Série de artigos A Ética Budista nos Negócios.

Nós estamos destacando trechos do livro “Buddhist Economics” [“Economia Budista”] de autoria de Phra Brahmagunabhorn (P. A. Payutto), visando o conhecimento e o entendimento sobre o sistema de pensamento (ética, princípios e valores), o sistema organizacional (ambiente de trabalho, de relacionamentos e de políticas) e o sistema de tomada de decisões (propósitos, resultados e metas) de uma Organização Baseada na Espiritualidade (OBE), sendo esse tipo de Organização uma tendência global irreversível para as pequenas, as médias e as grandes Empresas, em quaisquer mercados de atuação, que visam a agregação de valor para todos os envolvidos nos negócios, assim como a sua própria perenidade.

Fonte:

Livro: Buddhist Economics

Autor: Phra Brahmagunabhorn (P. A. Payutto)

Traduzido por J.B. Dhammavijaya [para o Inglês]

ISBN 974-575-219-3

© 2016 Wat Nyanavesakavan

Edição em Tailandês publicada pela primeira vez em: 1988

Edição em Inglês publicada pela primeira vez em: 1992 (pela Buddhadhamma Foundation)

Edição original revisada em Inglês publicada pela primeira vez em: 2016

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Economia Budista

Parte I

Autor: Phra Brahmagunabhorn (P. A. Payutto)

Tradução livre Projeto OREM® (PO)

Anumodanā(*)

[(*)Observação: Anumodanā é uma bela expressão de alegria e apreço na cultura Budista, reforçando a ideia de que nós somos capazes de encontrar felicidade nos sucessos e nas boas ações dos outros. Fonte: Biblioteca da Sabedoria.]

Origem desse Livro

“A versão Tailandesa de Buddhist Economics (Economia Budista) (เศรษฐศาสตรร์แนวพพุทธ) foi originalmente uma Palestra do Dhamma proferida na auspiciosa ocasião da celebração do 72º aniversário do Prof. Dr. Puey Ungpakorn na Universidade Thammasat, em 9 de março de 1988. A Fundação Komol Keemthong solicitou permissão para imprimi-la como livro pela primeira vez em meados daquele mesmo ano.

Posteriormente, um bhikkhu Inglês, usando o pseudônimo J.B. Dhammavijaya, traduziu o texto para o Inglês sob o título Buddhist Economics (Economia Budista) e ofereceu essa tradução ao autor original. A Fundação Buddhadhamma solicitou permissão para publicar essa versão em Inglês para distribuição em 1992. Havia, portanto, duas versões: uma em Tailandês e uma em Inglês. Em 1994, o Comitê de Identidade Nacional solicitou a impressão de uma edição bilíngue desse texto.

Na mesma época, o Sr. Bruce Evans, da Austrália e o Sr. Jourdan Arenson, dos Estados Unidos, expressaram o desejo de que o livro Economia Budista incorporasse ensinamentos sobre economia contidos em alguns dos meus outros livros. Portanto, solicitaram permissão para expandir esse livro, traduzindo em conjunto cinco seções de quatro livros separados e compilando-os em um texto integrado.

Esse material extra veio dos seguintes livros: o texto original Tailandês de Economia Budista; duas seções do Buddhadhamma; e A Way Out of the Economic Bind on Thai Society (ทางออกจากระบบเศรษฐกกิจททท ครอบงงา สสังคมไทย). Outro material veio de uma palestra que eu escrevi enquanto estive na Universidade de Harvard como palestrante convidado e que eu apresentei em uma conferência acadêmica na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1981, sob o tema geral ‘Fundamentos da Ética Social Budista’. As editoras Americanas solicitaram a publicação dessa palestra como introdução no livro ‘Ética, Riqueza e Salvação’ (University of South Carolina Press, 1990).

Esse novo trabalho, preparado e compilado por essas duas pessoas, tornou-se a segunda edição em Inglês do livro ‘Economia Budista’, com o subtítulo ‘Um Caminho do Meio para o Mercado’. A Fundação Buddhadhamma solicitou novamente permissão para imprimi-lo e distribuí-lo, em 1994.

Existem, portanto, duas edições em Inglês de Economia Budista. A primeira contém o mesmo material da edição original em Tailandês; a segunda contém material adicional.

Posteriormente, a editora Fischer Media, na Alemanha, nos enviou um livro em Alemão publicado em 1999, intitulado ‘Buddhische Ökonomie’, traduzido pelo Dr. Mirko Frýba. Nós descobrimos que eles traduziram esse texto da segunda edição em Inglês de Economia Budista. A editora não havia pedido permissão; provavelmente presumiu que o autor original não possuía os direitos autorais; portanto, seria aceitável publicar primeiro e depois informar o autor. (É verdade que eu não sou possessivo, ou seja, eu não recebo remuneração, mas é importante manter a integridade e a precisão nesses assuntos.) Posteriormente, eles enviaram um documento comprovando que esse livro havia sido um best-seller, embora ainda nós não tenhamos como comprovar essa afirmação.

Em 2000, foram feitas algumas mudanças importantes na versão Tailandesa de Economia Budista, que foi revisada e complementada. A sétima edição desse texto foi reformatada e continha um apêndice: ‘Princípios Gerais da Economia Budista — Economia do Caminho do Meio’. Como uma consequência, a versão Tailandesa era maior que a primeira edição em Inglês, mas não tinha nada a ver com a segunda versão em Inglês.

Em 2003, a Ag Mass Media Company solicitou a publicação da versão Tailandesa completa e atualizada de Economia Budista como parte do livro Tailandês maior intitulado ‘Dispelling Discord: Buddhist Jurisprudence, Political Science, and Economics’ (สลายความขสัดแยย้ง: นกิตกิศาสตรร์แนวพพุทธ-รสัฐศาสตรร์แนวพพุทธ เศรษฐศาสตรร์แนวพพุทธ). Esse texto pode assim ser considerado a 8ª impressão de Economia Budista. Nessa última impressão (9ª impressão; 2005) foram feitas pequenas revisões e acréscimos, especialmente no apêndice.

Em suma, o livro Economia Budista, tanto a versão Tailandesa quanto a Inglesa, possui muitas edições, com extensão e conteúdo variados.

Observe que esse livro que você agora tem em mãos contém revisões feitas à versão Tailandesa em 2000 e 2005, enquanto a versão em Inglês é idêntica à primeira edição em Inglês traduzida por J.B. Dhammavijaya em 1992.(*)

Phra Brahmagunabhorn (P. A. Payutto) – 14 de fevereiro de 2005

(*) Observe que o apêndice da versão em Inglês foi traduzido por Robin Moore em 2015.

Prefácio do Tradutor

“Hoje em dia, as técnicas de meditação Budista são bem conhecidas no Ocidente e as percepções Budistas sobre a condição humana, pelo menos nos círculos acadêmicos, exercem uma influência crescente. Infelizmente, a imagem popular do Budismo é frequentemente excessivamente austera e muitas pessoas ainda o consideram um ensinamento de negação ou fuga das preocupações mundanas para um reino privado e hermético de bem-aventurança. No entanto, se nós nos dermos ao trabalho de recorrer às palavras do próprio Buda, nós encontraremos um ensinamento completo e rico que abrange todos os aspectos da vida humana, com muitos conselhos práticos sobre como viver com integridade, sabedoria e paz em meio a um mundo confuso. Talvez seja hora de tal ensinamento ser mais amplamente disseminado.

Nesse pequeno volume, Tan Jow Khun Phra Debvedi (Bhikkhu Payutto) oferece uma perspectiva Budista sobre o tema da economia. Embora não pretenda apresentar uma teoria econômica Budista completamente abrangente, ele fornece muitas ferramentas para reflexão, maneiras de encarar a questão econômica com base em uma apreciação ponderada de como as coisas são, de como nós somos. Eu espero que, ao disponibilizar essa obra em Inglês, ela possa contribuir, pelo menos em pequena escala, para a resolução do que tem sido chamado de atual ‘impasse da economia’ e despertar os leitores para a ampla relevância contemporânea das verdades atemporais que o Buda descobriu e compartilhou conosco.

Dhammavijaya Bangkok – maio de 1992”

Economia Budista

“Em uma discussão sobre economia Budista, a primeira questão que surge é se algo como economia Budista realmente existe, ou se é mesmo uma possibilidade. Atualmente, a economia com a qual nós estamos familiarizados é Ocidental. Quando nós falamos de economia ou de assuntos a ela pertinentes, nós usamos um vocabulário Ocidental e nós pensamos dentro da estrutura conceitual da teoria econômica Ocidental. É difícil evitar essas restrições quando se trata de economia Budista. Então, talvez nós nos encontremos de fato discutindo o Budismo com a linguagem e os conceitos da economia Ocidental. De qualquer forma, refletindo sobre esse assunto, nós podemos pelo menos obter algum material para reflexão. Mesmo que não seja uma verdadeira economia Budista a que é apresentada aqui, ela pode fornecer algumas perspectivas Budistas sobre coisas que podem ser utilmente empregadas na economia.

Em meados da década de 70, um economista Ocidental, E.F. Schumacher, escreveu um livro intitulado ‘Small is Beautiful’ (Pequeno é Belo), cujo quarto capítulo tratava da economia Budista. O livro como um todo, mas especialmente esse capítulo, despertou em muitas pessoas, tanto no Oriente quanto no Ocidente, o interesse pelos aspectos dos ensinamentos Budistas relacionados à economia. Nós temos uma dívida de gratidão com o Sr. Schumacher por despertar esse interesse. No entanto, se nós consideramos a questão mais profundamente, nós podemos perceber que tanto a escrita de ‘Small is Beautiful’ quanto o subsequente interesse pela economia Budista demonstrado por acadêmicos Ocidentais ocorreram em resposta a uma crise. Atualmente, as disciplinas acadêmicas e estruturas conceituais Ocidentais atingiram um ponto que muitos consideram um beco sem saída ou, se não, pelo menos um ponto de inflexão que exige novos paradigmas de pensamento e metodologia. Acredita-se que as disciplinas atualmente existentes são incapazes de resolver completamente os problemas que o mundo enfrenta – novos caminhos têm que ser encontrados. Tais sentimentos têm levado muitas pessoas a buscar formas de pensamento fora de suas próprias disciplinas, o que tem levado ao interesse pelo Budismo e outras filosofias tradicionais Asiáticas, tão evidente atualmente.

Em seu ensaio sobre economia Budista, o Sr. Schumacher se baseia nos ensinamentos Budistas do Nobre Caminho Óctuplo para fundamentar a sua argumentação. Ele afirma que a inclusão do fator Modo de Vida Correto no Caminho Óctuplo, ou seja, o modo de vida Budista, indica a necessidade de uma economia Budista. Esse é o ponto de partida do Sr. Schumacher. No entanto, a natureza de suas visões e da economia Budista como ele vê isso, são assuntos que eu gostaria de deixar para trás por enquanto.

Eu gostaria em primeiro lugar de relatar uma história que aparece nas escrituras Budistas. Na verdade, trata-se de um evento que ocorreu durante a vida do Buda. Ela indica muitas coisas sobre a economia Budista, que o leitor poderá descobrir por si mesmo. A história é assim: uma manhã, enquanto o Buda estava residindo no mosteiro de Jetavana, perto da cidade de Sāvatthī, ele foi capaz de perceber com os seus poderes psíquicos que as faculdades espirituais de um certo pobre camponês que vivia perto da cidade de Ālavī eram maduras o suficiente para que ele entendesse os ensinamentos e que ele estava maduro para a iluminação. Seria apropriado ir ensiná-lo. Então, mais tarde naquela manhã, o Buda partiu caminhando para Ālavī, a cerca de 30 yojanas (cerca de 48 km) de distância. Os habitantes de Ālavī tinham o Buda em grande respeito e, em sua chegada, o receberam calorosamente. Finalmente, um lugar foi preparado para que todos se reunissem e ouvissem um discurso. No entanto, como o propósito específico do Buda em ir para Ālavī era iluminar esse pobre camponês, ele esperou que ele chegasse antes de começar a falar.

O camponês ouviu a notícia da visita do Buda e, como já se interessava pelos ensinamentos do Buda há algum tempo, quis ir ouvir o discurso. Entretanto, aconteceu que uma de suas vacas tinha acabado de desaparecer. Ele se perguntou se deveria ir ouvir o Buda primeiro e procurar a sua vaca depois, ou procurar a vaca primeiro. Ele decidiu procurar a vaca primeiro e rapidamente se dirigiu à floresta em busca dela. Por fim, o camponês encontrou a sua vaca e a levou de volta ao rebanho, mas quando tudo ficou como deveria, ele estava muito cansado. O camponês pensou consigo mesmo: ‘o tempo está passando, se eu voltar para casa primeiro, isso desperdiçará muito tempo. Eu irei direto para a cidade ouvir o discurso do Buda’. Decidido, o pobre camponês começou a caminhar em direção a Ālavī. Ao chegar ao local designado para a palestra, estava exausto e com muita fome.

Quando o Buda viu o estado do camponês, ele pediu aos anciãos da cidade que providenciassem comida para o pobre homem. Quando o camponês se saciou e se sentiu revigorado, o Buda começou a ensinar e, enquanto ouvia o discurso, o camponês reconheceu o fruto da ‘Entrada na Corrente’, o primeiro estágio da iluminação. O Buda havia cumprido o seu propósito ao viajar para Ālavī.

Após o término da palestra, o Buda despediu-se do povo de Ālavī e retornou ao mosteiro de Jetavana. Durante a caminhada de volta, os monges que o acompanhavam começaram a discutir criticamente os eventos do dia. ‘O que foi tudo isso? O Senhor não parecia ser ele mesmo hoje. Eu me pergunto por que ele os fez providenciar comida para o camponês daquele jeito, antes de concordar em proferir o seu discurso.’ O Buda, conhecendo o assunto da discussão dos monges, voltou-se para eles e começou a explicar as suas razões. Em certo momento de sua explicação, o Buda disse: ‘quando as pessoas estão sobrecarregadas e com dor devido ao sofrimento, elas são incapazes de entender Dhamma’. Então, o Buda prosseguiu dizendo que a fome é a mais grave de todas as doenças e que os fenômenos condicionados fornecem a base para o sofrimento mais arraigado. Somente quando alguém entende essas verdades, reconhecerá a suprema felicidade do Nibbāna. Todos os principais pontos da economia Budista aparecem nessa história. Eles serão desenvolvidos a seguir.

Limitações da Teoria Econômica na Era Industrial

(1) Especialização

Atualmente, os economistas consideram a atividade econômica isoladamente, sem referência a outras formas de atividade humana ou a outras disciplinas acadêmicas. Essa especialização é uma das características do desenvolvimento na Era Industrial. Consequentemente, ao analisar a atividade humana, os economistas tentam eliminar todos os aspectos ou pontos de vista não econômicos de suas considerações e se concentrar em uma única perspectiva: a de sua própria disciplina. O isolamento das questões econômicas de seu contexto mais amplo pode ser considerado a causa primária de muitos dos problemas que atualmente nos afligem. No Budismo, a economia não é separada de outros ramos do conhecimento e da experiência. Nos esforços para remediar os problemas da raça humana, as atividades econômicas não são abstraídas das atividades em outros campos. A economia não é vista como uma ciência independente e autocontida, mas como uma das várias disciplinas interdependentes que trabalham dentro de toda a matriz social/existencial. Atividades econômicas ostensivas são vistas de diversas perspectivas diferentes. A publicidade pode ser tomada como exemplo; em termos puramente econômicos, a publicidade consiste em métodos usados ​​para persuadir as pessoas a comprar coisas.

Ela leva a um aumento nas vendas, no entanto, à medida que os custos aumentam, os produtos se tornam mais caros. Mas a publicidade também está ligada a valores populares: os anunciantes têm que se basear em aspirações, preconceitos e desejos comuns para produzir anúncios atraentes. A psicologia social é empregada para utilizar valores populares para fins econômicos. A publicidade também tem um significado ético devido às suas repercussões na mente popular. O volume de publicidade pode causar um aumento do materialismo e imagens ou mensagens inadequadas podem prejudicar a moralidade pública. No plano político, decisões precisam ser tomadas em relação à política de publicidade — deve haver algum controle e, em caso afirmativo, de que tipo? Como se pode alcançar o equilíbrio adequado entre as preocupações morais e econômicas? A educação também está envolvida. Talvez seja necessário encontrar maneiras de ensinar as pessoas a estarem cientes de como a publicidade funciona, a refletir sobre ela e a considerar o quanto dela deve ser acreditado. Uma boa educação deve buscar fazer com que as pessoas sejam mais inteligentes na tomada de decisões sobre a compra de produtos. Portanto, o tema da publicidade demonstra como as atividades predominantes na sociedade podem ter que ser consideradas de muitas perspectivas, todas elas inter-relacionadas.

A especialização é capaz de ser um grande benefício, desde que nós não percamos de vista a nossa meta básica. As diversas disciplinas devem ser componentes diferentes de uma resposta completa aos problemas humanos. Se a extensão da responsabilidade de cada disciplina for totalmente determinada, essa responsabilidade poderá ser cumprida e o ponto de contato entre elas será definido com mais clareza. Assim, será possível um esforço mais concentrado para aliviar o sofrimento humano, com resultados melhores do que os alcançados atualmente. O erro reside em nosso orgulho, ao considerarmos a nossa própria disciplina capaz de resolver todas as dificuldades por si só. Não só é uma noção equivocada, como também impede uma solução bem-sucedida dos problemas em questão. Se esse ponto for aceito, então nós temos que descobrir exatamente onde a economia se conecta com outras ciências, disciplinas e atividades humanas. Onde a economia se conecta com a educação e a ética ao lidar com os problemas humanos? Se esses pontos de contato puderem ser esclarecidos, será possível encontrar o verdadeiro valor da especialização.

A afirmação do Sr. Schumacher de que a existência do Modo de Vida Correto como um dos fatores do Caminho Óctuplo exige uma economia Budista tem outras implicações. Em primeiro lugar, ela indica que o Modo de Vida Correto (ou economia) tem que ser considerado de grande importância no Budismo para ser incluído como um dos fatores do caminho. Isso demonstra que o Budismo aceita a importância da economia. Em segundo lugar, e inversamente, significa que a economia é considerada apenas um entre vários fatores (tradicionalmente oito) que compõem um modo de vida correto, ou seja, um modo de vida capaz de resolver os problemas que a humanidade enfrenta.

(2) Não isento de ética, porém, desatento a ela

Uma solução para os problemas que a humanidade enfrenta requer a presença de muitos fatores contribuintes, um dos quais é a ética, um assunto de particular relevância para mim como um monge Budista. Eu gostaria de discutir a ética aqui à luz de sua relação com a economia, para que ela possa servir para iluminar a conexão entre os diferentes componentes de um modo de vida correto. Nós já vimos a grande importância dessa relação em um nível geral, então vamos agora analisar alguns casos particulares que ilustram a natureza dessa relação e o seu significado.

A ética (ou a falta dela) afeta a economia direta e indiretamente. Se, por exemplo, uma determinada área é insegura, se há ladrões e muita violência e se as linhas de comunicação são inseguras — então é óbvio que as empresas não investirão lá, os turistas não desejarão ir para lá e assim por diante. A economia da área é, portanto, afetada negativamente. Esse é um fenômeno facilmente observável.

Em um sistema de transporte público, se os funcionários, os cobradores e os passageiros forem honestos, o governo não só receberá toda a sua receita, como também poderá economizar em inspeções. Se a honestidade dos passageiros for confiável, pode ser possível substituir os cobradores por máquinas de venda de bilhetes. Quando as pessoas são autodisciplinadas e ajudam a manter os seus arredores limpos e sem lixo, as autoridades municipais podem não precisar desperdiçar tanto dinheiro com coleta de lixo e outras operações de limpeza.

Por outro lado, se os negócios forem excessivamente gananciosos e tentarem aumentar os seus lucros usando ingredientes de baixa qualidade em alimentos, por exemplo, adicionando corante para tecidos em doces infantis, substituindo suco de laranja por produtos químicos ou adicionando ácido bórico em almôndegas (tudo isso tem ocorrido na Tailândia nos últimos anos), a saúde dos consumidores estará em risco. As pessoas adoecidas por essas práticas terão que arcar com os custos médicos. O governo terá que investir em investigações policiais e no julgamento dos infratores. Além disso, pessoas cuja saúde foi afetada trabalham com menos eficiência, causando queda na produtividade. No comércio internacional, aqueles que vendem produtos de baixa qualidade como se fossem de qualidade correm o risco de perder a confiança de seus clientes e dos mercados estrangeiros — bem como a moeda estrangeira obtida por meio desses mercados.

A liberdade do sistema de livre mercado pode ser perdida por meio de negócios que utilizam meios inescrupulosos de concorrência; a criação de um monopólio por meio da influência é um exemplo comum; o uso de bandidos para assassinar um concorrente, um dos mais heterodoxo. A eliminação violenta de rivais anuncia o fim do sistema de livre mercado, embora seja um método raramente mencionado nos livros didáticos de economia.

Empresas Ocidentais enviam medicamentos para países do Terceiro Mundo, os quais eles são proibidos de vender em seus próprios países. Esses chamados ‘medicamentos’ colocam em risco a saúde e a vida de quem os consome. Em termos econômicos, isso causa um declínio na qualidade e na eficiência de mão de obra, além de exigir o aumento dos gastos com saúde, o que representa um dreno para a nação.

Os negócios usam a publicidade para estimular o desejo pelos produtos deles. Os custos com publicidade são incluídos no investimento de capital e, portanto, adicionados ao preço do próprio produto. Assim, as pessoas tendem a comprar coisas desnecessárias a preços desnecessariamente altos. Há muito desperdício e extravagância. As coisas são usadas por um curto período e depois substituídas, embora ainda em boas condições. Isso é um desperdício de recursos econômicos e a sua existência está relacionada à propensão comum à ostentação de posses e status social. Os homens [e mulheres] de negócios conseguem explorar esses desejos para lucrar mais com os seus clientes, porque as pessoas que gostam de exibir as suas posses e status tendem a comprar produtos desnecessariamente caros sem considerar a qualidade deles. Elas adotam o apelo esnobe como critério delas, considerando que o gasto não é problema. Pior do que isso, há pessoas na Tailândia hoje que, incapazes de esperar até economizar o suficiente para comprar um produto novo, correm para pegar dinheiro emprestado, afundando-se em dívidas. Gastar além dos ganhos tem sérios efeitos nocivos. Eventualmente, o status da pessoa que o objeto deveria exaltar declina, juntamente com a economia do país, à medida que a sua balança comercial com outros países entra no vermelho.

Uma pessoa do mundo dos negócios me disse certa vez que, na Tailândia, se alguém visse um sikh andando de moto, poderia seguramente presumir que ele era um homem rico. Se ele estivesse dirigindo um carro, poderia presumir que ele era milionário. Mas se alguém fosse às províncias, descobriria que 50% dos Tailandeses que andam de moto as compraram a crédito. Esse fenômeno econômico também é uma questão de valores sociais. O mesmo ocorre com a compra de carros. Pessoas paupérrimas compram carros com dinheiro emprestado ou pagam por eles em prestações. Portanto, há carros por toda parte, o que dá origem ao problema de congestionamento, com todos os seus efeitos nocivos sobre a economia, até que, eventualmente, haja turbulência. A economia não pode ser dissociada das questões sociais. O amor pela ostentação e pela exibição é proeminente na Tailândia.

Algumas pessoas, embora razoavelmente abastadas, se recusam a pagar alguns dólares por um ingresso para um espetáculo. Para exibir os seus contatos, elas encontram um jeito de conseguir um ingresso de cortesia. Então, elas entram no espetáculo exibindo o seu ingresso gratuito. Nessas ocasiões, elas não estão dispostas a desembolsar nem um ou dois dólares. Mas essas mesmas pessoas, para exibir o prestígio ou posição social delas, podem organizar uma festa suntuosa para um grande número de pessoas e gastar milhares de dólares. Esse traço de caráter, ou esse tipo de sistema de valores, tem um grande efeito na economia. Às vezes, quando economistas Ocidentais vêm à Tailândia e se deparam com esse fenômeno, dizem que isso os deixa perplexos. Eles não conseguem ver como resolver os problemas econômicos do país. Quando eles se deparam com essas novas e estranhas mentalidades e comportamentos, ficam perplexos quanto à forma de encontrar uma solução.

Em questões econômicas, nós temos que considerar os vários fatores que passaram a estar envolvidos, um dos quais é a confiança ou crença. Nós necessitamos ter confiança nos bancos, confiança no mercado de ações. A qualquer momento em que haja perda de confiança, o mercado de ações pode entrar em colapso e os bancos entrarem em liquidação. Até mesmo a confiança, no sentido de crença nas alegações dos anunciantes, tem efeitos sobre a economia. Entretanto, a confiança também é condicionada por outros fatores. A sua presença ou ausência é frequentemente o resultado de manipulação deliberada por interesses comerciais.

No local de trabalho, se o chefe for responsável, capaz e gentil e inspirar a confiança e o afeto de seus funcionários e esses forem harmoniosos, diligentes e comprometidos com o trabalho deles, então a produção será alta. Tem havido casos em que o empregador tem sido uma pessoa tão boa que, quando os negócios deles falharam e quase vieram à falência, os funcionários, com compaixão, fizeram sacrifícios e trabalharam o máximo possível para tornar a empresa lucrativa novamente. Nesses casos, os funcionários às vezes se mostraram dispostos a aceitar cortes nos salários, ao invés de apenas exigir indenização.

Assim, valores humanos abstratos tornam-se variáveis ​​econômicas. Nós somos capazes de ver claramente que a diligência, a honestidade, a dedicação ao trabalho e a pontualidade têm grandes efeitos tanto na produtividade quanto na eficiência. Por outro lado, o tédio, a trapaça, a desonestidade, a discriminação, o desânimo, os conflitos e até mesmo as depressões e ansiedades pessoais têm efeitos adversos sobre a produtividade e esse ponto é importante.

Em um nível mais amplo, o nacionalismo é significativo. Se um senso de patriotismo pode ser incutido nas pessoas, elas poderão ser levadas a se recusar a comprar produtos estrangeiros, mesmo que esses produtos sejam de alta qualidade e haja incentivos para comprá-los. As pessoas são capazes de deixar de lado os desejos pessoais em consideração à grandeza de sua nação e usar apenas produtos fabricados em seu país. Elas desejam ajudar a produção para que o seu país possa prosperar e se tornar uma grande potência no mundo. Isso pode chegar ao ponto, como no Japão, em que o governo precisa tentar persuadir as pessoas a comprar produtos do exterior. O nacionalismo é, portanto, outro sistema de valores que afeta a economia.

(3) Incapaz de ser uma ciência, mas desejando ser uma

O grande número de exemplos que eu tenho dado até agora tem sido com o objetivo de demonstrar o efeito íntimo e significativo que a ética e os valores têm sobre a economia. No entanto, a ética, ou seja, as questões do bem e do mal, são apenas um aspecto do Dhamma.(*) A relação do Dhamma com a economia não se limita à esfera da ética. Outra maneira pela qual o Dhamma se conecta com a economia é com relação à verdadeira natureza das coisas, à condição natural dos fenômenos. De fato, esse aspecto é ainda mais importante do que a ética, porque diz respeito ao próprio coração ou essência da economia. A palavra ‘Dhamma’ é usada aqui para significar a verdade, ou em outras palavras, o processo complexo e dinâmico de causa e efeito que constitui o nosso mundo. Se a economia não conhecer, entender e se dedicar plenamente a todo o processo causal, a teoria econômica será incapaz de produzir soluções para os problemas que surgem, ou de produzir os efeitos salutares que ela almeja. Ela será uma economia que não está em harmonia com ‘a maneira de como as coisas são’ (Saccadhamma).

(*) Os ensinamentos do Buda ou ‘a maneira de como as coisas são’.

A maneira de como as coisas são’ refere-se à natureza da natureza, ou seja, ao verdadeiro modo de existência dos fenômenos e isso abrange todos os aspectos da teoria e da prática. Não é o objeto de nenhum ramo específico do conhecimento, mas sim a própria essência da ciência ou a essência que a ciência busca descobrir. A tendência contemporânea à divisão e à separação dos diferentes aspectos de um assunto complexo, que chegou até mesmo a tratamentos do Dhamma, é tendência perigosa e pode nos levar a nos desviar da verdade. Isso é outro ponto importante que deve ser entendido.

A economia tem sido considerada a mais científica das ciências sociais. De fato, os economistas se orgulham de quão científica é a disciplina deles: de que eles consideram apenas as coisas que são capazes de ser medidas e quantificadas. Afirma-se até que a economia é puramente uma ciência de números, uma questão de equações matemáticas. Em seus esforços para ser uma ciência, a economia tenta erradicar todas as questões de valores abstratos como inquantificáveis ​​e busca ser isenta de valores. No entanto, em oposição a essa tendência, alguns críticos da economia, até mesmo vários economistas, dizem que, na verdade, de todas as ciências sociais, a economia é a mais dependente de valores. Pode-se perguntar como é possível que a economia seja uma ciência livre de valores quando o seu ponto de partida são as necessidades percebidas dos seres humanos, que são uma função dos sistemas de valores da mente humana. Além disso, o ponto final ou meta da economia é responder a essas necessidades percebidas para a satisfação das pessoas e a satisfação também é um valor abstrato. Portanto, a economia começa e termina com valores abstratos. Decisões econômicas relativas à produção, ao consumo, etc. são amplamente dependentes de valores, como por exemplo nos debates sobre a outorga de concessões de mineração em parques nacionais. Consequentemente, é impossível que a economia seja livre de valores e é essa dependência de valores que a desqualifica de ser uma ciência completa.

Dois outros pontos podem ser levantados a esse respeito: o primeiro sendo que os princípios e teorias econômicos estão repletos de suposições não verificadas e que uma ciência não pode se basear nisso. Trata-se de uma objeção importante. Em segundo lugar, de qualquer forma, não é tão bom que a economia seja uma ciência. A ciência tem limitações demais para ser capaz de resolver todos os problemas da humanidade. Ela mostra apenas um lado da verdade, o que diz respeito ao mundo material. Se a economia de fato se tornasse uma ciência, então ela seria puxada pelo mesmo caminho que a ciência e assim teria a sua capacidade de remediar o sofrimento humano limitada.

A melhor atitude para a economia é enxergar e aceitar a verdade das coisas. A tentativa da economia de ser científica (ou seja, exata e precisa) é um de seus pontos positivos e deve ser mantida. No entanto, ao mesmo tempo, para qualquer resposta real ou eficaz ao sofrimento humano, particularmente no momento atual, que é um ‘ponto de virada’ para a sociedade humana, a economia certamente deveria se abrir à cooperação com outras disciplinas. Ela deveria lançar um olhar mais amplo e abrangente sobre a questão dos valores. Assim que os valores são aceitos como objetos legítimos para consideração, eles se tornam então fatores a serem estudados de acordo com o seu status adequado, permitindo que todo o processo causal seja observado. Mas se os valores não forem estudados, a economia jamais poderá ser científica, pois ela não é capaz de desenvolver qualquer entendimento de todo o processo causal do qual os valores são parte integrante.

Atualmente, a economia aceita apenas certos tipos ou aspectos de valores como relevantes para ela. Ela não estuda toda a gama de sistemas de valores. Erros são cometidos, por exemplo, em previsões econômicas, quando o fator de valores entra em jogo em um nível muito mais significativo do que a economia está disposta a permitir. Para dar um exemplo: um princípio da economia é que as pessoas só concordarão em se desfazer de alguma coisa quando elas puderem substituí-la por alguma coisa que lhes proporcionará igual satisfação. Aqui, pode-se objetar que isso não é invariavelmente verdadeiro. Às vezes, nós podemos experienciar uma sensação de satisfação ao nos desfazermos de alguma coisa sem receber nada tangível em troca, como quando os pais, por amor aos filhos deles, podem dar-lhes alguma coisa de presente sem esperar nada em troca. Eles se sentem satisfeitos, talvez mais do que se tivessem recebido algo em troca, sendo a causa, é claro, o amor que eles sentem por seus filhos. Se os seres humanos pudessem expandir o seu amor pelos outros, não o limitando às suas próprias famílias, mas sentindo amor por todas as outras pessoas, então eles poderiam ser capazes de se desfazer de coisas sem receber nada em troca e experienciar mais satisfação do que antes. Eles não apenas não seriam privados de satisfação, ou apenas receberiam uma compensação, como também eles experienciariam muito mais satisfação. Esse também é um exemplo de como os valores são capazes de afetar as questões econômicas.

Outro princípio econômico afirma que, quando os preços caem, as pessoas compram mais; quando os preços sobem, as pessoas compram menos. Geralmente, é assim que as coisas acontecem. Se os preços caem, o poder de compra das pessoas aumenta. Elas compram mais e o número de consumidores aumenta. Entretanto, nem sempre é esse o caso. Se alguém sabe que os membros de uma sociedade são dados à ostentação e à ostentação de posses como símbolos de status, então esse alguém pode usar essa tendência para induzir as pessoas a pensar em bens caros como moda. As pessoas são levadas a acreditar que quem consegue comprar tal e tal objeto caro se destacará da multidão e será membro da alta sociedade. Então, quanto mais se aumenta o preço, mais as pessoas compram aquela mercadoria, devido ao desejo delas de estarem na moda ou de se identificarem com um determinado grupo social.

De fato, existem inúmeros exemplos que a própria economia utiliza para demonstrar como os valores de uma sociedade determinam os preços, um dos quais diz respeito a dois homens que naufragaram em uma ilha deserta. Um homem tem um saco de arroz seco e o outro cem colares de ouro. Normalmente, um único colar de ouro seria suficiente, mais do que suficiente, para comprar um saco inteiro de arroz seco. Mas agora os dois homens se encontram presos em uma ilha, sem meios de escapar e sem garantia de que algum navio venha resgatá-los. O valor dos bens muda. Agora, a pessoa com o arroz pode comprar todos os cem colares de ouro por uma mera porção do arroz, ou pode se recusar a fazer a troca. Portanto, o valor dos bens é uma função da demanda.

No entanto, o que eu desejo salientar aqui é que a economia tem que distinguir entre os vários tipos de demanda e lidar com a questão da qualidade da demanda. A economia responde que não é da nossa conta, nós estamos interessados ​​apenas na demanda, a sua qualidade não nos diz respeito. No entanto, na verdade, a qualidade da demanda ou do desejo (carência) afeta a economia. No exemplo dado acima, existem outras possibilidades além da troca. O homem com os colares de ouro pode aproveitar um momento em que o dono do arroz não está presente para roubar um pouco ou pode simplesmente matar o dono para ficar com o saco inteiro. Por outro lado, os dois homens podem se tornar amigos e ajudar um ao outro, de modo que não haja necessidade de compra, venda ou troca; eles podem simplesmente compartilhar o arroz até que ele acabe. Isso poderia acontecer de qualquer uma dessas maneiras. Portanto, fatores como moralidade pessoal ou emoções como ganância e medo podem afetar o resultado econômico. Uma demanda que não se opõe à violência ou ao roubo terá resultados diferentes de uma que reconhece restrições morais.

Para demonstrar que a economia é uma ciência, que ela é objetiva e não se confunde com sentimentos e valores subjetivos, os economistas às vezes dão vários exemplos para sustentar os seus argumentos. Eles dizem, por exemplo, que uma garrafa de bebida alcoólica e um pote de macarrão Chinês podem ter o mesmo valor econômico, ou que ir a uma boate pode contribuir mais para a economia do que ouvir um discurso do Dhamma. Essas são verdades segundo a economia. Elas não levam em conta quaisquer valores. A economia não considerará os benefícios ou malefícios de uma determinada mercadoria, atividade, produção, consumo ou comércio. Nem os vícios associados à frequência de casas noturnas, nem o conhecimento e a sabedoria que advêm de ouvir uma palestra do Dhamma são sua preocupação. Outros podem olhar as coisas sob esses pontos de vista, entretanto, a economia não se importa com isso.

Refletindo cuidadosamente sobre os principais casos acima, percebe-se que a natureza científica e a objetividade da economia são bastante estreitas e superficiais. Os economistas analisam apenas uma curta fase do processo causal natural, como se estivessem cortando a parte em que estão interessados, sem prestar atenção a todo o fluxo de causas e condições. Essa é uma característica da economia na era industrial, que a impede de ser uma ciência verdadeira e de ser adequadamente objetiva. No entanto, certas tendências contemporâneas parecem indicar que a economia está começando a expandir a sua visão para abranger mais do processo causal e, consequentemente, está se movendo em consonância com a realidade.

A primeira coisa a considerar são os custos econômicos que podem advir de danos ao bem-estar do consumidor. Voltemos ao exemplo da garrafa de álcool e do pote de macarrão Chinês. Nós podemos ver que, embora os seus preços de mercado possam ser os mesmos, os seus custos econômicos não são iguais. A garrafa de álcool pode prejudicar a saúde da pessoa, forçando-a a gastar dinheiro com tratamento médico. A destilaria que produziu o álcool provavelmente liberou vapores fétidos no ar, que podem ser perigosos para a saúde, causando herpes labial, por exemplo. A poluição do meio ambiente causa uma degradação natural que tem efeitos econômicos. Isso pode forçar o governo a destinar recursos para remediar problemas ambientais. Quem bebe álcool pode bater o carro como resultado, incorrendo em custos econômicos maiores. E, claro, há os efeitos sociais prejudiciais: beber pode causar crimes e os custos do crime são muito altos. Além disso, a intoxicação significa que quem bebe terá pouca atenção plena, tornando-o menos eficiente no trabalho.

Cada um dos pontos acima está relacionado à economia. Elas implicam a necessidade de considerar os custos econômicos em uma escala muito mais ampla do que a atual, não apenas em termos de preços de mercado. Há uma tendência atual de incluir os custos ambientais nos cálculos de custo econômico. Alguns economistas chegam a incluí-los no preço do produto final. Mas isso não é suficiente. No caso da garrafa de álcool, além dos custos ambientais, há também os custos sociais, morais e de saúde (ou seja, criminalidade, eficiência da produção, etc.), todos com implicações econômicas.

(4) Falta de clareza em seu entendimento da natureza humana

Tendo demonstrado como a economia se relaciona com outras questões, particularmente valores e como é afetada por outras coisas, nós podemos agora nos voltar para outro problema importante: o do entendimento da natureza humana. É uma questão extremamente importante. Todas as disciplinas têm que ser fundamentadas no entendimento da natureza humana. Se alguma disciplina errar em seu entendimento, então será incapaz de alcançar a verdade completa e de realmente resolver os problemas da humanidade. Então, no que diz respeito à natureza humana, qual é o entendimento da economia e qual é o entendimento do Budismo e da economia Budista? Eu já mencionei que a economia analisa os fenômenos da demanda ou desejo humano, mas analisa apenas um lado deles, recusando-se a levar em conta a qualidade da demanda. Se isso for verdade e a qualidade da demanda for um fenômeno natural, significa então que a economia se recusa a considerar uma verdade que reside na natureza das coisas. Sendo assim, é preciso questionar ainda mais a economia sobre como ela poderia ser uma disciplina e como ele poderia dar uma resposta completa aos problemas humanos. A única defesa possível é que a economia é apenas uma disciplina especializada que tem que cooperar com as outras disciplinas relevantes.

(a) Desejo (carência)

Eu gostaria de começar a abordar o tema da natureza humana analisando demanda ou desejos (carências). A economia moderna e o Budismo ambos concordam que a humanidade tem desejos ilimitados. Há um grande número de ditos do Buda sobre esse ponto, por exemplo, natthi taṇhāsamā nadīnão há rio como o desejo. Os rios às vezes são capazes de transbordar, no entanto, os desejos dos seres humanos nunca chegam ao fim. Em alguns trechos dos textos Budistas, é dito que mesmo que o dinheiro caísse do céu como chuva, os desejos sensuais do homem não seriam satisfeitos. Em outros lugares, o Buda diz que, se alguém pudesse transformar magicamente uma montanha inteira em minério de ouro sólido, isso ainda não proporcionaria satisfação completa e duradoura a uma única pessoa. Assim, há um grande número de ensinamentos na tradição Budista que tratam da natureza ilimitada do desejo humano. Aqui, eu gostaria de relatar uma história que aparece nos Contos de Jātaka.

No passado distante e antigo, viveu um rei chamado Mandhātu. Ele era um governante muito poderoso, um imperador que é conhecido na lenda por ter vivido uma vida muito longa. Mandhātu tinha todos os requisitos clássicos de um imperador; ele era um ser humano excepcional. Ele tinha todas as coisas que alguém poderia desejar. Ele foi um príncipe por 84.000 anos, depois o herdeiro aparente por 84.000 anos e, em seguida, imperador por 84.000 anos. Um dia, depois de ter sido imperador por 84.000 anos, o Rei Mandhātu começou a mostrar sinais de tédio. A grande riqueza que ele possuía não era mais suficiente para satisfazê-lo. Os cortesãos do Rei viram que alguma coisa estava errada e perguntaram o que estava afligindo sua Majestade. Ele respondeu: ‘A riqueza e o prazer que desfruto aqui são insignificantes: diga-me, há algum lugar superior a isso?’ ‘O Céu, vossa Majestade’, responderam os cortesãos. Agora, um dos tesouros do Rei era o cakkaratana, um objeto mágico em forma de roda que podia transportá-lo para qualquer lugar ao seu comando. Então, o Rei Mandhātu usou-o para levá-lo o Céu dos Quatro Grandes Reis. Os próprios Quatro Grandes Reis vieram recebê-lo e, ao saberem de seu desejo, o convidaram a assumir todo o seu reino celestial.

O Rei Mandhātu governou o Céu dos Quatro Grandes Reis por um longo tempo, até que um dia começou a se sentir entediado novamente. Isso não era mais suficiente, o prazer que poderia ser derivado da riqueza e dos deleites daquele reino não o satisfazia mais. Ele conferiu com os seus assistentes e foi informado das alegrias superiores do reino do Céu Tāvatiṃsā. Então, o Rei Mandhātu pegou a sua cakkaratana e ascendeu ao Céu Tāvatiṃsā, onde ele foi saudado por seu governante, o Senhor Indra, que prontamente lhe fez um presente de metade de seu reino. O Rei Mandhātu governou o Céu Tāvatiṃsā com o Senhor Indra por mais um longo tempo, até que o Senhor Indra chegou ao fim do mérito que o sustentou em sua alta posição e foi substituído por um novo Senhor Indra. O novo Senhor Indra governou até que ele também chegasse ao fim de sua vida. Ao todo, trinta e seis Lordes Indras vieram e se foram, enquanto o Rei Mandhātu continuava desfrutando dos prazeres de sua posição. Então, finalmente, ele começou a se sentir insatisfeito; metade do céu não era suficiente; ele queria governar tudo. Então, o Rei Mandhātu começou a pensar em como matar o Senhor Indra e depô-lo. Mas é impossível para um ser humano matar o Senhor Indra, porque humanos não podem matar divindades e assim seu desejo não foi realizado. A incapacidade do Rei Mandhātu de satisfazer esse desejo fez com que ele começasse a apodrecer a própria raiz de seu ser, dando início ao processo de envelhecimento. De repente, ele caiu do Céu Tāvatiṃsā para a terra, onde aterrissou em um pomar com um baque estrondoso. Quando os trabalhadores do pomar viram que um grande rei havia chegado, alguns partiram para informar o palácio e outros improvisaram um trono provisório para ele se sentar. A essa altura, o Rei Mandhātu estava à beira da morte. A Família Real veio visitá-lo e perguntou se ele tinha alguma última palavra. O Rei Mandhātu proclamou a sua grandeza. Contou-lhes sobre o grande poder e riqueza que possuía na terra e no céu, mas finalmente admitiu que os seus desejos continuavam não realizados.

Aqui termina a história do Rei Mandhātu. Ela mostra como o Budismo compartilha com a economia a visão de que as necessidades da humanidade são ilimitadas ou infinitas. Mas o Budismo não para por aí. Ele prossegue falando de duas características da natureza humana que são relevantes para a economia e necessitam ser entendidas. Primeiro, o Budismo distingue dois tipos de desejo:

(a) o desejo por experiências prazerosas (ambas físicas e mentais), juntamente com o desejo pelas coisas que alimentam o senso de identidade, ou seja, os anseios conhecidos na terminologia Budista como ta,

(b) o desejo pelo verdadeiro bem-estar ou qualidade de vida (chanda).

O segundo ponto, também relacionado a esse princípio do querer, é que o Budismo sustenta que nós somos seres que têm a capacidade de nos treinar e desenvolver. O desejo por bem-estar ou por qualidade de vida indica um desejo de autodesenvolvimento ou, em outras palavras, o desenvolvimento do potencial humano. Único ponto essencial do desenvolvimento humano é, portanto, o desvio, ou a troca do desejo por coisas que proporcionam experiências agradáveis ​​e alimentam o senso de identidade, pelo desejo de verdadeiro bem-estar. Enquanto o primeiro tipo de desejo é ilimitado, o segundo não o é e, portanto, tende a entrar em conflito frequente com o primeiro, como, por exemplo, na questão da alimentação. Quando nós comemos, ambos os tipos de desejo estão presentes, embora para a maioria das pessoas o desejo de bem-estar geralmente não seja consciente; nós tendemos a estar cientes apenas do desejo por experiências prazerosas.

Por que os seres humanos comem? Certamente é para nutrir o corpo, para lhe dar força e boa saúde. Mas o desejo que surge na mente das pessoas é por prazer, por uma comida que seja ‘boa’ em termos de sabor. Esse desejo pode se opor ao desejo de bem-estar e até mesmo destruir a qualidade de vida. O desejo pela experiência de sabores deliciosos nos leva a buscar os alimentos mais saborosos e pode ser, por exemplo, que o alimento mais delicioso contenha aditivos artificiais que realçam o cheiro, a cor e o sabor, mas são prejudiciais ao nosso corpo e, portanto, ao nosso bem-estar. Além disso, pessoas que comem principalmente pelo sabor frequentemente comem desmedidamente. Podem comer tanto que depois sofrem de indigestão e flatulência. A longo prazo, podem ficar acima do peso, o que também é perigoso para a saúde. Alimentos que proporcionam bem-estar geralmente são bastante baratos, mas alimentos consumidos para satisfazer o desejo por sabor, ou alimentos que estão na moda atualmente, podem ser desnecessariamente caros. Pessoas que perseguem incansavelmente os desejos delas podem até gastar cem dólares por dia em comida.

Portanto, os dois tipos de desejo estão em conflito frequente. Quanto mais os seres humanos buscam satisfazer o desejo deles por prazer, mais eles destroem o seu verdadeiro bem-estar. O princípio se aplica não apenas ao consumo de alimentos, mas a todas as atividades humanas, até mesmo ao uso da tecnologia. Nós temos que aprender a distinguir entre os dois tipos de desejo e, então, refletir sobre eles com sabedoria.

O princípio do desejo nos leva ao tema do valor, porque o desejo (ou a demanda) cria valor. A natureza dupla do desejo cria dois tipos de valor, que podem ser denominados valor verdadeiro e valor artificial. O valor verdadeiro de algo é determinado por sua capacidade de satisfazer o desejo de bem-estar, enquanto o valor artificial, por sua capacidade de satisfazer o desejo de prazer. Em qualquer objeto, o valor verdadeiro tenderá a ser superado por um valor artificial criado a partir da cobiça e da vaidade. O desejo pelo sensualmente atraente ou por coisas da moda que sirvam como símbolos de status, juntamente com valores populares e preconceitos, tudo isso se acumula em nossa avaliação do valor das coisas.

(b) Consumo

A questão do consumo é semelhante à do valor. Nós temos que distinguir que tipo de desejo o nosso consumo visa satisfazer. Ele é para atender à necessidade de coisas de verdadeiro valor ou para desfrutar dos prazeres proporcionados por um falso valor? Pode-se dizer que o consumo é a consumação da atividade econômica humana, mas o significado atribuído a ele pela teoria econômica da era industrial e pela economia Budista não é o mesmo.

Consumo é o alívio ou a satisfação do desejo, isso é consenso. Da perspectiva da economia, consumo é definido simplesmente como o uso de bens e serviços para satisfazer desejos. Mas agora, vejamos a economia Budista. Ela define o consumo correto como o uso de bens e serviços para satisfazer o desejo de verdadeiro bem-estar. Em outras palavras, afirma que o consumo tem que ter uma meta e um propósito.

A economia da era industrial afirma que demanda consumo satisfação e ponto final, não há necessidade de saber o que acontece depois. Nessa visão, o consumo pode ser de qualquer coisa, desde que resulte em satisfação. A economia não considera se o bem-estar humano é ou não afetado negativamente por esse consumo. O Budismo concorda com o conceito básico de consumo, entretanto, acrescenta que o bem-estar humano tem que ser ampliado pela satisfação de uma demanda. O consumo tem que ter como objetivo a qualidade de vida. Essa é a diferença de perspectiva.

Consumo é o alívio ou a satisfação do desejo, isso é consenso. Da perspectiva da economia, consumo é definido simplesmente como o uso de bens e serviços para satisfazer desejos. Mas agora, vejamos a economia Budista. Ela define o consumo correto como o uso de bens e serviços para satisfazer o desejo de verdadeiro bem-estar. Em outras palavras, afirma que o consumo tem que ter uma meta e um propósito.

(c) Trabalho (work)  e trabalhando (working)

[Trabalho (refere-se a tarefas ou deveres realizados para atingir uma meta) e trabalhando (descreve o ato de realizar essas tarefas)]

‘Trabalho’ e ‘trabalhando’ também são termos que são entendidos de maneiras diferentes pela economia convencional e Budista e, mais uma vez, a diferença está relacionada aos dois tipos de desejo. No caso que o trabalho [work] está conectado com o desejo por verdadeiro bem-estar (que inclui o desejo de autodesenvolvimento e o desenvolvimento das potencialidades humanas), então os resultados do trabalho correspondem imediatamente e diretamente a esse desejo. O trabalho é feito com o desejo pelos resultados do próprio trabalho e, portanto, proporciona satisfação. Se, no entanto, o trabalho [working] é feito com o desejo pelas coisas que proporcionam prazer, então os resultados do trabalho em si não são o que se deseja. Eles são meramente as condições necessárias para adquirir as coisas que se deseja. O trabalho, então, é visto como uma questão de necessidade inevitável.

A diferença entre as duas atitudes em relação ao trabalho reside no fato de que, no primeiro caso, o trabalho é percebido como uma atividade extremamente segura e, no segundo, como uma tarefa necessária. A teoria econômica Ocidental moderna baseia-se na visão de que o trabalho [working] é alguma coisa que nós somos obrigados a fazer para obter dinheiro para consumo. É o tempo em que nós não estamos trabalhando [working], ou ‘tempo de lazer’, quando nós podemos experienciar felicidade e satisfação. Trabalho e satisfação são considerados princípios distintos e geralmente opostos. No entanto, ao longo dos séculos, os Ocidentais foram profundamente incutidos no amor pelo trabalho e na sede por conhecimento, de modo que tendem a trabalhar e estudar com determinação e dedicação, apesar de suas ideias negativas sobre o trabalho. No entanto, quando uma sociedade sem essa base cultural sólida adota essa visão do trabalho como condição para a aquisição de dinheiro, haverá então efeitos negativos sobre o trabalho, a economia, a vida individual e a sociedade como um todo.

Para exemplificar os dois tipos diferentes de trabalho, suponhamos que o Sr. Smith seja um pesquisador. Ele está buscando descobrir meios naturais de controle de regras para uso agrícola. O Sr. Smith aprecia o seu trabalho [work] porque o que ele almeja dele, conhecimento e a sua aplicação, são frutos diretos de sua pesquisa. Os avanços que ele faz e os aumentos em entendimento que ele experiencia lhe proporcionam uma satisfação constante. O crescimento de seu conhecimento e a clareza de seu entendimento continuamente adiciona para o prazer que o Sr. Smith obtém com o seu trabalho.

O Sr. Jones é um pesquisador na mesma área que o Sr. Smith. O Sr. Jones trabalha [working] por dinheiro e promoções. Portanto, os resultados do trabalho em si, o conhecimento e as suas aplicações práticas não são os resultados que ele deseja. Eles são meramente os meios pelos quais ele é capaz de, em última análise, obter o que realmente deseja, que é dinheiro e posição. O Sr. Jones não gosta do trabalho dele; ele o faz porque sente que ele precisa.

A partir dessa discussão sobre a natureza do trabalho, pode-se perceber que o trabalho no sentido Budista, realizado para satisfazer o desejo de bem-estar, é capaz de proporcionar uma satisfação constante. As pessoas são capazes de desfrutar do trabalho delas. Na terminologia Budista, isso se refere a trabalhar [work] com ‘chanda’. Porém, trabalhar com o desejo de algum prazer é chamado de trabalhar [working] com taṇhā. Pessoas trabalhando com taṇhā têm o desejo de consumir, de modo que, enquanto ainda trabalhando (e, portanto, ainda não estão consumindo), elas não experienciam satisfação e, portanto, são incapazes de desfrutar do trabalho delas.

Pode-se objetar que nem todos os tipos de trabalho oferecem a oportunidade de prazer e satisfação. Não é apenas o desejo por prazer que constitui o obstáculo. Muitos empregos, especialmente na indústria, são monótonos e pouco exigentes ou parecem sem sentido. Em outros, as condições físicas podem ser difíceis, até mesmo perigosas para a saúde. Em tais casos, o tédio, a frustração e a depressão dos trabalhadores têm efeitos negativos sobre a produtividade. A economia Budista aponta para a necessidade de criar empregos e organizar a produção de tal maneira a maximizar as oportunidades para os trabalhadores realizarem o desejo de bem-estar deles. No entanto, o ponto básico permanece válido. A atitude que nós mantemos em relação ao nosso trabalho, seja ele qual for, é um importante fator condicionante do efeito que ele tem sobre nós.

No que diz respeito aos assuntos tratados acima, ou seja, a natureza do desejo, dos valores e do trabalho, o Budismo aceita o fato de que é natural que as pessoas tenham desejos por coisas (tahā). Entretanto, ao mesmo tempo, o Budismo vê que os seres humanos também têm o desejo por qualidade de vida ou bem-estar e que esse segundo tipo de desejo é uma necessidade inerente e verdadeira da humanidade. Há um desejo de autoaperfeiçoamento e pelo bem. Consequentemente, o Budismo não nega o desejo, mas busca transformá-lo, tanto quanto possível, no desejo de bem-estar e fazer com que esse desejo leve ao autoaperfeiçoamento. Essa mudança de significado tem importância para muitos outros assuntos, até mesmo, por exemplo, as definições de riqueza, bens e serviços, competição e cooperação. Quando a base (fundação) das coisas muda, todas as coisas mudam.

(d) Competição e Cooperação

A visão da economia é que competir é da natureza humana. O Budismo, por outro lado, afirma que competir e cooperar é da natureza humana e, além disso, distingue entre cooperação verdadeira e artificial.

A competição é natural. Quando nós estamos nos esforçando para satisfazer o desejo de prazer, nós competiremos ferozmente, porque nesses momentos nós queremos obter o máximo possível para nós mesmos e nós não sentimos nenhuma sensação de suficiência ou plenitude. Se nós somos capazes de obter esse objeto de desejo totalmente para nós mesmos e ninguém mais obtiver nada dele, então tanto melhor. Inevitavelmente, a competição é intensa; é natural para a mente movida por ta. No entanto, o instinto competitivo pode ser utilizado para induzir a cooperação. Pode-se reunir todos os membros de um determinado grupo para competir com outro grupo. Pode-se, por exemplo, despertar ou encorajar o povo de um país a ser nacionalista e cooperar, recusando-se a comprar produtos do exterior. Mas essa cooperação é inteiramente baseada na competição. A estimulação do instinto competitivo de forma a dar origem à cooperação em um nível específico é o que o Budismo chama de cooperação artificial.

A verdadeira cooperação é aquela que ocorre no esforço de satisfazer o desejo por qualidade de vida. Quando os seres humanos desejam o verdadeiro bem-estar deles, eles são capazes de cooperar para resolver os problemas da humanidade. O potencial para a verdadeira cooperação reside na natureza humana. Uma forma de desenvolvimento humano envolve desviar as energias da humanidade da competição para um esforço cooperativo para resolver os problemas que o mundo enfrenta. Assim, para objetos de verdadeiro valor, nós somos capazes de cooperar, mas para valores artificiais, nós competiremos com todas as nossas forças para conquistar a posição ou o benefício pessoal que nós almejamos.

(e) Contentamento e Consumismo

Nesse ponto, eu gostaria de introduzir alguns comentários sobre o tema do contentamento. Embora não se encaixe exatamente no argumento aqui apresentado, está relacionado a ele e, como o contentamento é uma virtude frequentemente mal entendida, parece merecer alguma discussão.

A questão do contentamento envolve a qualidade de vida e os dois tipos de necessidades humanas que foram discutidos acima. É bastante evidente que pessoas satisfeitas têm menos necessidades do que aquelas descontentes. No entanto, uma definição correta do termo tem que incluir a ressalva de que o contentamento implica apenas a ausência de necessidades artificiais, ou seja, o desejo por prazer. O desejo pelo verdadeiro bem-estar permanece.

O nosso entendimento equivocado do significado de contentamento é devido à falha em distinguir entre os dois tipos diferentes de desejo. Nós agrupamos os dois tipos de desejo e, ao propor o contentamento, nós descartamos ambos. Uma pessoa contente passa a ser vista como alguém que não quer absolutamente nada. Aqui reside o nosso erro.

Os Tailandeses acreditam possuir a virtude do contentamento, no entanto, pesquisa têm mostrado que eles são consumidores ávidos. Essas duas coisas são incompatíveis. Você é capaz de ver a contradição? Ou os Tailandeses não estão contentes ou eles não são os grandes consumidores que eles disseram ser.

Uma crítica que tem sido feita no passado, que poderia ser chamada de acusação, é que o contentamento do povo Tailandês faz com que eles sejam preguiçosos e apáticos e assim impedem o país de progredir. Entretanto, um comentarista sustenta que é a propensão dos Tailandeses ao consumo e a aversão à produção que impedem o desenvolvimento. Portanto, uma visão é que é o contentamento que retarda o desenvolvimento e outra que é o gosto pelo consumo. Seja qual for a verdade, o certo é que despertar o desejo das pessoas por bens de consumo não leva invariavelmente a um aumento na produção. A crença, outrora amplamente difundida, de que o desenvolvimento econômico depende do incentivo ao gasto e ao consumo não tem sido confirmado pelos resultados. Na Tailândia, parece que os problemas se agravaram — os Tailandeses agora gostam de consumir muito, entretanto não gostam de produzir.

Nós pensamos apenas em consumir ou possuir coisas, mas não em fabricá-las nós mesmos. Nós queremos ter todas as coisas que eles têm nos países desenvolvidos e nos orgulhamos que nós vivemos como as pessoas vivem nesses países, mas nós não nos orgulhamos de produzir essas coisas como eles produzem. É essa atitude que realmente obstrui o desenvolvimento. Ela demonstra que simplesmente despertar o desejo nas pessoas sem um entendimento correto da natureza humana não pode produzir resultados satisfatórios. O desejo de consumir, uma vez despertado, ao invés de levar a um aumento na produção, leva à prodigalidade, ao endividamento e à criminalidade: um desenvolvimento que deu errado.

Será possível que os Tailandeses sejam, afinal, ambos consumidores contentes e ávidos afinal de contas? Que nós temos estado nos afastando de um contentamento tradicional e o trocando pelos valores do consumismo? Se for esse o caso, então isso significa que, ao introduzir o sistema econômico Ocidental em nossa sociedade, nós o aplicamos de forma equivocada e agora estamos sofrendo os resultados prejudiciais. Na verdade, se nós, Tailandeses, estivéssemos realmente contentes da maneira correta definida acima, isso nos permitiria sustentar um crescimento constante e contínuo da produção. O caminho a partir do contentamento para a produção seria semelhante ao percorrido pelos países Ocidentais, onde a Revolução Industrial se baseou na ética do trabalho Protestante.

A ética do trabalho Protestante ensina as virtudes do contentamento, da economia e da frugalidade e incentiva o investimento da poupança para aumentar a produção. Ela ensina as pessoas a amar o trabalho e a trabalhar pelo bem do trabalho. Os Ocidentais na época da Revolução Industrial viviam com contentamento, mas desejavam produzir. Ao invés de usar as suas energias para o consumo, eles as usavam para a produção, a fim de promover o avanço industrial. Nós, Tailandeses, também temos uma boa base: nós somos contentes, nós não gostamos de extravagâncias, nós não somos obcecados por consumo, nós sabemos ser econômicos e usar as coisas com parcimônia. O que nós necessitamos fazer é criar e estimular o amor pelo trabalho e o desejo de realização. Tal desejo levará à produção e dará frutos no desenvolvimento industrial. Portanto, em resumo, o contentamento, entendido corretamente, significa eliminar o primeiro tipo de desejo, o desejo artificial de prazer sensorial, mas encorajar e apoiar ativamente o desejo por qualidade de vida.

No Budismo, o contentamento está sempre associado ao esforço. O propósito do contentamento é visto como economizar o tempo e a energia perdidos em satisfazer desejos egoístas e usá-los para criar e nutrir o verdadeiro bem-estar.

Há muitas coisas que necessitam ser ditas sobre a produção: é um assunto amplo. A consideração do tema da produção não exige apenas um entendimento da existência humana, mas exige um exame abrangente de toda a natureza. Em economia, a palavra ‘produção’ é enganosa. Nós tendemos a pensar que, por meio da produção, nós criamos coisas novas, quando, na verdade, nós apenas efetuamos mudanças de estado. Nós transformamos uma substância ou forma de energia em outra. Essas transformações implicam a criação de um novo estado pela destruição de um antigo. Assim, a produção é quase sempre acompanhada de destruição.

Se a economia fosse uma ciência verdadeira, ela não trataria a produção isoladamente. A produção envolve destruição e, em alguns casos, a destruição é aceitável, em outros, não. Consequentemente, o ponto a ser considerado em relação à produção econômica é se, nos casos em que o valor do produto é compensado pelos valores daquilo que é destruído, a produção é justificada. Em alguns casos, nós podemos ter que nos abster da produção para manter a qualidade de vida.

Portanto, na economia moderna, a consideração apenas em termos de produção ou não produção é incorreta. A não produção pode ser uma atividade econômica útil. Nós temos que examinar o tema da produção dividindo-a em dois tipos:

(a) produção compensada pela destruição, por exemplo, produção que implica destruição de recursos naturais e degradação ambiental,

(b) produção para destruição, por exemplo, fabricação de armas.

Em (a), a não produção às vezes é necessária e em (b) é sempre a melhor escolha [não produção].

Há produção com resultados positivos e produção com resultados negativos; produção que enriquece a qualidade de vida e produção que a destrói.

Na economia da era industrial, o termo produção recebeu um significado muito restrito. Considera-se que se refere apenas às coisas que podem ser compradas e vendidas — é uma economia de mercado. Assim, se eu fabrico uma mesa e uma cadeira no meu mosteiro e depois as uso eu mesmo, economicamente falando, não produzi nada. Um comediante profissional sobe ao palco e conta piadas. Ele relaxa o público e os diverte. Isso é considerado economicamente produtivo porque o dinheiro muda de mãos. No entanto, alguém que trabalha em um escritório, que é muito alegre, sempre dizendo e fazendo coisas para animar e revigorar aqueles ao seu redor, para que os seus colegas de trabalho fiquem livres de tensão (e não sintam necessidade de ir ver um comediante profissional), não é considerado como tendo produzido algo. Nós nunca consideramos o preço econômico da ação e do discurso que criam continuamente tensão no local de trabalho, de modo que os afetados precisam encontrar uma maneira de aliviá-la com diversões como ir ver um comediante. Para dar outro exemplo: uma tourada, onde as pessoas pagam para ver touros mortos, é considerada uma produção econômica. Uma criança ajudando um idoso a atravessar a rua, não.

Por favor, reflita sobre os casos mencionados acima. Eles são exemplos que demonstram a estreiteza do pensamento econômico e sua definição de produção. A economia Budista expande o seu pensamento de forma mais ampla. Em relação a esse assunto, se alguém procurar a ‘mão invisível’ de Adam Smith, tem-se que reclamar que ela não funciona em todos os lugares. As questões de riqueza e crescimento econômico têm que ser reconsideradas. Qual é o verdadeiro propósito do crescimento econômico, afinal? Certamente ele tem que ser garantir um aumento na qualidade de vida.

As Principais Características da Economia Budista

(1) Economia do Caminho do Meio: a realização do verdadeiro bem-estar

Uma característica importante da economia Budista é que ela é um ‘caminho do meio’. Poderia ser chamada de economia do caminho do meio. O modo de vida Budista é chamado de caminho e cada um dos oito fatores do caminho é chamado de sammā, que significa certo ou correto, por exemplo, sammā ājīva: Meio de Vida Correto. Cada fator é sammā porque gera o benefício ideal em sua respectiva esfera. O caminho é um meio-termo entre o excesso e a falta. É exatamente o certo. Portanto, o meio-termo significa ‘a quantidade certa’.

Schumacher afirma que a presença do Modo de Vida Correto no Caminho Óctuplo do Budismo exige uma economia Budista. O que pode ser acrescentado a essa afirmação é o fato de que ela também faz com que seja inevitável a presença do Modo de Vida Errado. Da mesma forma, atividade econômica correta implica atividade econômica incorreta. Aqui, uma economia correta ou ‘certa’ é uma economia do meio-termo. O Budismo está repleto de ensinamentos que se referem ao meio-termo, à quantidade certa, ao conhecimento da moderação e todos esses termos podem ser considerados sinônimos da ideia de equilíbrio. Mas a que exatamente todos esses termos se referem? Nós podemos definir ‘a quantidade certa’ como o ponto em que a satisfação humana e o verdadeiro bem-estar coincidem, ou seja, quando nós experienciamos satisfação ao atender ao desejo de qualidade de vida. Esse ponto nos leva de volta ao tema do consumo, que foi afirmado acima como a consumação da economia. Aqui nós podemos examinar os significados de consumo mais uma vez.

De acordo com a economia convencional, o termo consumo refere-se ao uso de bens e serviços para atender a desejos e necessidades, de modo a proporcionar a máxima satisfação. No entanto, no sistema Budista, consumo refere-se ao uso de bens e serviços para atender a desejos e necessidades de maneiras que gerem satisfação por terem melhorado a qualidade de vida. Na visão Budista, quando a melhoria do verdadeiro bem-estar é vivenciada por meio do consumo, esse consumo é considerado bem-sucedido. Se o consumo resulta apenas em sentimentos de satisfação e esses sentimentos são alimentados sem qualquer entendimento da natureza desse consumo ou de suas repercussões, então, de acordo com a economia Budista, isso é incorreto. A satisfação de desejos pode ter efeitos nocivos e causar um declínio na qualidade de vida.

De acordo com a economia convencional, o termo consumo refere-se ao uso de bens e serviços para atender a desejos e necessidades, de modo a proporcionar a máxima satisfação. No entanto, no sistema Budista, consumo refere-se ao uso de bens e serviços para atender a desejos e necessidades de maneiras que gerem satisfação por terem melhorado a qualidade de vida.

O consumo é capaz de aumentar a qualidade de vida e, assim, formar a base para o desenvolvimento das potencialidades humanas, que, por sua vez, enobrecem a vida. Assim, a economia está relacionada a toda a existência humana. Sendo assim, para ter alguma autenticidade, a economia tem que desempenhar um papel no desenvolvimento das potencialidades humanas e ajudar a humanidade a ser capaz de levar uma vida nobre, a desfrutar de um tipo de felicidade cada vez mais maduro. Se não o fizer assim, então de que ela nos serve?

Que a consumação da economia reside no consumo é evidenciado na economia Budista pelo princípio de bhojane mattaññutā. Esse é um ensinamento que aparece em todas as escrituras Budistas, até mesmo no Ovāda Pāṭimokkha, os versos considerados como o coração do Budismo, onde é expresso como mattaññutā ca bhattasmiṁ, ‘conhecer a moderação no consumo’. Conhecer a moderação significa conhecer a quantidade ideal, o quanto é ‘exatamente o certo’. O princípio de mattaññutā, de saber a quantidade certa, é importante no Budismo. Ele ocorre em uma ampla gama de contextos, por exemplo, como uma das sete virtudes do Homem (ou Mulher) Bom (Boa) e está invariavelmente presente em qualquer referência ao consumo.

Mattaññutā é a característica definidora da economia Budista. Saber a quantidade certa de consumo refere-se à uma consciência no nível da realidade (awareness) daquele ponto ótimo onde a melhoria do verdadeiro bem-estar coincide com a experiência de satisfação. Nos ensinamentos que estabelecem a maneira como monges e monjas devem fazer uso dos requisitos que lhes são oferecidos, enfatiza-se que eles devem considerar a razão e o propósito de seu consumo, como na fórmula tradicional: Paisakhā yoniso piṇḍapāta…; refletindo sabiamente, eu esmolo comida. Tudo o que é consumido tem que, antes de tudo, ser refletido com sabedoria.

Esse princípio não se restringe aos monásticos; aplica-se a todos os Budistas. Nós devemos refletir inteligentemente sobre a comida, pois o verdadeiro propósito de comer não é a diversão, a indulgência ou o fascínio do paladar. Nós refletimos que é inapropriado comer coisas só porque são caras e estão na moda. Nós não devemos comer de forma extravagante e esbanjadora. Nós devemos comer para sustentar as nossas vidas, para a saúde do corpo, para erradicar as dolorosas sensações de fome que surgiram e para evitar que novas (por excesso de comida) surjam. Nós comemos, assim, para podermos continuar as nossas vidas com facilidade. Nós comemos para que a energia que nós derivamos a partir da comida seja capaz de sustentar uma vida nobre e feliz. Sempre que nós consumimos alguma coisa, nós devemos entender o significado do que nós estamos fazendo dessa maneira e consumir de maneira a experienciar resultados que estejam de acordo com esse propósito. ‘Na medida certa’ ou o ‘caminho do meio’ está bem aqui.

Quando uma pessoa reflete sobre consumo e entende que o seu propósito é manter a saúde e sustentar uma vida boa e feliz, então o verdadeiro bem-estar ou qualidade de vida será o que ela deseja. Ao consumir um determinado produto ou serviço, essa pessoa se sentirá satisfeita por ter enriquecido a sua qualidade de vida. Esse é o significado de mattaññutā ou a ‘quantidade certa’ que constitui o caminho do meio.

Conclui-se do exposto que a atividade econômica é um meio e não um fim em si mesma. Os resultados econômicos desejados não são a meta real, mas um caminho para ele, ou seja, são uma base de sustentação para o processo de desenvolvimento humano que leva a uma vida melhor. No caso da alimentação, não significa apenas comer para apreciar o sabor e se sentir satisfeito, mas comer até se saciar para ter a energia física e mental necessária para poder dar atenção e refletir sobre os assuntos que aumentarão a sua sabedoria. Na história relatada anteriormente, o Buda deu comida ao pobre camponês, não apenas para saciar a fome dele, mas para que ele pudesse ouvir um discurso do Dhamma depois. O consumo é um meio para um fim.

Considerando esses princípios, certas práticas subsidiárias estão implícitas. Por exemplo, pessoas que têm comida suficiente para as suas necessidades não são incentivadas a comer o quanto quiserem ou a simplesmente seguir os seus desejos. Além disso, às vezes são elogiados os monges que comem apenas uma vez ao dia. A economia, por outro lado, elogiaria aqueles que comem mais; aqueles que comem três ou quatro vezes ao dia. Se alguém comesse dez vezes ao dia, tanto melhor. Mas, no Budismo, dado que comer uma vez ao dia é suficiente para satisfazer a necessidade de verdadeiro bem-estar, os monges que o fazem são elogiados. Não é que se limitar a comer uma refeição por dia seja a meta, é claro. Se não se fizesse nada depois para aproveitar essa frugalidade, seria inútil, apenas uma forma de se maltratar. Portanto, tem-se que considerar o consumo como uma condição para o autodesenvolvimento.

Comer uma refeição por dia não é uma prática restrita aos monges. Nos dias de Observância, os leigos Budistas podem adotar os Oito Preceitos por um dia e uma noite, um dos quais é abster-se de comer após o meio-dia. A renúncia à refeição noturna torna-se uma atividade econômica benéfica para o desenvolvimento da qualidade de vida. O consumo é, portanto, uma atividade econômica que leva ao desenvolvimento da qualidade de vida, que pode ser de natureza positiva ou negativa; pode significar comer ou não comer. Em outras palavras, não comer também pode ser uma atividade econômica que aumenta a qualidade de vida e, assim, proporciona satisfação.

Normalmente, a nossa satisfação surge do consumo, mas também existem muitos casos em que nós somos capazes de experienciar uma sensação de satisfação com o não consumo. No entanto, a satisfação com o não consumo pode surgir de alguma impureza mental; por exemplo, alguém poderia comer apenas uma vez ao dia por vaidade, para mostrar o quão durão ou asceta é, e então sentir prazer e satisfação com o orgulho que sente por sua realização. A satisfação que surge da vaidade está a um passo daquela que surge da satisfação do desejo. A forma correta de satisfação, nesse caso, seria comer pouco ou abster-se de comida como forma de treinamento, a fim de ir contra a corrente do desejo e então sentir-se prazeroso e satisfeito com o consequente aumento do seu verdadeiro bem-estar. Muitas pessoas, em seus esforços para encontrar satisfação através do consumo, prejudicam a sua saúde e de fato causam danos a si mesmas e aos outros.

Beber álcool, por exemplo, satisfaz um desejo, mas é causa de problemas de saúde, brigas e acidentes. Pessoas que comem por gosto frequentemente comem em excesso e se tornam pouco saudáveis. Outras não se preocupam com os valores alimentares e gastam muito dinheiro com comida rápida (junk food), de modo que algumas pessoas chegam a apresentar deficiência de certas vitaminas e minerais, apesar de comerem grandes refeições todos os dias. Incrivelmente, casos de desnutrição já foram relatados. Além de não fazer bem a si mesmas, a alimentação excessiva priva outras pessoas de comida. Portanto, prazer e satisfação não são uma medida de valor. Se a nossa satisfação reside em coisas que não enriquecem a qualidade de vida, isso pode, às vezes, destruir o nosso verdadeiro bem-estar. Nós podemos nos deludir e intoxicar; nós podemos perder a nossa saúde, perder a qualidade de vida.

Existe um princípio econômico clássico de que o valor essencial dos bens reside em sua capacidade de proporcionar satisfação ao consumidor. Aqui, nós podemos apontar os exemplos acima, onde o consumo excessivo e a satisfação intensa têm resultados positivos e negativos. A perspectiva Budista é que o benefício dos bens e serviços reside em sua capacidade de proporcionar ao consumidor uma sensação de satisfação por ter melhorado a sua qualidade de vida. É preciso haver essa cláusula adicional. Todas as definições, sejam de bens, serviços, riqueza ou qualquer outra coisa, têm que ser modificadas dessa maneira.

(2) Não prejudicar a si mesmo ou aos outros

Outro significado do termo ‘apenas a quantidade certa’ é não prejudicar a si mesmo ou aos outros. Esse é outro princípio importante, usado no Budismo como critério básico da ação correta, não apenas em relação ao consumo, mas para toda atividade humana. Aqui, pode-se notar que, no Budismo, ‘não prejudicar os outros’ não se aplica apenas aos seres humanos, mas a tudo o que vive ou, em uma linguagem mais contemporânea, a todos os ecossistemas.

A partir de uma perspectiva Budista, os princípios econômicos estão relacionados aos três aspectos interconectados da existência humana: seres humanos, natureza e sociedade (com o significado da palavra natureza usado no sentido de ecossistemas). A economia Budista tem que estar em concordância com todo o processo causal e, para isso, tem que ter uma relação adequada com todos os três aspectos, que, por sua vez, tem que se harmonizar e se apoiar mutuamente. A atividade econômica tem que ocorrer de tal maneira que ela não prejudique a si mesmo, ou seja, não cause um declínio na qualidade de vida, mas, ao contrário, a melhore. Não prejudicar os outros significa não causar sofrimento e agitação à sociedade e não causar degeneração na qualidade dos ecossistemas.

Atualmente, há uma crescente consciência no nível da realidade [awareness] em países desenvolvidos sobre as questões ambientais. As pessoas estão preocupadas com atividades econômicas que envolvem o uso de produtos químicos tóxicos e a queima de combustíveis fósseis, entre outras. Tais atividades são prejudiciais à saúde dos indivíduos, ao bem-estar da sociedade e ao meio ambiente. Elas podem ser incluídas na expressão ‘prejudicar a si mesmo e aos outros’ e representam um grande problema para a humanidade.

Tecnologia

Eu gostaria de fazer uma pequena digressão nesse ponto e dizer alguma coisa sobre tecnologia. Pode-se questionar qual é o nosso entendimento de tecnologia. No Budismo, ou particularmente na economia Budista, tecnologia é definida como o meio de estender (ampliar) o alcance das faculdades humanas. Nós possuímos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente — essas são as nossas faculdades sensoriais e o seu uso é limitado. Se nós queremos pregar um prego e nós usamos o punho, será muito doloroso. Se nós temos que andar para onde quer que nós queiramos ir, isso será muito demorado.

No Budismo, ou particularmente na economia Budista, tecnologia é definida como o meio de estender (ampliar) o alcance das faculdades humanas.

Então, o que nós somos capazes de fazer? Nós inventamos um martelo. Um martelo estende (amplia) o alcance das nossas faculdades sensoriais, aumenta a quantidade de trabalho que nós podemos realizar com as mãos. Nós temos ampliado distâncias que os nossos pés são capazes de nos levar construindo veículos e, posteriormente, aviões. Os nossos olhos são incapazes de ver objetos muito pequenos, então nós inventamos microscópios para ver microrganismos. Eles não conseguem ver as estrelas que estão a grandes distâncias da Terra e por isso nós construímos telescópios. Hoje em dia, nós somos capazes de até construir um computador para ampliar a capacidade do cérebro. Assim, a tecnologia estende (amplia) o alcance das faculdades sensoriais.

Na era moderna, o nosso uso de meios materiais para efetuar a extensão do alcance das faculdades sensoriais levou a avanços industriais, mas a forma atual de tecnologia não é a única.

Historicamente, tem havido culturas cujos povos se preocuparam seriamente com questões da mente. Eles também encontraram maneiras de ampliar o alcance das faculdades humanas, mas utilizaram meios não físicos. Diz-se que certos monges e iogues desenvolveram poderes psíquicos, como a capacidade de voar pelo ar e de ler a mente dos outros. Assim, nós podemos distinguir dois tipos de tecnologia: a física e a psíquica. As pessoas fazem uso da tecnologia em sua relação com a sociedade e a natureza e assim ela se torna um novo tipo de fator ambiental, criado pelo homem. Às vezes, esse fator criado pelo homem entra em conflito com o bem-estar da sociedade e da natureza, causando vários problemas.

O desenvolvimento tecnológico pode causar um desequilíbrio na qualidade de vida humana, na natureza e na sociedade; ele pode prejudicar a relação harmoniosa e solidária entre esses três fatores, causando o seu declínio. E a tecnologia pode ser usada de forma prejudicial a si mesmo e aos outros. Esses problemas podem ser remediados pelo desenvolvimento de tecnologias que conduzam à harmonia e ao apoio mútuo entre esses três elementos da existência humana e pelo uso da tecnologia para promover o verdadeiro bem-estar de si mesmo e dos outros.

Resumo

Em resumo, um ponto importante que tem que ser enfatizado é que os resultados econômicos que nós buscamos não são fins em si mesmos. Eles são meios e o fim ao qual eles têm que conduzir é o desenvolvimento da qualidade de vida e da própria humanidade. Consequentemente, a visão do Budismo é que a atividade econômica e os seus resultados têm que fornecer a base para uma vida boa e nobre e para o desenvolvimento individual e social.

O Budismo considera a economia de grande importância — isso é demonstrado pelo Buda fazendo o camponês comer alguma coisa antes de lhe ensinar. Os economistas podem divergir quanto a se o investimento do Buda em uma caminhada de 45 quilômetros valeu a iluminação de uma única pessoa, mas a questão é que não apenas o Modo de Vida Correto é um dos fatores do Caminho Óctuplo, mas também que pessoas famintas não são capazes de apreciar o Dhamma. Embora o consumo e a riqueza econômica sejam importantes, eles não são metas em si mesmos, mas são apenas os fundamentos para o desenvolvimento humano e a melhoria da qualidade de vida. Eles nos permitem reconhecer o profundo: depois de comer, o camponês ouviu o Dhamma e se iluminou. Nós temos que garantir que a criação de riqueza conduza a uma vida em que as pessoas possam ser criativas, desenvolver os seus potenciais e se esforçar para serem boas e nobres. Em suma, é da qualidade de vida sobre o que nós estamos falando.

No Budismo, existe um ensinamento chamado de Três Attha: isso é, as metas inicial, média e final da vida humana. A meta inicial, ou básica, refere-se a ‘benefícios visíveis’, dos quais uma segurança econômica razoável é central; entretanto, os benefícios do primeiro Attha têm que ser coordenados de modo a auxiliar na obtenção das duas metas seguintes — a meta média das virtudes mentais e da qualidade de vida e a meta final da completa liberdade interior. No esforço para ajudar a alcançar essas três metas, a economia tem que considerar a si mesma um fator contribuinte, um dos muitos ramos inter-relacionados do conhecimento que tem que se apoiar mutuamente na solução dos problemas humanos. Consequentemente, uma tarefa importante para a economia é encontrar os seus pontos de contato com outras disciplinas e descobrir as melhores maneiras de cooperar com elas, a melhor maneira de distribuir a carga de trabalho. A educação, por exemplo, poderia ser usada para ensinar as pessoas a reconhecer valores verdadeiros e falsos, o que é e o que não é qualidade de vida e, assim, cooperar com a economia no desenvolvimento humano.

A maior parte de nossas vidas é ocupada com atividades econômicas. Se a economia tem que ter um papel real a desempenhar na resolução dos problemas que a humanidade enfrenta, então todas as atividades econômicas, sejam elas de produção, trabalho, gasto ou consumo, têm que ajudar a criar o verdadeiro bem-estar e desenvolver o potencial para uma vida boa e nobre. É alguma coisa que nós somos capazes de fazer. A essência da economia Budista reside aqui: em garantir que a atividade econômica melhore simultaneamente a qualidade de nossas vidas.”

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Imagem: akash-rai-uOeUVKLtZWg-unsplash

Bangkok, Bangkok, Thailand

Publicada em 10 de setembro de 2020

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A Espiritualidade nas Empresas trata-se de uma Filosofia cujos Princípios são capazes de ajudar tanto as Pessoas quanto as Organizações.

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Autor

Graduação: Engenharia Operacional Química. Graduação: Engenharia de Segurança do Trabalho. Pós-Graduação: Marketing - PUC/RS. Pós-Graduação: Administração de Materiais, Negociações e Compras - FGV/SP. Blog Projeto OREM® - Oficina de Reprogramação Emocional e Mental - O Blog aborda quatro sistemas de pensamento sobre Espiritualidade Não-Dualista, através de 4 categorias, visando estudos e pesquisas complementares, assim como práticas efetivas sobre o tema: OREM1) Ho’oponopono - Psicofilosofia Huna. OREM2) A Profecia Celestina. OREM3) Um Curso em Milagres. OREM4) A Organização Baseada na Espiritualidade (OBE) - Espiritualidade no Ambiente de Trabalho (EAT). Pesquisador Independente sobre Espiritualidade Não-Dualista como uma proposta inovadora de filosofia de vida para os padrões Ocidentais de pensamentos, comportamentos e tomadas de decisões (pessoais, empresariais, governamentais). Certificação: “The Self I-Dentity Through Ho’oponopono® - SITH® - Business Ho’oponopono” - 2022.

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