsia em todos nós de significado e propósito.
Espiritualidade expressa o temor que nós sentimos na presença do transcendente, isto é, o poder, qualquer que seja, que está além da total compreensão humana – daí o temor e a reverência em direção a toda criação.
Espiritualidade é a consagração de tudo, incluindo a simplicidade da vida diária. O conceito de sagrado é uma parte fundamental da espiritualidade. Assim, Deus, ou o poder maior, não é apenas transcendente, mas também está presente em tudo.
Espiritualidade é o sentimento profundo de interconexão de todas as coisas. Não apenas todas as coisas estão relacionadas e afetadas umas pelas outras, mas, mais forte ainda, tudo é parte do todo. Além disso espiritual é examinar as conexões entre produtos e serviços de alguém e o impacto que eles têm no meio ambiente.
Espiritualidade é integralmente conectada à paz e calma interior. Para isto, não se pode afastar-se do mundo. Alcança-se paz e calma ao fazer-se o bem.
Espiritualidade provê a qualquer um com uma fonte inesgotável de fé e força de vontade. Consequentemente, isso nos dá o poder e o desejo de persistir em face da aparente falta de esperança e dos obstáculos insuperáveis. Ela nos fortalece a prosseguir na boa luta pelas causas justas. Ela nos permite perseverar não importa como.
Espiritualidade e fé são inseparáveis. Não se deve acreditar ou praticar a bondade porque se possa aprovar que seus efeitos irão acrescentar mais na linha de lucro, mas por um propósito pessoal, isto é, como um fim em si mesmo.
Portanto, conforme podemos observar, a ideia de espiritualidade evoca muitas coisas ou muitas dimensões – em concordância com Neck e Milliman (1994) – e nem todas são simples de se definir. Aliás, mais importante do que tentar resumi-la numa definição é ter consciência dos elementos que ela abarca, que, para ser adequadamente assimilados, envolvem enormes transformações às quais as pessoas nem sempre estão dispostas a fazer.
Seja como for, as evidências sugerem que a questão espiritualidade pode significar um roteiro consistente tanto para as pessoas como para as organizações seguirem. Afinal, conforme alerta Bruce (2000), ela afeta tanto a vida pessoal como a profissional.
No contexto dos LTs, que nos interessa abordar com mais ênfase neste trabalho…
‘a espiritualidade pode ser definida como um novo modo de descrever as organizações que sustentam aceitáveis valores compartilhados” (Turner, 1999, p.41).
E se considerarmos, de acordo com Burroughs e Rindfleisch (2002), a amplamente difundida natureza material das mensagens na sociedade moderna, os valores daí oriundos parecem incongruentes para muitos indivíduos. Os referidos autores sugerem que a natureza autocentrada do materialismo entra em flagrante oposição aos valores orientados ao coletivismo, tais como religião e família. Convenhamos que os tempos hodiernos têm sido palco de grandes conflitos advindos dos dualismos: material versus espirituale carreira versus vida particular.
Muitas obrigações e aspirações têm sido sistematicamente postergadas pelas pessoas, dadas as crescentes exigências no trabalho, conforme já comentamos. Ousadamente, Mitroff e Denton (1999a.) asseveram que a administração da espiritualidade é uma das fundamentais tarefas da direção das organizações.
Já Cavanagh (1999) acrescenta que alguns executivos e empreendedores religiosos veem a espiritualidade nos negócios como a afirmação de Deus e do Evangelho no LT. Tal afirmação é congruente com o Evangelho que prega, entre outras coisas, que se faça aos outros tudo o que queremos que eles nos façam. Além disso, outra recomendação expressa claramente que tratemos a todos como gostaríamos que nos tratassem. Entendemos que implementar valores dessa magnitude no seio das organizações só é possível quando os seus recursos humanos neles se inspiram e conduzem. As empresas – não nos esqueçamos – são aglomerados de pessoas. Quando elas comungam de tais ideais, as relações intraorganizacionais tendem a ser mais agradáveis e respeitosas, contagiando, positivamente, também os relacionamentos com os demais stakeholders.
Na mesma linha de raciocínio, Butts (1999) sugere, como forma de integração da espiritualidade no local de trabalho (ELT), a utilização de um sagrado e completo sistema de valores – que permita ao espírito humano crescer e prosperar, o que pode também melhorar o lucro e a produtividade, sem falar na verdade, confiança, liberdade, justiça, criatividade, inteligência e harmonia coletiva – calcado em mais profundo e alto propósito.
Ademais, ele acrescenta que a maximização do capital humano é outra direção da ELT. Tais benefícios potenciais e outros serão discutidos mais adiante. Por ora, entendemos ser adequado verificar o grau de convergência e diferenças entre religião e espiritualidade, tema da próxima seção.
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…continua Parte II…
A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios podem ajudar tanto as Pessoas como as Organizações.