Em busca de alguns indicadores de performance sobre as Organizações Baseadas na Espiritualidade, transcrevemos artigo da Revista ESPM jan./fev. 2007, autor Francisco Gomes de Matos, para o nosso conhecimento e entendimento, que responde à questão abaixo:
“O que acontece quando a Empresa toma consciência de que possui uma Alma?
São comuns as distorções conceituais sobre a visão espiritual e as suas aberrações na prática das organizações. Exercita-se, frequentemente, uma espiritualidade sem Deus – um sentimentalismo sem Alma.
Pratica-se o ritualismo – a dramaturgia do sentimento e a retórica – a palavra colorida e vazia, para efeito de manipulação da vontade.
Empresa com Alma pode ser definida:
Como aquela que busca resultados pela valorização humana, explicitada por meio da competência e da espiritualidade.
Ser competente é essencial, pois a incompetência – como matriz de injustiça social – acaba por desmoralizar a fé e gerar a acidez do espírito. Ser competente é desafio da vida.
Uma Empresa competente é a que tem consciência de sua Alma, expressa pelos valores existenciais que compõem a sua identidade cultural. Essa força que a sustenta como uma organização de qualidade, por meio da qual projeta a sua imagem pública.
Não basta o bom produto, numa visão de mercado, nem bons serviços, na visão do cliente. É vital que a Empresa seja boa. Nesse sentido, a Empresa são seres humanos integrados por uma missão comum. São princípios de ação consensuais – que denominamos Valores Comuns – que integram e marcam a identidade empresarial.
Daí resulta o conceito de perpetuidade empresarial: nenhuma Empresa nasce para morrer. Nessa diretriz, a valorização humana ganha relevância estratégica.
O homem finito perpetua-se por suas obras. Esse é o grande segredo da transcendência humana. O homem não é matéria com espírito. É um ser espiritual que se realiza através de uma realidade corporal.
Portanto, a espiritualidade não é algo estranho; é a própria razão de ser do homem e, portanto, das organizações.
Identificamos no homem e nas organizações uma divisão ideológica frequente, entre o que denominamos razões do corpo e razões do espírito.
◊Pela dimensão corporal, a ênfase é em ganhos, competição, poder, acúmulo de riquezas, exclusão, numa ordem imanente, sem a transcendência que valida a ação e os resultados.
No modelo capitalista, mesmo num neoliberalismo melhorado, o econômico e o social tendem a ser dois departamentos conflitantes, com posicionamentos distintos, em semelhança às distâncias entre a razão e a emoção.
A meta capitalista míope é ganhar dinheiro, mais dinheiro, muito dinheiro e o risco é perder dinheiro, mais dinheiro, muito dinheiro. Igualzinho a um cassino.
Exemplo eloquente são as bolsas de valores e seus efeitos-dominó. Nessa ótica, o modelo justifica-se na competitividade máxima e na máxima concentração de rendas.
Excluir é, assim, consequência lógica, traduzida em violências ao ser humano, através das reengenharias e dos downsizings, de todo o tipo.
A única coisa que assusta os poderosos, sem Alma, é a ameaça à segurança pessoal. O custo da proteção torna-se crescentemente maior.
Talvez por aí, paradoxalmente, surja a esperança de que algo positivo possa ser implementado, pela pedagogia do susto.
A ameaça provoca mudanças de comportamento social. Mas essas só ocorrerão efetiva e positivamente por transformações nas concepções e nas atitudes, pelo desgastar de valores e pela visão transcendente.
Sem o que, serão medidas episódicas, pois superficiais, mais por medo que por convicção.
Geralmente, não se constituem em filosofia de Empresa e sim em políticas que contemplam mais o marketing do que a valorização humana.
Na dimensão espiritual, as motivações transcendem a materialidade, sem excluí-la.
Há a preocupação por construir pelo esforço solidário, que caracteriza o autêntico trabalho em equipe.
Esse espírito está presente ao se iniciar um empreendimento.
No início de uma Empresa há sempre a chama de um ideal, que se reforça e se desenvolve em ações conscientes, que se traduzem no projeto coletivo.
◊Os valores, que formam a identidade grupal e geram comprometimento com objetivos comuns, correm o risco, todavia, de serem neutralizados diante das seduções dos crescentes ganhos imediatistas ou das crises da conjuntura adversa.
Face à adversidade, ao invés de apoiar-se nos valores, encontrando aí o sustento na integração e coesão das equipes, muitos insensatos passam por cima deles em táticas de guerra.
A realidade crítica é posta como forte racionalização para justificar novas crenças: é preciso ter garra, ser agressivo, ter competitividade. A linguagem passa a possuir colorido destrutivo.
Significa que a Empresa perdeu a sua Alma? Provavelmente, está perdendo, ao aprisioná-la em seus subterrâneos.
Surge, então, a Empresa aventureira em um mercado selvagem.
O mercado é selvagem porque a Empresa não exerce sobre ele a sua ação transformadora (essa é uma tese que precisa ser aprofundada, o que faremos, em outra ocasião – a Missão transformadora da Empresa).
Diante de uma situação hostil adotam-se atitudes escapistas e suicidas, através de afirmações frequentes, do tipo ‘Empresa é isso mesmo…’, ‘mercado é campo de batalha’, ‘a concorrência deve ser eliminada’, ‘baixar custo a qualquer custo’.
O que, no final, induz a omissões, conformações, frustrações.
Para fazer o jogo da situação, não há necessidade de talento e competência, só de esperteza e de certo grau de irresponsabilidade social. O resultado é a desvalorização humana, camuflada por algumas políticas balsâmicas.
Há indicadores claros que denunciam a perda da Alma de uma organização, assim como são evidentes as identificações da Empresa que preserva e desenvolve a sua Alma.
Indicadores da Empresa sem Alma e da Empresa com Alma
Cultura em renovação contínua e descentralização do poder são os indicadores básicos à Empresa com Alma, só viáveis com valorização humana e competência.
◊Ao contrário, o obsoletismo organizacional, a desmotivação humana, o estilo autoritário e a falta de liberdade para criar e decidir moldam o cenário da Empresa que vai perdendo a sua Alma, aprisionada nos porões sombrios, onde o sol não entra, por conta do individualismo e da fragmentação.
Indicadores da Empresa sem Alma
1) Cultura Fechada
O egocentrismo organizacional é a característica básica – toda a Empresa voltada aos problemas e ao ganho imediatista, sem visão estratégica.
Estímulo ao fundamentalismo corporativo que exclui da mesa todos os que não se beneficiam diretamente do poder.
2) Poder Autoritário
Estilo de dominação em que a característica é submeter e não formar parceiros corresponsáveis.
3) Arquipélago Organizacional
A fragmentação, por meio de ilhas de poder e o estabelecimento de situações de privilégio.
4) Lucro Obsessivo
Centralização no mercado como bem supremo em estímulo à concentração de riqueza – ânsia pelo ganho ilimitado, sem sentido social.
5) Desvalorização Humana
Manipulação das consciências e das vontades pela qual o objetivo da Empresa não é o objetivo da pessoa humana.
6) Competição Predatória
Estímulo ao individualismo em que todos passam a ser tratados como concorrentes e inimigos.
7) Burocratização
Rigidez mental e regulamentar, quando o processo se torna mais importante que o objetivo.
8) Flexibilidade Caótica
O falso informalismo, como consequência das crises de comando, de comunicação e de relacionamento.
9) Idolatria da Razão
A racionalidade bloqueadora da inteligência, da emoção e do sonho.
10) Criatividade Desestimulada
Ênfase a paradigmas de eficiência e descrédito à liberdade de criar.
11) Infelicidade Assumida
Culto ao trabalho duro, conflito não administrado, perfil de executivo frio e inflexível.
12) Miopia Estratégica
Administração reativa focada nos problemas e no ganho a curto prazo.
13) Espiritualidade Doentia
A manipulação do espírito como estímulo à produtividade é prática sutil, camuflada pelo marketing do sentimentalismo, que resulta na espiritualidade sem Deus.
Esses indicadores da Empresa sem Alma povoam o inconsciente das organizações como condicionamentos do velho modelo de burocracia, que se traduz, por meio de embalagens promocionais, em falsa modernidade.
Indicadores da Empresa com Alma
1) Cultura Aberta
A comunicação flui naturalmente, pois é essencialmente humana. A tecnologia não a substituiu; ao contrário, garante a sua eficácia.
A participação é estimulada pela delegação de autoridade e da formação de equipes.
A criatividade é seu atributo essencial, desenvolvido em cada pessoa do sistema, pois ser criativo é condição de sobrevivência.
A decisão é o ponto da eficácia pois quem não tem capacidade de decisão torna-se irresponsável. O sistema, ao não permitir que as pessoas decidam, as minimiza. Decisão significa maturidade.
2) Consciência de Missão
Assumir compromissos, com a consciência de missão significa agir por coerência, em função de valores aceitos como verdades comuns que vão se constituir em inteligência coletiva.
3) Liderança Integrada
Equipes integradas e coesas, com foco em objetivos comuns, constituem o segredo do sucesso organizacional.
Formação da comunidade vivencial de liderança, que significa todos serem líderes de líderes.
4) Senso Ético
Compreensão de que o bem comum é a razão de ser de qualquer sociedade, condição para o equilíbrio das relações e de sua continuidade.
O sentido de bem comum implica na compreensão e prática da justiça social.
5) Visão e Ação Estratégica
Compatibilizar o sonho – imagem do futuro -, com a realidade – ameaças e oportunidades -, com a estratégia – ações planejadas – e com a estrutura – meios renovados de realização – fundamentam a Empresa bem-sucedida.
6) Relacionamento Cordial
A solidariedade – o sentido de que todos participam de uma mesma empreitada.
A afetividade – o sentimento de gostar do outro, como um parceiro amigo.
A vontade comum – a participação voluntária, livre, independente de qualquer coação.
7) Felicidade
Como aspiração universal da pessoa humana, ser feliz é condição de produtividade. Felicidade significa realizar-se na realização.
8) Espiritualidade
Espiritualidade significa superar limites na direção de um bem superior. É o sentido da transcendência, dando expressão ao que de mais superior existe no Ser Humano.
Esses indicadores da Empresa com Alma não são uma utopia, mas condições essenciais para que a Empresa realize a sua ação transformadora e se perpetue pela qualidade.
O Autor: Francisco Gomes de Matos é consultor, autor de 30 livros de Gestão e Negócios, conselheiro da PUC-Rio e membro diretor da Academia Brasileira de Ciência da Administração.
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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios podem ajudar tanto as Pessoas como as Organizações.